O diálogo em Paulo Freire: concepções e avanços para transformação social
Ernesto Ferreira Galli
Fabiana Marini Braga
Resumo: Este artigo apresenta a pesquisa bibliográfica de duas obras de Paulo Freire, a “Pedagogia do oprimido” e a
“Pedagogia da esperança”, referentes à análise e comparação do conceito de diálogo, tendo em vista os
diferentes contextos históricos que permearam a vida do autor. Para tanto, aplicou-se a técnica de análise
de conteúdo, utilizando como critério os seguintes descritores: “dial” e “diál”. Os resultados revelaram que
o conceito de diálogo sofre alterações de uma obra para outra, avançando em sua perspectiva e se
transformando em aspecto central na teoria de Paulo Freire.
Palavras-chave: Diálogo. Paulo Freire. Transformação.
Dialogue in Paulo Freire: concepts and advances to social transformation
Abstract: This paper presents a literature review of two works of Paulo Freire, “Pedagogy of the Oppressed” and
“Pedagogy of Hope”, regarding the analysis and comparison of the concept of dialogue, given the different
historical contexts that permeated the life of the author. Therefore, we applied the content analysis
technique, using as criteria the following
“dial” and “dial” descriptors. The results revealed that the
concept of dialogue undergoes changes of a work to another, advancing its perspective and becoming
central to the theory of Paulo Freire.
Keywords: Dialogue. Paulo Freire. Transformation.
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GALLI, Ernesto Ferreira; BRAGA, Fabiana Marini. O diálogo em Paulo Freire: concepções e avanços para
transformação social.
1 Introdução
O presente artigo apresenta o resultado obtido na dissertação de mestrado intitulada “O
diálogo em Paulo Freire: uma análise a partir da Pedagogia do oprimido e da Pedagogia da
esperança: um reencontro com a Pedagogia do oprimido” (GALLI, 2015), que tinha como
objetivo compreender o diálogo nestas duas obras, tendo em vista a sua comparação e possíveis
avanços na teoria freireana.
Paulo Freire é um dos maiores educadores contemporâneos e sua teoria tem influência
mundial no campo educacional. Flecha e Puigvert (1998, p. 22) demonstram isso ao destacar a
importância de sua obra mundialmente e o seu encontro com as principais teorias sociológicas:
Freire é o educador contemporâneo mais influente a nível mundial, e como sua
importância não para de crescer nos países mais ricos. Basta dedicar 2 a 3 minutos
consultando as bases de dados mais significativas da educação (ERIC) e ciências sociais
(SOCIOFILE): nos últimos dez anos Freire tem nelas respectivamente 203 e 89 citações
[...]. Se chega a mesma conclusão aprofundada nas principais obras de ciências sociais
da atualidade
(Habermas 1998/1992, Giddens
1995/1991, Beck
1997/1994): todas
seguem a mesma perspectiva dialógica de que Paulo Freire foi precursor (tradução do
autor)1.
Nesse sentido, torna-se cada vez mais relevante estudar este importante educador
brasileiro, que nas palavras de Gadotti
(1996) apresenta uma proposta internacional e
transdisciplinar:
O seu pensamento não se limita à teoria educacional, pois penetra em áreas tão distintas
quanto as áreas das ciências sociais e das ciências empírico-analíticas. Essa
transdisciplinaridade da obra de Paulo Freire está associada à outra dimensão: a sua
globalidade. O pensamento de Paulo Freire é um pensamento internacional e
internacionalista. Mas Paulo Freire é, antes de mais nada, um educador. E é a partir do
ponto de vista do educador que funda sua visão humanista-internacionalista (socialista).
Por isso é, ao mesmo tempo, homem do diálogo e do conflito (p. 76).
Dessa forma, a teoria freireana (FREIRE, 2003) nos conduz a um mundo marcado por
diversas contradições e conflitos em que as pessoas podem exercer sua liberdade a partir de uma
proposta educacional progressista, que, inclusive, foi interrompida pelo seu exílio em 1964.
