DOI: http://dx.doi.org/10.22483/2177-5796.2017v19n1p209-232
Políticas de educação na comunidade dos países de língua portuguesa: uma
análise das ações de cooperação
Pedro Bastos de Souza
Álvaro Reinaldo de Souza
Resumo: A promoção da educação para os povos que integram a CPLP - Comunidade dos Países de Língua
Portuguesa - é fundamental para o exercício dos direitos de cidadania e consequente desenvolvimento
econômico da comunidade. Integração, cooperação solidária e multilateralismo aparecem como vetores
basilares no fomento de políticas de educação no universo da CPLP. O presente estudo tem como objeto
traçar um panorama do atual estágio de promoção das políticas públicas na área educacional no âmbito dos
Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) e do Timor Leste, procurando, principalmente,
apontar as bases para sua formulação e o contexto em que se insere. Busca-se, ainda, analisar o papel das
redes de cooperação deste processo, enfatizando a experiência brasileira.
Palavras-chave: CPLP. Políticas públicas. Educação. Cooperação com África Lusófona e Timor Leste.
Education policies in Portuguese-speaking countries community: an analysis
of cooperation actions
Abstract: The promotion of education for people who are part of the CPLP is central to the exercise of citizenship
rights and consequent economic development of the community. Integration, partnership and
multilateralism appear as vectors in promoting education policies in the CPLP universe. The object of this
study is to give an overview of the current stage of promoting public policies in education at PALOPS and
East Timor, looking mainly to point out the basis for its formulation and context in which it appears. The
aim is also to analyze the role of cooperation networks in this process. In addition to the analysis of
problematization and formulation, the research approaches cooperation in higher education, emphasizing
Brazilian experience.
Keywords: CPLP. Public policies. Education. Lusophone Africa and East Timor cooperation.
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portuguesa: uma análise das ações de cooperação.
1 Introdução
A aceleração do fenômeno da globalização, com o desenvolvimento da informática e dos
meios de comunicação digitais, trouxe um “encurtamento” de distkncias, permitindo a formação
de novas comunidades, permeadas por outros critérios que não a proximidade geográfica. Na
complexa teia de relações internacionais, critérios de natureza econômica, histórica e cultural
passam a ser a base para novos vínculos.
Neste cenário, cresce a necessidade e importância da construção de processos
cooperativos de desenvolvimento regional e para a integração entre países. No contexto de
congregar pontos em comum para a busca de cooperação insere-se a CPLP - Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa, que possui, dentre outros objetivos:
[…] a concertação político-diplomática entre seus membros para o reforço da sua
presença no cenário internacional” e “a cooperação em todos os domínios, inclusive os
da educação, saúde, ciência e tecnologia, defesa, agricultura, administração pública,
comunicações, justiça, segurança pública, cultura, desporto e comunicação social. Visa,
ainda, a difusão e promoção do idioma português (CPLP. Estatuto, 2007, art. 3º).
Trata-se de um organismo constituído em 1996 e que hoje congrega nove países cujo
idioma oficial é o português (Brasil, Portugal, Angola, Moçambique, Cabo Verde, Timor Leste,
Guiné-Bissau, Guiné Equatorial e São Tomé & Príncipe).
A ligação por um traço comum - idioma português - é um terreno fértil para a cooperação
entre os povos e, especialmente, para a afirmação de direitos humanos nas regiões mais carentes.
As Políticas Públicas de Educação ocupam um lugar central entre os projetos e programas
desenvolvidos no âmbito da CPLP.
A CPLP adquire função geopolítica estratégica nas chamadas relações Sul-Sul. Tomando
como mote os laços históricos entre as nações lusofalantes, a afirmação de uma identidade
cultural com traços comuns serviria como contraponto a algumas características nefastas da
globalização, como a homogeneização cultural, o desenraizamento dos sujeitos e a assimilação,
de forma acrítica, dos paradigmas da sociedade de consumo dos EUA como sendo hegemônicos.
Serviria, ainda, como um novo paradigma em matéria de promoção de direitos fundamentais,
abandonando o viés assistencialista das “ajudas humanitárias” e buscando políticas públicas de
caráter transformador. A educação, neste ponto, seria uma dessas políticas vocacionadas à
transformação social.
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A formatação de políticas públicas na CPLP valoriza a formação de redes de cooperação,
em que os Estados atuam de forma coordenada, formulando políticas em comum nas instâncias
deliberativas da Comunidade e depois implementando-as com a participação de órgãos estatais,
da comunidade acadêmica, de institutos de pesquisa e fomento, de observadores consultivos e
associados e de organizações não-governamentais em geral.
Em matéria de ensino superior, a linha mestra condutora das políticas educacionais é o
Acordo de Cooperação entre Instituições de Ensino Superior dos países membros da Comunidade
dos Países de Língua Portuguesa, firmado entre todos os Estados, além de protocolos e convênios
firmados setorialmente.
O presente estudo tem como objeto traçar um panorama do atual estágio de promoção das
políticas públicas na área educacional no âmbito da CPLP, procurando, principalmente, apontar
as bases para sua formulação e o contexto em que se insere. Busca-se, ainda, analisar o papel das
redes de cooperação deste processo. Além das análises de formulação, a pesquisa aborda um caso
de implementação - a UNILAB - Universidade da Integração da Lusofonia Afro-Brasileira.
Além da pesquisa bibliográfica em livros e periódicos, o estudo utiliza dados do PNUD,
da ONU, dos Ministérios da Educação e dos Institutos de Estatística locais, disponíveis na
internet. São analisados os textos legais produzidos no âmbito da CPLP e também a Lei
12.289/2010, que cria a UNILAB. Ressalte-se que, no sentido de melhor delimitar o objeto de
pesquisa, optou-se por não incluir Portugal de forma direta na análise. Assim, o desenvolvimento
do tema é focado na relação do Brasil com os PALOPs e Timor-Leste.
2 A comunidade dos países de língua portuguesa: fundamentos para cooperação
Com base no artigo 5º, I, do Estatuto criador (2007), a CPLP é regida pelos seguintes
princípios: 1) Igualdade soberana dos Estados-membros; 2) Não-ingerência nos assuntos internos
de cada estado; 3) Respeito pela sua identidade nacional; 4) Reciprocidade de tratamento; 5)
Primado da paz, da democracia, do estado de direito, dos direitos humanos e da justiça social; 6)
Respeito pela sua integridade territorial; 7) Promoção do desenvolvimento; 8) Promoção da
cooperação mutuamente vantajosa.