1 A versão oficial do texto: “Freire es el educador contemporáneo más influyente a nivel mundial y cómo su
importancia no para de crecer también en los países más ricos. Basta dedicar 2 o 3 minutos a consultar las bases de
datos más poderosas de educación (ERIC) y ciencias sociales (SOCIOFILE): en los últimos diez años Freire tiene
en ellas respectivamente 203 y 89 citas [...] Se llega a la misma conclusión profundizada en las principales obras de
las ciencias sociales de la actualidade (Habermas 1998/1992, Giddens 1995/1991, Beck 1997/1994): todas sieguen
la misma perspectiva dialógica de la que Paulo ha sido precursor” (FLECHA; PUIGVERT, 1998, p. 22).
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Neste período, o autor ganhou influência em diversos países, como no Chile, em que escreveu as
suas primeiras obras: “Educação como prática da liberdade” e “Pedagogia do oprimido”, nos
EUA e na Suíça, país no qual residiu por 10 anos.
Em 1980, retorna ao Brasil e, depois de 16 anos fora de seu país, Freire e Betto (1986)
dedica-se a reaprender o seu contexto de origem. E de um contexto de exílio para um contexto de
abertura e volta da democracia, ele se debruça a revisitar alguns de seus conceitos,
principalmente, o conceito aqui proposto, o de diálogo, chegando a destacar importantes
contribuições e avanços em sua produção teórica.
2 Metodologia da pesquisa
O estudo teve como principal base os pressupostos teóricos da pesquisa bibliográfica
(SALVADOR, 1973; LIMA; MIOTO, 2007) e da análise de conteúdo (BARDIN, 2011).
A pesquisa bibliográfica consiste em uma forma de pesquisa que aproxima o objeto a ser
estudado por meio de fontes bibliográficas. Considerando que o objeto de estudo da pesquisa era
o conceito de diálogo freireano, optou-se pela seleção da “Pedagogia do oprimido” (2003) e da
“Pedagogia da esperança” (2008) de Paulo Freire.
A escolha dessas duas obras se pautou nas seguintes características: a primeira se deve à
importância que a “Pedagogia do oprimido” tem para a teoria de Paulo Freire, e a segunda obra
por se propor a fazer uma releitura da primeira, uma vez que, na “Pedagogia da esperança”, o
autor revisita a “Pedagogia do oprimido”, sua obra mais importante, refletindo as mudanças que
ocorreram entre as duas obras.
A partir de uma leitura minuciosa, houve a seleção de trechos na
“Pedagogia do
oprimido” e na “Pedagogia da esperança” que continham os radicais “dial” e “diál”, buscando
compreender como Freire apresenta o diálogo e quais temas e conceitos se relacionam a ele.
Assim, os destaques foram levantados, tendo em vista as informações relacionadas ao
diálogo presentes nas duas obras. A partir desta seleção, 130 trechos foram destacados na
“Pedagogia do oprimido” e 32 na “Pedagogia da esperança”. Após esta etapa ser realizada nas
duas obras, seguiu-se para a análise de conteúdo.
A análise de conte~do p um “conjunto de tpcnicas de análise de comunicações, que utiliza
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conte~do das mensagens” (BARDIN,
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2011, p. 33). Além da descrição das mensagens, colabora com a interpretação das mesmas, de
uma forma rigorosa que contempla a delimitação das unidades de codificação ou registro.
A “unidade de codificação” ou
“registro” corresponde "a unidade de significação
codificada e corresponde ao segmento de conteúdo considerado unidade de base, visando a
categorização e a contagem frequencial" (BARDIN, 2011, p. 134).
Para efeito prático, é realizado um corte semântico que pode corresponder ao tema, que
pode ser uma palavra, um personagem, um acontecimento, entre outros. O presente trabalho
utilizou do tema diálogo e dos radicais “dial” e “diál”, que constituíram a unidade base da
pesquisa.
Assim, em cada obra foi encontrada uma quantidade de trechos referente a estes dois
radicais. Na “Pedagogia do oprimido” foi levantado um total de 130 trechos, sendo que o radical
apresentou as seguintes variações: diálogo, antidialógo, antidialogicidade, dialógico(a),
adialógica, dialogicamente, dialogicidade, dialogar.
Estes 130 trechos apresentaram conceitos que estavam atrelados ao diálogo, resultando
assim alguns aspectos que foram analisados: confiança (radical conf), consciência (radical consc),
conteúdo programático, criticidade
(radical crit), educação
(radical educ), esperança, fé,
humildade (radical humil), libertação (radical liber), liderança (radical lider), práxis, pronúncia
(radical pron) e revolução (radical revolu).