Tais princípios, alinhados às visões contemporâneas mais progressistas do Direito
Internacional e incorporados pelas Constituições dos Estados-membros são de observância
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obrigatória. Assim, as políticas públicas de educação propostas no âmbito da CPLP deverão,
necessariamente, seguir tais princípios, que podem ser sintetizados na ideia de cooperação
solidária. Assim, para efeito de planejamento e desenvolvimento de projetos na área de educação,
deve-se abandonar os paradigmas excludentes pautados nas dicotomias colonizador x colonizado,
desenvolvido x subdesenvolvido, civilizado x primitivo, para se valorizar as realidades locais e
considerar a isonomia entre Estados e entre sujeitos no âmbito internacional.
A CPLP é o foro multilateral privilegiado para o aprofundamento da amizade mútua, da
concertação político-diplomática e da cooperação entre os seus membros (art.1º, Estatuto da
CPLP, 2007). Trata-se de uma organização que goza de personalidade jurídica internacional.
Além da discussão de projetos e programas, da concertação e da cooperação diplomática,
a CPLP também possui uma instituição de execução, o Instituto Internacional de Língua
Portuguesa (IILP), dotada de Estatutos próprios, que tem como objetivos a planificação e
execução de programas de promoção, defesa, enriquecimento e difusão da Língua Portuguesa
como veículo de cultura, educação, informação e acesso ao conhecimento científico, tecnológico
e de utilização em fora internacionais (Estatuto da CPLP, 2007, art.9º).
Os objetivos da comunidade estão consagrados na Declaração Constitutiva da
Comunidade de Países de Língua Portuguesa, de 17 de julho de 1996. Os chefes de Estado e de
Governo de todos os Estados-membros consideram, entre outros aspectos, ser imperativo:
consolidar a realidade cultural nacional e plurinacional que confere identidade própria aos países
de língua portuguesa; encarecer a progressiva afirmação internacional do conjunto dos países de
língua portuguesa, apesar de não representarem um espaço contínuo; desenvolver uma atuação
conjunta cada vez mais significativa e influente no plano mundial; incentivar a difusão e
enriquecimento da língua portuguesa; desenvolver a cooperação econômica e empresarial;
dinamizar e aprofundar a cooperação no domínio universitário; incentivar a cooperação em áreas
como o meio ambiente, a defesa dos direitos humanos, reforço da condição da mulher,
erradicação do racismo e xenofobia, defesa dos direitos da criança, entre outros (REDONDO,
2008).
Couto (2007) critica o modo como têm sido conduzidas as políticas públicas em relação à
construção de uma identidade lusófona supranacional. Para o referido autor, é preciso que a
lusofonia supranacional se desenhe sem atropelar essas agendas nacionais. Isso implica a
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existência de um fórum de consulta permanente para a definição e avaliação da programação das
estações comuns. A lógica de governo prioriza os assuntos econômicos e relega para mais tarde
as questões culturais e lingüísticas.
Para Redondo (2008, p. 12):
[…] a criação da CPLP aparece como uma aposta estratégica de elevado valor que
deverá ser defendida pelos seus membros. No entanto, graves dificuldades apresentam-
se a alguns desses membros: casos de instabilidade interna, pobreza, falta de condições
socio-económicas, falta de condições de vida, entre outros aspectos.
Estes aspectos marcam a CPLP como uma comunidade profundamente heterogênea, pelo
que o interesse e a contribuição dos diversos Estados-membros para com a organização variam
bastante.
O papel do Brasil na construção deste ambiente de multiculturalismo, tanto internamente
como nas questões voltadas para os coirmãos africanos de língua portuguesa, é destacado por
Fontoura (2001, p. 139), segundo o qual
[...] por ser grande potência política e econômica de todo o espaço em referência, país
multirracial, país lusófono, líder natural do mundo que teve a colonização portuguesa
como traço comum - o Brasil, tal como foi o único articulador aceitável da fundação da
CPLP, parece estar vocacionado para ser o garante do êxito futuro da Instituição.
Conforme aventado por Imperial
(2006, p.
14), aproveitar as oportunidades da
globalização é uma obrigação dos governos dos Estados-membros da CPLP, na busca de saídas
para a sobrevivência social e econômica das suas populações. Critica a autora:
A nova visão supõe a vontade de fazer política internacional de forma ativa e não apenas
reativa. A idéia motriz deve ser a de mais equidade, como foco na melhoria das
condições internas das sociedades e no melhor posicionamento destes Estados no
sistema internacional. Daí a importância da ampliação da capacidade negociadora da
CPLP, nos diferentes foros internacionais, inclusive para fazê-la tomar partido dos
esforços de ampliação da cooperação internacional e da afirmação do multilateralismo
(p. 14).
A posição institucional brasileira quanto à CPLP, expressada pelo Ministério das Relações
Exteriores (2011), é de comprometimento com o desenvolvimento econômico, a justiça social e o
fortalecimento da democracia. Conforme Celso Amorim (2009 apud BRASIL. MINISTÉRIO
DAS RELAÇÕES EXTERIORES, 2011, p. 2):
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O Brasil criou uma missão em Lisboa exclusivamente para tratar dos assuntos da CPLP.
Aumentamos nossos aportes financeiros à Comunidade e ampliamos nossa pauta de
cooperação técnica: 40% do total da cooperação técnica brasileira se dirige a países da
CPLP. Atribuímos grande importância à concertação político-diplomática entre os países
da CPLP. A estabilização democrática na Guiné-Bissau e a consolidação institucional
no Timor-Leste representam atualmente desafio similar ao que foi no passado a
pacificação de Angola e Moçambique (grifos nossos).
As políticas públicas do Estado brasileiro voltadas para o bloco dos países de língua
portuguesa ainda são relativamente incipientes se comparadas, por exemplo, com as do
MERCOSUL, mas já existem algumas iniciativas que vêm sendo implantadas na prática, como a
política de fomento à produção audiovisual, com o Programa DOCTV CPLP, edital lançado pelo
Ministério da Cultura
(BRASIL,
2009). Cite-se, ainda, a implementação da UNILAB
-
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira, instituição federal de
ensino no interior do Ceará, criada pela Lei Federal 12.289/2010, com projeto pedagógico
voltado para o intercâmbio educacional entre o Brasil e a África Lusófona, levando em conta as
peculiaridades das relações histórico-culturais luso-afro-brasileiras.
3 O desenvolvimento de políticas de educação no espaço da CPLP
3.1 Educação nos países da CPLP: uma visão panorâmica
É interessante apontarmos as vicissitudes e peculiaridades dos diversos cenários que
compõem a questão educacional no âmbito dos países da CPLP, destacando a heterogeneidade
dos problemas enfrentados. Trata-se apenas de uma visão preliminar, realizada com base em
outras pesquisas voltadas para a CPLP e em dados estatísticos oriundos de fontes como PNUD,
Banco Mundial, UNESCO e institutos de estatística locais.
Pequenas nações como Cabo Verde e São Tome e Príncipe enfrentam dificuldades
naturais na formação de mão de obra em nível superior, por uma questão de escala. Dados do
Instituto Nacional de Estatística de Cabo Verde, por exemplo, indicam que o país, embora possua
altos níveis de alfabetização juvenil
(96,9%), enfrenta um gargalo na formação acadêmica,
especialmente em áreas que exijam maiores investimentos em instalações, insumos e
desenvolvimento tecnológico. Não há, assim, cursos superiores de medicina ou odontologia no
arquipélago. Segundo estudos do Banco Mundial (2007), as limitações orçamentárias constituem
o maior desafio no domínio da educação/formação, em um sistema educativo marcado pelo
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crescimento acentuado da população estudantil.
“Há ainda a questão da insularidade, com
discrepâncias populacionais e de nível socioeconômico entre elas. Das 10 ilhas do arquipélago,
apenas as duas mais desenvolvidas
(Santiago e São Vicente) possuem universidades”
(OLIVEIRA, 2010, p. 43).
Para contornar tal medida, o Estado custeia bolsas no exterior para formação de mão de
obra. Conforme destacado por Oliveira (2010), existem em Cabo Verde nove Instituições de
Ensino Superior, uma pública - a Universidade de Cabo Verde, e oito privadas. O número de
estudantes inscritos é de cerca de 8 mil no país, enquanto cerca de 6 mil estudam no exterior,
principalmente em Portugal e no Brasil. Se se leva em conta que a primeira Universidade só foi
criada em 1999, o quadro evolutivo parece positivo.
Spínola (2009) destaca que, com a democratização do país em 1991, houve um “boom”
no ensino secundário, que atingiria seu ápice em 2001. O aumento da escolaridade em nível
médio, somado à diminuição do programa de bolsas para o exterior, fez com que o ensino
universitário local se desenvolvesse.
Em São Tomé e Príncipe, micronação com menos de 200 mil habitantes, os problemas
vivenciados são ainda maiores do que em Cabo Verde. As dificuldades se agravam em um país
agrário e com renda per capita de 440 dólares. Conforme informações do Boletim OPLOP/UFF
(2011a), em
2011 havia 1200 são-tomeenses estudando no exterior, recebendo uma bolsa
trimestral de R$ 1490,00, que chegou a atrasar por nove meses naquele ano.
Traçando uma visão geral da educação no país, Pontífice (2009, p. 40) ressalta que, após a
independência nacional em 1975, o Estado assumiu a educação e o ensino como domínios de sua
competência exclusiva. Desta forma, a taxa de analfabetismo, que se situava em 80%, foi
reduzida para 30% em 1985. Em 1990 tinha-se aumentado significativamente a taxa líquida de
escolarização no ensino primário (96,3%) e o ensino secundário conheceu um incremento de
300%.
Os primeiros cursos superiores começaram a funcionar em 1994. Em 2009 já havia três
instituições de ensino superior, priorizando áreas da Educação (formação de professores para o
ensino secundário), Administração, Economia e Direito. Embora reconheça avanços, Pontífice
(2009, p. 41) propugna por uma política de desenvolvimento endógeno, no qual se priorize o
fomento às instituições locais, em substituição paulatina ao sistema de bolsas no exterior.
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Já a situação em Guiné-Bissau traz um agravante: ao contrário dos demais países que
atingiram algum grau de estabilidade política, o Estado ainda vive sob constante instabilidade,
com disputas étnicas, golpes de Estado e conflitos armados. Os recursos são escassos e não há
continuidade de programas e políticas. O país é um dos mais pobres do mundo (IDH 0,289) e
cerca de 55% da população é de analfabetos (PNUD, 2010). Ilustrando a afirmação: a única
universidade pública do país, a Universidade Amilcar Cabral, entrou em funcionamento em 2003
e foi privatizada em 2008, em razão da falta de recursos. Ficou sob tutela de um grupo privado
português, transformando-se em Universidade Lusófona da Guiné.
Registre-se, ainda, que, embora o português seja a língua oficial e de ensino, há um déficit
de legitimidade do idioma no país. Dos membros da CPLP, a Guiné-Bissau é o país com menor
proporção de falantes do português. No mosaico de culturas dos países da CPLP a Guiné-Bissau
é o país que apresenta maiores singularidades e que menos compartilharia de uma cultura comum
de origem portuguesa. Embasando tal afirmação, ressalte-se, por exemplo, que aspecto religioso
metade da população é islâmica, 45% segue práticas animistas locais e apenas 5% é católica.
Assim, dos países do bloco, o caso da Guiné-Bissau, levando em conta as estatísticas e os
comentários da literatura, leva ao seguinte questionamento: em um país com diversas etnias e
línguas próprias, o português acaba sendo utilizado apenas pela elite intelectual e burocrática do
país. Não há dados confiáveis do número de falantes como língua materna. Com base em
Medeiros (2001), estima-se que no máximo 15% da população tenha domínio razoável do
português. Contudo, conforme dados da Ethnologue (2012), ao longo dos séculos formou-se um
idioma crioulo de base léxica portuguesa, falado por cerca de 60% da população e que serve
como língua franca e de unidade nacional em um país com 21 etnias falando idiomas diferentes.
Neste caso específico, pode-se defender que a integração com a CPLP traz, sobretudo,
vantagens econômicas. Contudo, coloca-se em xeque a legitimidade da adesão às políticas da
CPLP em matéria de Educação e Cultura, que muito pouco teriam a ver com a realidade local.
Conforme mencionado por Sanhá (2009, p. 37), “parte do desenvolvimento educacional
do país se deve à evolução de escolas secundárias, que com o tempo transformaram-se em
instituições de ensino superior”. Na década de 1980 o país estabeleceu com Cuba um programa
de cooperação educacional, que levou à criação de uma Faculdade de Medicina em 1986,
desativada nos anos 1990 por falta de recursos e reativada em 2004 (SANHÁ, 2009). A formação
de quadros se dava pelo envio de jovens para universidades de países do bloco socialista, política
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que entrou em declínio à medida que os regimes socialistas entraram em crise no início dos anos
1990.
Já em Angola a questão gravita em torno das desigualdades sociais e das discrepâncias de
acesso ao ensino. O número de estudantes universitários decuplicou nos últimos 10 anos, mas os
índices de analfabetismo continuam altos (32,6%).