Na “Pedagogia da esperança” foi levantado um total de 32 trechos contendo os radicais
“dial” e
“diál”, chegando ao seguinte resultado: Aprendizado (radical aprend), Consciência
(radical consc), Democracia (radical democr), Professor/a (radical profess), Silêncio e Unidade
da diversidade.
Após esta etapa, partiu-se para o processo de categorização dos dados, que é feita a partir
de critérios que podem variar de acordo com a busca e a aproximação do tema. Pode ser
semântico, sintático, léxico e expressivo. A busca destes critérios inicia-se com a investigação do
que cada elemento tem em comum com outro (BARDIN, 2011). Dessa forma, a pesquisa
utilizou-se como critério as co-ocorrências (a repetição dos radicais) dos mesmos radicais na
relação ao diálogo, e por tema abordado.
Com esses dados coletados, foi possível estabelecer algumas comparações, buscando
verificar os avanços e as transformações obtidas durante os 22 anos que separam as duas obras.
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3 O diálogo na pedagogia do oprimido
O diálogo na “Pedagogia do oprimido” aparece de forma bem detalhada, pois Freire
(2003) se dedica em vários momentos à sua explicação. Por meio do conceito de educação
dialógica, assunto abordado principalmente no terceiro capítulo do livro, ele aprofunda seu
conceito de diálogo.
Nesse sentido, os dados da pesquisa apontaram que o diálogo é abordado por meio de dois
aspectos diferentes: aspectos relacionados com as condições de existência do diálogo e aspectos
ligados a elementos que são decorrentes do diálogo.
O primeiro deles destaca os elementos constitutivos do diálogo, ou seja, os aspectos
necessários à existência do mesmo. São eles: amor, fé, confiança, humildade, esperança e
criticidade. E, ainda, os elementos que não são constitutivos do diálogo, mas aparecem na sua
ocorrência e, dessa forma, estão relacionados à sua existência. São eles: a práxis e a pronúncia.
De acordo com o autor, os pontos destacados acima são necessários para que ocorra o
diálogo e sem eles se torna impossível estabelecer relações dialógicas entre as pessoas. A
primeira característica apresentada pelo autor é o amor. Este aspecto está relacionado à ação
comprometida com o mundo e com o/a outro/a, ou seja, com os seres humanos envolvidos em
diálogo. Por meio da ação amorosa para com o outro, busca-se a libertação de todas as pessoas. O
amor possibilita as outras pessoas sejam reconhecidas e reconhece sua luta e a sua possibilidade
de transformação em ser mais.
Tal amor do qual nos fala o autor, se completa na fé e na humildade, elementos
necessários para que as pessoas não se sobreponham, na relação e no mundo, umas as outras. A
fé está diretamente relacionada com a crença nas pessoas como seres possíveis de se
transformarem e transformarem o mundo a sua volta.
Entretanto, para que seja possível ter fé nas as outras pessoas, precisamos assumir uma
postura humilde e reconhecer que as pessoas têm algo a contribuir, pois ninguém sabe mais do
que ninguém. A humildade está relacionada com a capacidade de reconhecer que o/a outro/a
também é capaz de “ser mais”.
Assim, uma relação pautada no amor, na fé e na humildade torna possível o
estabelecimento de outro elemento essencial ao diálogo - a confiança.
A confiança é o elemento essencial para que as pessoas estabeleçam uma relação
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verdadeira e juntas se movimentem no mundo buscando a libertação. Mesmo a confiança sendo
obtida por meio dos elementos anteriores, ela se caracteriza como uma das bases para o diálogo,
pois sem confiança as pessoas não se relacionam e não transformam o mundo.
Todavia, há um elemento que garante a busca e a movimentação pela transformação, que
é a esperança. Ela é o motor do diálogo, pois ele ocorre somente a partir da perspectiva
esperançosa de que a mudança é possível. A esperança está ligada à possibilidade de
transformação da sociedade e das relações, pois ela permite enxergar uma possibilidade de
mudança. Dessa forma, ao considerar a transformação como uma possibilidade viável, as pessoas
compreendem que é possível ter outras visões do mundo, considerando-o de diversas perspectivas
e de forma histórica e, portanto, passível de mudança. A partir dessa compreensão, as pessoas
passam a desenvolver o pensamento crítico.