A avaliação governamental, realizada em 2010, é de que os cursos de pós-graduação
ainda são incipientes no país, o que leva os estudantes a buscarem instituições estrangeiras.
Levando em conta o caráter pluriétnico do país, o Ministério do Ensino Superior traçou como
meta a valorização dos conhecimentos tradicionais e populares, aliando-os ao conhecimento
científico (OPLOP/UFF, 2011b).
Teta (2009, p.33) destaca a evolução do ensino superior em Angola, citando dados de
2008 que indicam que
“os números totais aproximados da procura pelo ensino superior
(candidatos), de vagas, de estudantes inscritos e de finalistas (Bacharéis, Licenciados e Mestres)
no ensino superior em Angola, em foi de 80.000, 13.000, 85.000 e 3.300, respectivamente”. O
fim da guerra civil (2002), a expansão da Universidade de Angola (pública) e o advento de
universidades privadas são responsáveis, segundo o autor, pelos avanços quantitativos e
qualitativos. Um dos entraves para continuar a expansão, contudo, seria a falta de quadros
docentes.
Conforme mencionado por Filusová (2012) existem cerca de 40 línguas banto em Angola,
sendo as principais o umbundo, o kimbundo e o Kikongo. A dificuldade maior de se realizar
políticas de difusão de conhecimento nestas línguas é a falta de uma normatização escrita. O
avanço do português parece fortalecer os fenômenos do bilinguismo e do multilinguismo.
Segundo José Aqualusa (2002, apud FILUSOVÁ, 2012, p. 25):
Ao contrário de todas as antigas colónias portuguesas, em Angola o português tinha já
uma expressão significativa à data da Independência: para pelo menos 5% da população
era a língua materna. E penso que é o único caso de uma língua européia que se enraizou
em África como língua materna. E hoje, segundo os últimos dados, no mínimo 42% da
população falam português como língua materna, sendo que mais de 90% a dominam
como segunda língua.
Se as próprias Constituições dos países lusófonos garantem expressamente o pluralismo
político e cultural e se a própria CPLP está baseada no respeito às comunidades e à diversidade
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cultural local, o intercâmbio de culturas e a difusão do português devem ser feitos de modo a
valorizar também as culturas e experiências autóctones.
Para a elaboração da presente pesquisa não se obteve notícia sobre a real implementação
deste projeto de integração entre o saber acadêmico-científico formal e os saberes populares, mas
o respeito e valorização dos conhecimentos tradicionais são essenciais para a construção de um
sistema de educação inclusivo, especialmente em um país de maioria populacional multilíngüe,
em que a língua oficial portuguesa convive com dezenas de idiomas nativos.
Assim, é pertinente a análise de Chavagne (2005), para quem a língua portuguesa é
considerada fator de unidade nacional em Angola, diante de um contexto de multilinguismo e
diversidade, desempenhando um estatuto de neutralidade. Ressalta, ainda, a importância da
língua para as relações interafricanas e para a negociação com as antigas colônias portuguesas e
com outros países africanos.
Em Moçambique tem havido uma expansão do ensino universitário, mas os problemas
mais críticos situam-se ainda no nível primário. Segundo relatório da ONU (2005), a taxa de
escolarização no ensino primário era de 75,6% em 2004. O número retrata uma evolução positiva
face a anos anteriores (em 1999 a taxa de escolarização era de 43,6%). Ainda segundo o relatório
da ONU (Objetivos de Desenvolvimento do Milênio), a taxa de alfabetização de jovens entre 15 a
24 anos subiu de 52,1% para 58,2% entre 1997 e 2003. Além disso, a taxa de alfabetização da
população com idade superior a 15 anos aumentou de 39,5% em 1997 para 46,4% em 2003.
Com 70% da população vivendo em áreas rurais, os principais obstáculos ao acesso à
educação por parte das pessoas rurais seriam, na visão do Ministério da Educação e Cultura de
Moçambique (2005, p. 4): (i) falta de infraestrutura escolar junto das comunidades, (ii) fraca
qualidade das escolas e do ensino, (iii) elevado custo de oportunidade da educação nas zonas
rurais, relacionado com a incidência da pobreza, (vi) pouca relevância do currículo para a
realidade rural.
O documento acima citado traça uma análise do cenário a ser enfrentado na educação
rural no país. Aborda a questão dos recursos escassos, avalia os resultados já obtidos e traça
metas para o futuro. Contudo, não aborda questão fundamental: a plurietnicidade e o mosaico de
idiomas falado pelas populações rurais do país. O relatório, feito em parceria com a UNESCO,
em nenhum momento aborda a possibilidade de educação bilíngüe, ou a formação de professores
em língua autóctone. Ressalte-se que, de acordo com o censo populacional de Moçambique
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portuguesa: uma análise das ações de cooperação.
(MOÇAMBIQUE, 1997), as línguas mais faladas em Moçambique, como primeira língua, são a
emakhuwa, com 26,3%, seguida da xichangana (11,4%) e da elomwe (7,9%). São 20 os idiomas
não-oficiais, mas reconhecidos pelo Estado.
Este ponto seria fundamental pois, conforme Medeiros (2001), dados do Censo de 1997
indicam que a percentagem atual de falantes de Português em Moçambique é de 39,6%, sendo
que 8,8% usam o português para falar em casa e que 6,5% consideram o português como sua
língua materna.
Em Timor-Leste, o maior desafio tem sido a formação de professores para o ensino de
línguas oficiais - o português e o tétum no ensino fundamental e médio. O país sofreu por mais
de duas décadas com a ocupação indonésia, responsável por genocídios e etnocídios. O português
foi proibido oficialmente e o tétum foi relegado à informalidade. Toda uma geração de
professores foi formada apenas em indonésio. Profissionais falantes de português são uma
minoria já em idade avançada.
Conforme Carneiro (2010), o Ministério da Educação local tem importado mão de obra
docente de Portugal e do Brasil, em programas de cooperação para a formação de professores em
língua portuguesa. No Brasil, cabe à CAPES a gestão do Programa de Qualificação de Docente e
Ensino de Língua Portuguesa em Timor Leste. Só em 2005, 50 especialistas brasileiros foram
enviados para o país. Em 2009, segundo dados coletados por Carneiro (2010, p. 3173), havia
quatro projetos ativos geridos pela CAPES:
O PROFEP (Programa de Formação de Professores do Ensino Primário), o PROCAPES
(Programa de Formação de Professores do Ensino Pré-Secundário e Secundário), o ELPI
(Ensino de Língua Portuguesa Instrumental) e o Programa de Especialização em
Educação da Universidade Nacional Timor Lorosa’e (UNTL).