O pensamento crítico é uma das condições para reconhecer a possibilidade de mudança
que requer um futuro diferente e a possibilidade de aprender de diferentes perspectivas. Por isso,
juntamente com a esperança, o pensamento crítico ajuda a vislumbrar a concretização de outra
sociedade mais justa e igualitária.
Ou seja, todos os elementos se relacionam entre si e focam na transformação individual e
na transformação do mundo por meio de uma ação conjunta das pessoas.
Por fim, uma relação pautada nos elementos acima descritos se concretiza na práxis e na
pronúncia. Ambos têm papel essencial na relação dialógica pelo fato de ocorrerem
simultaneamente ao diálogo e refletirem diretamente o aspecto da ação e da reflexão.
O primeiro deles, a práxis, refere-se à coerência entre o que se fala e o que se faz,
explicitando que o diálogo perpassa a dimensão da ação e da fala. A práxis ocorre no momento
do diálogo, mas se as pessoas em diálogo não são coerentes em seu posicionamento, invalidam a
confiança, rompendo com os elementos essenciais ao diálogo e, por consequência, com este
último.
A práxis tem dois elementos básicos: a ação e reflexão, ambos constituídos pela palavra,
que é a essência do diálogo. A partir dessas duas dimensões, a práxis só se constitui enquanto
verdadeira a partir da coerência entre elas. Dessa forma, as pessoas que dialogam entre si
conseguem transformar o mundo. Esta ação de transformação do mundo por meio da práxis e do
diálogo, Freire (2003) denomina de pronúncia de mundo.
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Ao pronunciarem o mundo, as pessoas agem de acordo com a sua reflexão, em comunhão
com as outras pessoas e se tornam livres das relações opressoras, se tornando “ser mais” ao
exercerem sua vocação ontológica.
A partir destes elementos constituintes do diálogo, pode-se concluir que Freire (2003)
demonstra uma preocupação evidente com a transformação da sociedade e a busca pela libertação
das pessoas.
Os elementos básicos apresentados se referem, prioritariamente, à transformação das
relações entre os sujeitos e a partir dessa mudança, as pessoas partem para a ação de
transformação social. Assim, inicialmente o teórico apresenta o diálogo relacionado à sua
perspectiva ontológica de libertação da relação entre opressores e oprimidos, elemento que
impulsiona a busca pela transformação da estrutura social.
Esta transformação social pode ser melhor compreendida a partir dos elementos que
decorrem do diálogo, pois refletem os principais pontos levantados pelo autor sobre sua visão na
“Pedagogia do oprimido”, bem como um reflexo de suas principais preocupações naquele
momento.
Os elementos decorrentes do diálogo são: a Cognição (radical cogno), a Consciência
(radical consc), o Conteúdo Programático, a Educação (radical educ), a Libertação (radical liber),
a Liderança
(radical lideran) e a Revolução. Os quatro primeiros pontos se relacionam
diretamente com a educação, enquanto os três últimos se relacionam com aspectos de mudanças
estruturais da obra freireana.
A cognição se refere à capacidade de aprendizado proporcionada pelo diálogo. Ao
dialogarem, as pessoas se deparam com diferentes perspectivas e a abertura ao pensamento
crítico, e assim passam a considerar diferentes perspectivas sobre a realidade, com isso, as
pessoas envolvidas no diálogo acabam por compreender o mundo a partir destas diferentes
perspectivas.
A partir da cognição e do aprendizado, as pessoas se conscientizam da realidade em que
se vive. O autor destaca que temos níveis de percepção sobre a realidade e ao dialogar com
pessoas diferentes temos a possibilidade de compreender o mundo de outras perspectivas.
Portanto, a conscientização torna possível a superação constante da visão única da realidade, uma
vez que o diálogo não cessa com a conscientização. Ao contrário, é importante que ele permeie as
relações entre as pessoas.
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Para tanto, Freire
(2003) propõe a educação problematizadora, considerando que a
conscientização é um processo que ocorre em comunhão com as outras pessoas por meio do
diálogo. Nesse sentido, a educação problematizadora busca a superação da perspectiva bancária e
do deposito os conteúdos.
A educação problematizadora parte da fala dos/as estudantes para a busca e definição do
conteúdo programático, ou seja, dos conteúdos levantados a partir de temas que foram
problematizados e acordados com os/as educandos/as em reuniões. Dessa forma, os/as
educandos/as podem manifestar suas angústias, seu sofrimento, falar sobre sua realidade e o que
realmente consideram importante estudar para superar a opressão. Cabe aos educadores sintetizar
os temas e transformá-los em conteúdos programáticos.
Mas, para se efetivar essa proposta de educação, é necessário superar a educação bancária
e, portanto, superar a relação opressora que existe entre o/a professor/a e os/as estudantes. Nessa
proposta educacional, os/as estudantes têm o direito à fala, que é valorizada e escutada por
todos/as a partir de uma relação horizontal.
Assim, a educação problematizadora também é libertadora, uma vez que considera os/as
educandos/as como pessoas capazes de se expressarem, de aprenderem e de ensinarem, pois todas
as falas são consideradas e o conhecimento é debatido a partir de diferentes perspectivas. Dessa
forma, a relação que se estabelece entre educadores/as e educandos/as é libertadora, pois
reconhece que todos/as ensinam e aprendem por meio do diálogo e da relação que estabelecem
entre si.
Cabe ressaltar que o diálogo envolvendo a educação problematizadora não se restringe
somente aos educadores/as e educandos/as, mas todas as pessoas envolvidas nesse processo
educativo, ou seja, os familiares, colegas de trabalho, etc.
Portanto, a educação problematizadora se torna uma forma de libertação da relação entre
opressor e oprimido ao possibilitar que as pessoas se humanizem e busquem conscientizar-se e
compreender a realidade de forma crítica, se dando conta da possibilidade de transformação da
realidade e veem a possibilidade de libertação.
Desta forma, considerando o papel que a educação tem na libertação das pessoas, Freire
(2003) destaca a importância que a relação dialógica tem no mundo. Por isso, a educação levaria
à revolução, perspectiva presente em toda a obra. Ao apontar a revolução como uma forma de
mudança, o autor apresenta a ideia de liderança revolucionária.
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A liderança revolucionária não deve ter o papel de conduzir as pessoas para a
transformação, mas sim dialogar com o povo, que também é sujeito de ação, reflete e age. Assim,
a liderança revolucionária dialógica promove a transformação com o povo e para o povo ao
debater e discutir com ele sobre as formas de se movimentar. Portanto, a base de todo o processo
revolucionário é o diálogo.
Por fim, a revolução é o último aspecto que está presente na “Pedagogia do oprimido” e
que aparece relacionada ao diálogo. Os pontos que aparecem em decorrência do diálogo estão
relacionados diretamente com o processo revolucionário de transformação da sociedade e
superação da relação entre opressor e oprimido. O diálogo, nessa obra, aparece como um meio
que as pessoas têm de alcançar a sua libertação e a revolução.
Estes elementos ficam evidentes pela quantidade de trechos que aparecem em cada
categoria, conforme demonstrado no quadro a baixo:
Quadro 1 - Conceitos da “Pedagogia do oprimido”
Conceito/Radical
Quantidade de trechos
Fé
1
Consciência/Consc
2
Humildade/Humil
2
Confiança/Conf
3
Amor/Amo
2
Esperança
2
Cognição/Cogn
3
Crítico/Crit
5
Práxis
6
Pronúncia/Pron
10
Educação/Educ
12
Revolução/ Revolu
14
Liderança/Lideran
15
Conteúdo programático
15
Liberdade/Liber
15
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores, 2015.
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No quadro 1, os trechos com maior número de repetições são justamente os trechos
decorrentes do diálogo, com exceção do trecho sobre consciência e cognição. Os trechos
relacionados ao diálogo, excluindo o antidiálogo, somam um total de 98. Os trechos referentes
aos elementos decorrentes do diálogo somam um total de 64 trechos, representando um total de
65,3% dos trechos referentes ao diálogo.
Assim, a conclusão anunciada a partir da análise da Pedagogia do oprimido diz respeito à
maior dedicação de Freire (2003) aos aspectos decorrentes do diálogo referentes à transformação
da estrutura social, do que ao próprio diálogo e suas condições de existência.
4 O diálogo na pedagogia da esperança
O conceito de diálogo na “Pedagogia da esperança” aparece muitas vezes na sua forma
prática, ou seja, em quase todo o momento em que os radicais “dial.” e “dial.” aparecem e se
referem às situações na qual Freire (2008) relembra momentos do passado em que descreve
várias passagens que se relacionam às memórias de diálogos realizados com outras pessoas.