Algumas ações concertadas entre os Estados-Membros da CPLP têm sido tomadas com o
objetivo de potencializar o desenvolvimento das políticas de educação no espaço lusófono,
especialmente em relação ao ensino superior.
Neste sentido, mencione-se o Acordo sobre a Concessão de Visto para Estudantes
Nacionais dos Estados membros da CPLP, celebrado em 2007. Na exposição de motivos do
Acordo é possível perceber quais foram os argumentos a embasar a tomada de decisões.
Reconhece-se que os estudantes constituem um segmento importante da Comunidade, merecedor
de enquadramento jurídico próprio e que “a mobilidade estudantil contribui para a integração dos
povos e para o dinamismo e consolidação da Comunidade”.
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portuguesa: uma análise das ações de cooperação.
O documento menciona que a promoção de medidas que facilitem a cidadania e
circulação de pessoas no espaço da CPLP coaduna-se com um dos principais objetivos da CPLP,
que é o reforço dos laços entre os povos de língua portuguesa. Na verdade, este argumento,
embora válido e legítimo, é tautológico, pois todos os mecanismos jurídicos e os programas
políticos elaborados no âmbito da CPLP terão, imediata ou mediatamente, que guardar
congruência com tal finalidade.
Assim, conforme o Acordo sobre a Concessão de Visto para Estudantes Nacionais dos
Estados membros da CPLP (2007), os vistos possuem curta duração (até 1 ano), embora possam
ser prorrogados (art. 3º, 3 e 4). Exige-se a prova de meios de subsistência (art. 4º, 1, d). Exige-se,
ainda, “seguro mpdico ou comprovativo de que o estudante se encontra abrangido por outro
sistema que lhe garante acesso a cuidados de saúde no Estado de destino, quando exigido por
este”.
Esta exigência não facilita o acesso de estudantes, contrariando, assim, o espírito do
Acordo. Parece, ainda, pouco conectada com a realidade social da maior parte dos Estados-
membros em matéria de saúde, bem como da própria condição socioeconômica das populações.
É certo que não se aplica ao caso brasileiro, uma vez que o estrangeiro, seja estudante ou
não, tem direito de acesso ao Sistema Único de Saúde (art. 196 da Constituição Federal)
(BRASIL, 1988). Ainda que não tenha aplicabilidade prática, a norma demonstra falta de
sensibilidade de seus formuladores e ignora as discrepâncias socioeconômicas entre países como
Guiné-Bissau ou Moçambique (que “exportam” estudantes) e Brasil e Portugal (países de
destino).
3.2 A cooperação entre instituições de ensino superior na CPLP
Em 1998 foi assinado o Acordo de Cooperação referente ao ensino superior, tendo como
fundamento a convicção de que o intercâmbio entre as IES seria uma das formas mais profícuas
de estímulo ao desenvolvimento científico, tecnológico e cultural dos Estados-membros.
Seus objetivos relacionam-se com a formação e aperfeiçoamento de docentes e
pesquisadores e com o intercâmbio de produções científicas e de publicações, além do
planejamento, implementação e desenvolvimento de projetos comuns (art.2º).
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 19, n. 1, p. 209-232, abr. 2017.
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SOUZA, Pedro Bastos de; SOUZA, Álvaro Reinaldo de. Políticas de educação na comunidade dos países de língua
portuguesa: uma análise das ações de cooperação.
O art. 4º do acordo acima citado conclama os Estados-membros a estimular a assinatura
de convênios para facilitar a equivalência de diplomas emitidos por países diferentes, mas
levando em conta as leis vigentes de cada país. Na verdade, trata-se de norma de pouca
densidade, uma vez que, ao final, tudo dependerá de como as leis internas tratam a questão.
Ressalte-se, ainda, no art. 7º, um certo caráter centralizador do Acordo, que prevê que
todos os programas e projetos deverão ser aprovados pela Conferência de Ministros da Educação
da CPLP. É de se questionar a legitimidade deste dispositivo, que superdimensiona o papel de
encontro de ministros. Se o objetivo do Acordo é catalisar, agilizar, relações entre países no
campo acadêmico, não haveria qualquer impeditivo de que as instituições, dentro de sua
autonomia jurídica, firmassem acordos e convênios. A chancela da Conferência de Ministros
seria necessária quando apoio ou aporte de recursos diretamente pela CPLP. Nada impediria,
contudo, que uma universidade brasileira, com seus recursos próprios, firmasse um convênio com
uma universidade angolana.
De acordo com Santos (2007, p. 1):
Os acordos bilaterais na área da cooperação técnica, científica, econômica e cultural
possibilitaram a um expressivo número de estudantes africanos a realização de estudos
de graduação e pós-graduação nas mais importantes universidades brasileiras,
contribuindo assim para a formação de um importante grupo de pesquisadores,
professores e profissionais que hoje atuam em centros de pesquisas, universidades,
empresas e no próprio Estado.
Ao voltar a atenção para o processo que envolve as relações diplomáticas, econômicas e
culturais entre o Brasil e alguns países do continente africano, Santos (2007) observa, nos
acordos de cooperação, fontes primordiais para a compreensão das motivações que orientam a
política externa brasileira para a África.
Segundo dados do Itamaraty mencionados pelo CNPq (2013), o Brasil possui acordos
com 45 países em desenvolvimento para receber estudantes de graduação em faculdades públicas
e privadas, em Programa de Estudantes mantido pelo MEC. No campo da pós-graduação, o
vínculo é com 50 países, em programa realizado em parceria com a CAPES e o CNPq. Dados
do CNPq (2013), referentes a 2008, indicam que 87% dos estudantes estrangeiros de pós-
graduação com bolsas concedidas pelo órgão no âmbito do programa (PEC-PG) são oriundos da
América Latina e 13% da África. Todos os países da CPLP estão aptos a participar do programa.
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 19, n. 1, p. 209-232, abr. 2017.
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SOUZA, Pedro Bastos de; SOUZA, Álvaro Reinaldo de. Políticas de educação na comunidade dos países de língua
portuguesa: uma análise das ações de cooperação.
Além deste programa, há um acordo específico com Timor-Leste, para a formação de professores
no Brasil mediante concessão de bolsas.
Também no âmbito do CNPq, o ProÁfrica - Programa de Cooperação Temática em
Matéria de Ciência e Tecnologia - conta com a parceria de Cabo Verde e Moçambique, entre
outros países africanos, e recebeu investimento de R$
2 milhões entre 2003 e 2006. Pelo
ProÁfrica, o CNPq financia passagens aéreas e diárias para pesquisadores, estudantes de
doutorado e especialistas africanos que estejam desenvolvendo projeto conjunto de ciência,
tecnologia e inovação no Brasil. O programa também apoia visitas exploratórias no país,
concedendo os mesmos benefícios aos estrangeiros.