Assim, o conceito não aparece descrito da mesma forma como fora apresentado na “Pedagogia do
oprimido”, somando um total de 32 trechos coletados a partir dos radicais “dial” e “diál”.
A partir disto, a análise se pautou em dois aspectos centrais: as lembranças do autor dos
diálogos com outras pessoas e, conceitos relacionados ao diálogo.
O primeiro momento é dividido por temas que o autor abordou e/ou pessoas com quem
conversou. Assim, o diálogo é descrito em situações em que o autor dialogou com pessoas
envolvidas com a prática; trechos referentes à reflexão da diversidade da linguagem, diálogos
realizados com militantes e, por fim, trechos referentes a críticas realizadas ao autor. Com
exceção de um trecho que se refere a um momento introdutório, este primeiro momento conta
com um total de 16 trechos.
Os primeiros trechos, referentes ao diálogo com pessoas envolvidas com a prática que
influenciaram diretamente a escrita da “Pedagogia do oprimido”, referem-se às lembranças de
diálogos realizados com pais de estudantes e intelectuais.
Em relação à diversidade da linguagem, o autor, por meio de algumas palestras e diálogos
dos quais fez parte, reconhece as diferentes formas de expressão. Ele ainda explicita que ignorar
essa diversidade dificultou o estabelecimento do diálogo com as pessoas das classes populares.
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Mas foi a partir desta dificuldade de compreensão da realidade dessas pessoas que o autor
visualizou, por meio da prática, as diferenças entre classes sociais.
Em momento posterior, no qual o autor teve a oportunidade de dialogar com militantes e
estudantes que leram ou estavam lendo a
“Pedagogia do oprimido”, fica explícita sua
preocupação em dialogar tanto com os/as estudantes quanto com as classes populares,
reconhecendo ambas as compreensões da realidade como válidas, ressaltando a busca pela
participação democrática.
Naquele contexto, o diálogo se estabelecia com o mundo, valorizando a fala das pessoas,
reconhecendo todos/as como seres capazes de transformarem e perceberem a realidade da mesma
forma que o autor. Aspecto este que levou o próprio Freire (2008) a aprender e vivenciar muito
de sua própria teoria.
Alguns diálogos e aprendizados relembrados pelo autor influenciaram a escrita da
“Pedagogia do oprimido”, mas todos os diálogos e aprendizados estão presentes nas propostas da
“Pedagogia da esperança”. Este aspecto demonstra a importância que os diálogos tiveram para o
autor, ganhando uma posição de destaque em sua teoria.
Desse modo, sua abertura ao diálogo e sua perspectiva democrática possibilitaram o
aprendizado de diferentes realidades e tais aspectos influenciaram a compreensão do seu conceito
de diálogo.
Já num segundo momento da análise, a atenção foi direcionada para alguns conceitos que
na “Pedagogia da esperança” aparecem relacionados ao diálogo. São eles: Democracia (radical
democr), Silêncio, Consciência
(radical consci), Professor/a
(radical profess), Aprendizado
(radical aprend) e Unidade na diversidade.
A democracia é um dos conceitos que se relaciona com diálogo, pois é a partir dela que
nos dispomos para pensar o/a outro/a, considerando que sua fala tem algo a nos ensinar. O autor
demonstra isso na sua prática, ao incentivar e abrir a possibilidade dos/as familiares dos/as
estudantes se manifestarem no ambiente escolar e ao dialogar com as classes populares,
valorizando a sua fala.
E foi em um diálogo com camponeses chilenos que Freire (2008) compreendeu a
importância do silêncio para a prática do diálogo. Na referida situação, manteve-se um momento
de silêncio por parte dos camponeses, que consideravam que o direito da fala deveria ser do
educador. A partir desta situação, inicialmente incômoda, o autor pôde refletir sobre o que estava
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vivenciando e, diante disso, problematizou e explicou que dentro do diálogo não é somente uma
pessoa que tem o direito a fala, mas sim todas as pessoas envolvidas. Assim, o pensador em
diálogo com os camponeses contribuiu com sua perspectiva crítica por meio da problematização,
sem conduzi-los a um saber supostamente verdadeiro.
Outro aspecto abordado pelo autor é a consciência, que também aparece relacionada ao
diálogo. Apesar dos trechos se referirem às críticas ao conceito utilizado pelo autor na
“Pedagogia do oprimido”, Freire
(2008) destaca duas visões que não favorecem a
conscientização. A primeira é a visão mecanicista da consciência, que nega o diálogo ao
considerar que a transformação é anterior à conscientização. A segunda é a perspectiva idealista,
que nega a perspectiva transformadora presente no diálogo uma vez que busca somente a
transformação no âmbito da consciência e não da realidade. Essa segunda perspectiva parte do
pressuposto de que a consciência reflete a realidade.
Em contraposição a essas visões, o autor destaca a perspectiva dialética, que reconhece a
necessidade de transformação da realidade concomitante à transformação da consciência.
Outro aspecto importante que aparece em relação ao diálogo diz respeito à relação entre
professor/a e estudantes, também abordada na “Pedagogia do oprimido”. Na “Pedagogia da
esperança” fica explícito que o foco dessa relação precisa ser o diálogo, pois a partir dele é
possível o aprendizado de todas as pessoas envolvidas na relação.
Entretanto, os/as professores/as, por estarem em uma relação pedagógica, têm a
responsabilidade de problematizar o conteúdo, desenvolver o pensamento crítico dos/as
estudantes sobre a realidade e buscar a perspectiva democrática nas decisões. Todavia, os/as
professores/as não podem agir de forma licenciosa, mas sim a partir do diálogo, considerando as
falas dos/as estudantes e com eles aprendendo e readmirando a sua própria realidade. Com isto,
tanto estudantes como professores/as aprendem a realidade de forma crítica.
O aprendizado entre professores/as e estudantes ocorre por meio da diversidade de
perspectivas em diálogo. Freire (2008) relaciona a discussão sobre a diversidade com o conceito
de unidade na diversidade. O autor destaca que a unidade na diversidade é a capacidade que as
pessoas têm em diálogo de compreenderem as diferentes realidades a partir da valorização e
busca das semelhanças. Isso possibilita maior aproximação dos grupos culturais em busca da
transformação social.
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GALLI, Ernesto Ferreira; BRAGA, Fabiana Marini. O diálogo em Paulo Freire: concepções e avanços para
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Cabe destacar que a diversidade é um ponto que permeia os outros conceitos, pois quanto
mais diversas são as pessoas, maior é o aprendizado nas relações pautadas no diálogo.
Assim, os conceitos acima abordados aparecem na “Pedagogia da esperança” em relação
com o diálogo e por isso foram essenciais para compreensão desse conceito. Entretanto, na
“Pedagogia da esperança”, o foco está voltado para as relações e diálogos que Freire estabeleceu
no decorrer de sua vida. Não por acaso, a quantidade de trechos nos quais Freire revive suas
experiências correspondem a pouco mais da metade dos trechos, como mostra o quadro abaixo:
Quadro 2 - Conceitos da “Pedagogia da esperança”
Conceito/Radical
Trechos
Consciência/Consci
2
Democracia/Democr
2
Professor/a
2
Unidade na diversidade
2
Crítica/Crit
3
Silêncio
3
Aprendizado/Apren
4
Diálogos
13
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores, 2015.
Além dos trechos apontados como diálogos, quando ele discute as questões envolvendo o
silêncio, a unidade na diversidade e as críticas, os momentos de diálogo também aparecem nelas.
Assim, somando aos 132 trechos referentes ao diálogo, temos o total de 21 trechos em que o autor
está em uma situação de diálogo, ou seja, 65% do total.
Portanto, as principais referências para a análise do diálogo se referem aos momentos em
que Freire
(2008) dialogou com outras pessoas. Nesse sentido, as relações que o autor
estabeleceu foi o aspecto central do diálogo nesta obra.
5 Entre o diálogo na pedagogia do oprimido e na pedagogia da esperança
A forma como o diálogo é apresentado na Pedagogia do Oprimido e na “Pedagogia da
2 Excluímos o primeiro trecho que se refere a um momento da introdução da obra.
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 19, n. 1, p. 161-180, abr. 2017.