É de se ressaltar que há uma presunção a favor do estudante oriundo de país com língua
oficial portuguesa no sentido do domínio do idioma, ficando o mesmo dispensado de apresentar o
certificado CELPE (Certificado de Proficiência em Língua Portuguesa para Estrangeiros).
Se na pós-graduação a prevalência ainda é de oriundos da América Latina, na graduação a
situação se inverteu. Em 1980, cerca de 80% dos estudantes eram oriundos do continente
americano e o restante vinha da África. Em menos de 25 anos a situação se inverteu.
Dados do MEC MOÇAMBIQUE (2005), coletados por Mungoi (2006, p. 36), apontam
que “em dezembro de 2004 estavam matriculados 3008 estudantes no PEC-G, dos quais 2047
oriundos dos países de língua portuguesa. Em 2006, dos 717 selecionados, 589 eram provenientes
do continente africano”.
Mungoi (2006, p. 37) ressalta ainda que nem todos os estudantes africanos que se
encontram matriculado nas IES estão vinculados ao PEC-G e PEC-PG. Conforme o autor, “uma
parte se insere nas IES por meio de outros programas vigentes nas instituições, em que não há
intermediação dos governos brasileiro e do país de origem para ingresso do estudante nas IES”.
Trata-se de acordos celebrados diretamente entre as IES brasileiras e outras instituições que
operam nos países abrangidos. Reunir tais informações sobre estes acordos seria impossível para
a presente pesquisa, pois tornaria o estudo amplo e extenso demais.
Além da seleção do PEC-G, que contempla de 500 a 700 estudantes por ano, há ainda um
processo seletivo em separado na UNILAB, especialmente para a comunidade lusófona, o que
será analisado em um tópico em separado.
Nenhuma das duas formas de seleção de estudantes estrangeiros monitoradas pelo
governo Brasileiro, para o PEC-G e a UNILAB, inclui pagamento de despesas como moradia,
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 19, n. 1, p. 209-232, abr. 2017.
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SOUZA, Pedro Bastos de; SOUZA, Álvaro Reinaldo de. Políticas de educação na comunidade dos países de língua
portuguesa: uma análise das ações de cooperação.
alimentação e transportes. Em princípio, os interessados têm que comprovar que terão como
sobreviver no Brasil, sabendo-se que, pela lei brasileira, o estudante de fora do país é proibido de
trabalhar.
Trata-se de tratamento que dificulta a situação do estrangeiro. As bolsas concedidas pelos
países de origem costumam ser insuficientes para os padrão de vida brasileiro. Impossibilitados
de trabalhar, os estudantes vivem em situação de desvantagem em relação os colegas brasileiros,
salvo quando são oriundos de famílias mais abastadas. Contam muitas vezes, conforme bem
relata Mungoi (2006), com o auxilio de uma rede de amigos e conterrâneos para conseguirem
sobreviver.
Assim, a legislação deveria ser alterada para se adaptar ao mundo real. Na própria
realidade brasileira, estudantes de baixa renda precisam trabalhar para continuar estudando. O
estrangeiro, recebendo menos de um salário mínimo por mês, dificilmente conseguirá suprir
necessidades básicas de um estudante, como transporte, alimentação e compra de livros/materiais
didáticos.
4 CPLP e redes de políticas públicas
Na visão de Secchi (2012, p. 33), o processo de elaboração de políticas públicas, também
conhecido como ciclo de políticas públicas, “pode ser sintetizado em sete fases principais:
identificação do problema, formação da agenda, formulação de alternativas, tomada de decisão,
implementação, avaliação e extinção”.
No caso da CPLP, a formação da agenda e a formulação de alternativas se dão por meio
dos Estados-membros, por meio de concertações diplomáticas no âmbito do próprio organismo.
Quanto à tomada de decisões, haveria uma dúplice esfera: no âmbito supranacional, há decisões
no âmbito da própria CPLP (Secretariado Geral e Conselho de Ministros, por exemplo), e
no âmbito dos Estados-Membros, pelas autoridades públicas competentes para tal, podendo a
tomada ser descentralizada (como no caso dos acordos setoriais com Universidades).
A implementação e a avaliação são fases que envolvem múltiplos atores, e ocorrem de
forma coordenada. Não p à toa que a palavra
“cooperação” aparece diversas vezes nos
documentos de criação e no Estatuto da CPLP. Nestas duas fases assume especial relevo o
conceito de redes. No campo da CPLP fala-se em redes tanto em matéria de implementação de
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 19, n. 1, p. 209-232, abr. 2017.
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SOUZA, Pedro Bastos de; SOUZA, Álvaro Reinaldo de. Políticas de educação na comunidade dos países de língua
portuguesa: uma análise das ações de cooperação.
políticas como também em relação a redes de conhecimento e informação, destacando a sinergia
entre universidades e fundações de pesquisa.
O desenvolvimento de políticas públicas no âmbito da CPLP tem sido fomentado pela
formação de redes de informação e conhecimento, tendo a cooperação como ponto focal.
No campo educacional, além dos acordos entre todos os Estados-partes, são firmadas
parceiras e convênios multilaterais e bilaterais, com configurações que envolvem Estados,
instituições públicas de ensino, institutos de pesquisa e organizações não-governamentais.
A própria Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira
-
UNILAB tem sua arquitetura institucional baseada na construção de redes. Conforme destacado
por Speller (2009, p. 22), “são previstos acordos de cooperação com agências governamentais,
universidades, institutos e outros organismos da sociedade civil dos países participantes de forma
a criar uma rede logística e educativa de suporte”.
Conforme destacado por Panizzi
(2009, p.
19), no século XXI
“o produto do
conhecimento se dá de forma mais coletiva e inter-relacionada através das redes que possibilitam
a C&T, a democratização da sociedade, os centros interdisciplinares, a pluralidade de ambientes e
os mecanismos de tecnologia”.
Ainda segundo Panizzi (2009), as formas de cooperação atuais são projetos multilaterais e
redes de pesquisas, envolvendo parcerias entre países desenvolvidos e em desenvolvimento,
bolsas de estudo, programas e projetos de desenvolvimento de pesquisas, estabelecimentos de
centros científicos reconhecidos mundialmente, acordos internacionais para promoção conjunta,
avaliação e financiamento de grandes projetos e programas de pós-graduação.
A própria configuração institucional da CPLP já prevê um desenho no qual os
observadores consultivos desempenham este papel de mobilização, para a implementação e a
análise de políticas públicas.
No campo do debate acadêmico, pode-se citar como exemplo o Seminário Internacional
de Educação Superior na Comunidade de Países de Língua Portuguesa - CPLP, promovido pela
Rede Sulbrasileira de Investigadores da Educação Superior
(RIES), pelo Observatório de
Educação CAPES/INEP e pelo Núcleo de Excelência de C, T & Inovação CNPQ/FAPERGS,
realizado em
2009 em Porto Alegre. Neste encontro, firmou-se a Carta de Porto Alegre,
ressaltando o papel das redes para o desenvolvimento do ensino superior na CPLP:
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 19, n. 1, p. 209-232, abr. 2017.
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SOUZA, Pedro Bastos de; SOUZA, Álvaro Reinaldo de. Políticas de educação na comunidade dos países de língua
portuguesa: uma análise das ações de cooperação.
Essa rede tem como objetivo estratégico aprofundar a integração entre os países
lusófonos e fortalecer uma cultura de solidariedade. Além disso, a rede assume
igualmente um compromisso ético indissociável do direito humano à educação, enquanto
condição indispensável para garantir a soberania das nações e enquanto meio de
superação da pobreza, apresentando-se como um estímulo à democracia participativa e a
iguais condições entre todos (CARTA DE PORTO ALEGRE , 2009, p. 104).
Neste contexto, na Carta de Porto Alegre
(2009, p.
107) as instituições se
comprometeram a: “1) criar uma rede de cooperação internacional, para responder aos novos
desafios que se colocam no momento atual às várias instituições, as quais exigem a intervenção e
a colaboração transdisciplinar e multiprofissional, numa sociedade em constante mudança. 2)
Revalorizar as várias vertentes da sua esfera de intervenção, de forma integrada e sem perder de
vista as suas especificidades.
3) Gerar aptidões e competências na sociedade da informação e do
conhecimento, buscando uma educação e uma formação ao longo da vida, atraente e gratificante,
dirigida a toda a sociedade, na sua diversidade.”
Dentre as linhas de ação orientadoras das políticas p~blicas de ensino superior estão “a
efetiva articulação em torno do conhecimento produzido pelas várias instituições, unindo
esforços e conduzindo à indispensável solidariedade, colaboração e partilha” e o “estreitamento
de relações e o estabelecimento de protocolos de colaboração entre as várias instituições
integrantes da CPLP”, através da implementação de projetos, no sentido de dar resposta às
necessidades efetivas da comunidade de língua portuguesa, assegurando, simultaneamente, um
enriquecimento e uma diversidade de experiências e a conquista de novos campos e de novas
formas de atuação.
As redes de informação e cooperação na área científica e acadêmica representam um fator
relevante para a divulgação dos projetos da CPLP e para fazer chegar ao público em geral
informações relegadas pela grande imprensa e mídia. A internet exerce papel fundamental neste
processo, pois funciona como ponto de articulação entre os diversos atores.
Registre-se ainda que o Brasil possui três universidades públicas federais que adquiriram
o status de observadores consultivos da CPLP: a Universidade Federal do Estado do Rio de
Janeiro (UNIRIO), ao lado da UNICAMP e da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
5 A implantação da UNILAB
Dentre os projetos de educação desenvolvidos no âmbito da CPLP, a criação e entrada em
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SOUZA, Pedro Bastos de; SOUZA, Álvaro Reinaldo de. Políticas de educação na comunidade dos países de língua
portuguesa: uma análise das ações de cooperação.
funcionamento da UNILAB - Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-
Brasileira é um bom exemplo de política pública já colocada em prática, na qual se pode fazer
uma análise não só dos fundamentos de sua elaboração ou dos motivos para sua criação, mas de
sua realização prática.
Devido à criação recente, 2010, ainda não é possível mensurar resultados concretos no
que tange à formação de alunos e ao cumprimento de determinados objetivos da instituição. Mas
é possível apontar em que medida e em que grau os objetivos da lei vem sendo cumpridos.
A UNILAB foi criada pela Lei 12.289/2010. Trata-se de uma instituição federal de
ensino, de natureza autárquica, com campus principal no município de Redenção, na região do
Maciço do Baturité, Ceará.
A escolha da localização nesta região poderia ser motivada por três fatores:
1) A
possibilidade de contribuir para o desenvolvimento do semiárido. 2) A maior facilidade de acesso
(transportes e distância) por parte de alguns países luso-africanos. 3) Um aspecto simbólico:
Redenção foi o primeiro município a abolir a escravidão no Brasil, em 1983 (Speller, 2009).
Além dos objetivos corriqueiros de uma instituição superior de ensino federal (ensino,
pesquisa e extensão), a UNILAB tem como missão específica formar recursos humanos para
contribuir com a integração entre o Brasil e os demais países da CPLP, especialmente os países
africanos, bem como promover o desenvolvimento regional e o intercâmbio cultural, científico e
educacional (art 2º da Lei 12.289/2010).
Na Lei 12.289/2010, nos §§ 1º e 2º do artigo 2º, percebe-se com clareza o desenho
institucional e suas finalidades. Destaca-se a cooperação internacional e o intercâmbio solidário
com os países membros da CPLP (especialmente os africanos). Aspira ser um ponto de
confluência de docentes e discentes na integração lusófona e se mostra vocacionada á formação
de redes de conhecimento, com a execução de convênios com outras instituições da CPLP.
Conforme destacado por Speller (2009, p. 20), a UNILAB visa tornar-se a elemento
agregador e integrador de toda a comunidade lusófona. Afirma o autor: “Mais do que um projeto
brasileiro para África e Timor-Leste, a UNILAB representa um projeto lusófono com África e
Timor-Leste”.
Não se trata, assim, de um modelo etnocêntrico, em que o saber acadêmico brasileiro é
transplantado para os docentes. Em uma proposta democrática, o objetivo é criar um ambiente
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 19, n. 1, p. 209-232, abr. 2017.
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SOUZA, Pedro Bastos de; SOUZA, Álvaro Reinaldo de. Políticas de educação na comunidade dos países de língua
portuguesa: uma análise das ações de cooperação.
multicultural, que conte também com a experiência de docentes provenientes de outros países da
CPLP.
Além disso, a UNILAB organiza a sua arquitetura acadêmica de forma a assegurar o
regresso e permanência dos estudantes estrangeiros aos seus países de origem para que
contribuam com o desenvolvimento local. A premissa, conforme ressaltado por Speller (2009, p.
22), “é de que a formação dos alunos tenha como base as realidades e necessidades locais, não
obedecendo, exclusivamente, à especificidade da realidade brasileira.” Com isso, evitar-se-ia a
chamada “fuga de cprebros”.
No projeto da UNILAB, foram identificadas áreas de intervenção, incluindo: Ciências da
Saúde, com ênfase na saúde coletiva; Ciências Agro-Veterinário-Florestais, com ênfase na
produção e distribuição de alimentos; Formação de docentes, com ênfase na Educação básica;
Gestão e Contabilidade, com ênfase nas áreas pública e privada; e Petróleo, gás e energias
renováveis. Segundo Speller (2009, p. 21), “essas áreas foram definidas após estudos e em
diálogo com os parceiros estrangeiros da UNILAB”.
O dispositivo legal traz previsão semelhante, embora mais sucinta, informando que os
cursos terão como ênfase temas envolvendo a formação de professores, desenvolvimento agrário,
gestão, saúde pública e demais áreas consideradas estratégicas.
Para o início das atividades seriam aproveitados os créditos orçamentários adicionais da
UFCE. Foram criados 150 cargos efetivos de professor e 198 cargos técnicos de acordo com o
art.7º da Lei 12.289/2010. A universidade foi efetivamente instalada em maio de 2011.
Os processos seletivos, tanto docentes como discentes, ocorrem com seleção aberta aos
diversos países envolvidos. Os temas e abordagens dos concursos devem versar sobre temas e
abordagens que garantam igualdade de concorrência e a banca de concurso para docentes deverá
contar com membros internacionais (art.13, Lei 12.289/2010).
O projeto pedagógico da instituição busca relacionar-se a temas propícios ao intercâmbio
de conhecimentos na perspectiva da cooperação solidária, além de sua aderência às demandas
nacionais, relevância e impacto em políticas de desenvolvimento econômico e social (UNILAB,
2013).
Em 2012, a seleção para discentes na UNILAB contemplou uma lista de vagas em
separado para estudantes de Timor Leste. Trata-se, assim, de uma “ação afirmativa dentro de uma
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SOUZA, Pedro Bastos de; SOUZA, Álvaro Reinaldo de. Políticas de educação na comunidade dos países de língua
portuguesa: uma análise das ações de cooperação.
ação afirmativa”, já que o contexto timorense de reconstrução de um Estado Nacional, traz
urgência na formação de quadros.
Outro viés da política de integração luso-afro-brasileira da UNILAB é celebração de
termos de cooperação com instituições de ensino e pesquisa no âmbito da CPLP e também com a
China, por conta da R.A.E. de Macau, que mantém o português como idioma oficial. Foram
celebrados convênios com todos os membros do bloco, visando, em linhas gerais, o intercâmbio
de docentes e discentes, a realização de pesquisas e eventos em conjunto, a realização de
treinamentos e a prestação de consultorias.
6 Conclusão
A promoção da educação para os povos que integram a CPLP será fundamental para o
exercício dos direitos de cidadania e consequente desenvolvimento econômico da comunidade.
Integração e multilateralismo aparecem como vetores basilares no fomento de políticas de
educação no universo da CPLP. A implantação da UNILAB, neste sentido, representa uma
experiência renovadora, pois é calcada em premissas que se afastam de modelos etnocêntricos.
Em vez da transmissão de conhecimento de forma verticalizada/hierarquizada, a ideia é
fomentar uma troca compartilhada de experiências, levando em conta a visão de mundo dos
países luso-africanos, aproveitando e catalisando aspectos comuns e, ao mesmo tempo,
valorizando as diferenças. A implantação desta universidade faz parte da política exterior
brasileira de aumentar a integração com o continente africano.
As políticas públicas desenvolvidas por intermédio da CPLP seguem uma forte tendência
a serem conduzidas por meio de redes de atores de origens e com papéis diversos. Aí se
encontram fundações internacionais privadas de fomento a pesquisa e apoio ao desenvolvimento,
instituições públicas, como a FIOCRUZ, o CNPq e CAPES, universidades públicas e
organizações não-governamentais locais.
Ao contrário do modelo jurídico da União Europeia, em que instituições supranacionais
atuam diretamente com maior efetividade, a CPLP serve de intermediador entre os Estados e
demais atores, apoiando pesquisas, fomentando discussões e traçando diretrizes. Não é o seu
principal foco executar de forma autônoma e direta as políticas de educação. Tal execução cabe
prioritariamente aos Estados-membros, com o auxílio da sociedade civil.
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SOUZA, Pedro Bastos de; SOUZA, Álvaro Reinaldo de. Políticas de educação na comunidade dos países de língua
portuguesa: uma análise das ações de cooperação.
Um dos desafios de uma política de cooperação na área educacional na CPLP é
compreender o mosaico de culturas e a plurietnicidade dos Estados-membros. Além disso, a
escassez de recursos nos PALOPs e em Timor Leste, tanto orçamentários como humanos, faz
com que Brasil e Portugal assumam um papel de protagonismo na efetiva implantação de
políticas.
Uma análise da Educação nos PALOPs e Timor-Leste, ainda que panorâmica, demonstra
que tem havido avanços satisfatórios, levando em conta as possibilidades e a pouca
disponibilidade de recursos, em áreas como alfabetização e oferta de cursos de nível superior, à
exceção de Guiné-Bissau, onde os avanços são mais tímidos. Questões como a educação rural
continuam sem solução em todos os países que possuem idiomas autóctones. Para estes casos, o
ideal seria o desenvolvimento de projetos de educação bilingue que promovessem uma integração
e ao mesmo tempo garantissem o direito à autodeterminação e à identidade cultural.
Pelo que se expôs no presente estudo, percebe-se um aumento da integração do Brasil
com os demais países africanos de língua portuguesa, o que pode ser verificado nas estatísticas de
ingresso de estrangeiros em cursos de graduação (mais de 80% são oriundos do continente
africano), pelo aumento de bolsas de pós-graduação via CAPES e pela implantação da UNILAB.
Deve-se propugnar por um modelo de avaliação destas políticas educacionais que
privilegie aspectos qualitativos e políticos. Assim, por exemplo, o investimento brasileiro em
uma universidade cosmopolita no interior do Ceará não se mede pelo retorno financeiro, mas
pelos ganhos em termos de Geopolítica e pelo cumprimento dos objetivos da CPLP. Também o
mero aumento quantitativo dos níveis de alfabetização podem pouco significar de positivo, se não
se avaliam aspectos qualitativos. Será, em alguns casos, até mesmo nefasto, quando não levar em
conta a identidade e a cultura locais.
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Pedro Bastos de Souza - Universidade Federal do Estado do Rio de
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de Janeiro. Rio de Janeiro
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Artigo recebido em: 19 fev. 2016 e
aprovado em: 29 ago. 2016.
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