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GALLI, Ernesto Ferreira; BRAGA, Fabiana Marini. O diálogo em Paulo Freire: concepções e avanços para
transformação social.
esperança” demonstra algumas semelhanças e/ou diferenças. A primeira delas é referente ao
contexto de sua produção. A “Pedagogia do oprimido” foi escrita durante o período em que
Freire esteve exilado no Chile. A “Pedagogia da esperança” foi produzida em 1992, em um
momento em que o autor estava deixando a Secretaria de Educação de São Paulo e revelava certa
preocupação em compreender as mudanças que haviam ocorrido consigo e com o Brasil a partir
de várias vivências realizadas em diversos países.
Isso certamente influenciou a visão de transformação e de diálogo que Freire apontou em
cada uma de suas obras. Na “Pedagogia do oprimido” se destaca a revolução, ou seja, uma
mudança drástica na estrutura que possibilita o rompimento com o regime ditatorial vivido no
Brasil, e mais tarde em diversos países latino americanos. Na “Pedagogia da esperança” a
transformação parte de uma perspectiva democrática, com ampliação da participação das pessoas
na escola, na política e em outros espaços, tendo por base a relação dialógica estabelecida entre
as pessoas e as instituições. A perspectiva democrática foi um reflexo da sua própria atuação na
Secretária de Educação de São Paulo, momento em que defendeu esta perspectiva com mais
ênfase.
Na “Pedagogia do oprimido”, o diálogo é exposto a partir de suas antíteses e na forma de
um conceito estruturado. Já na “Pedagogia da esperança”, o diálogo é apresentado a partir das
memórias de sua prática. Esse aspecto é demonstrado por meio dos conceitos que aparecem em
relação ao diálogo nas duas obras estudadas. As características apontadas podem ser percebidas
nas próprias categorias em cada uma das obras. Na “Pedagogia da esperança” a revolução não
aparece relacionada ao diálogo, enquanto que na
“Pedagogia do oprimido” é uma das
características que apresenta um maior número de trechos, conforme destacado no quadro 3.
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 19, n. 1, p. 161-180, abr. 2017.
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GALLI, Ernesto Ferreira; BRAGA, Fabiana Marini. O diálogo em Paulo Freire: concepções e avanços para
transformação social.
Quadro 3 - conceitos da pedagogia do oprimido x pedagogia da esperança
“Pedagogia do oprimido”
“Pedagogia da esperança”
Conceito/radical
Trechos
Conceito/radical
Trechos
Fé
1
Consciência/Consci
2
Consciência/Consc
2
Democracia/Democr
2
Humildade/Humil
2
Professor/a
2
Confiança/Conf
3
Unidade na diversidade
2
Amor/Amo
2
Crítica/Crit
3
Esperança
2
Silêncio
3
Cognição/Cogn
3
Aprendizado/Apren
4
Crítico/Crit
5
Diálogos
13
Práxis
6
Pronúncia/Pron
10
Educação/Educ
12
Revolução/ Revolu
14
Liderança/Lideran
15
Conteúdo programático
15
Liberdade/Liber
15
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores, 2015.
O quadro apresenta as distinções iniciais existentes entre
as
duas obras a
partir
dos
conceitos levantados. Na “Pedagogia do oprimido” vemos a revolução como uma característica
decorrente do diálogo e na “Pedagogia da esperança”, a democracia é um dos pontos relacionados
ao diálogo. Dessa forma, constata-se uma mudança na teoria freireana relacionada ao diálogo que
decorreu do contexto que o autor vivenciou.
Além da revolução e da democracia, os conceitos que não se repetem nas duas obras são:
liberdade (radical liber), conteúdo programático, pronúncia (radical pron), práxis, amor (radical
amo), esperança, fé, confiança (radical conf), humildade (radical humil), silêncio, unidade na
diversidade. Dentre estes conceitos, os que se referem à “Pedagogia do oprimido” são: pronúncia,
práxis, fé, amor, esperança, humildade - que relacionam com as condições de existência do
diálogo; e: liberdade, liderança e revolução - que são decorrentes do diálogo. Já os conceitos
referentes à “Pedagogia da esperança” são: democracia e silêncio, que se referem aos elementos
que são base para o diálogo; e unidade na diversidade, que permeia toda a relação dialógica.
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 19, n. 1, p. 161-180, abr. 2017.
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GALLI, Ernesto Ferreira; BRAGA, Fabiana Marini. O diálogo em Paulo Freire: concepções e avanços para
transformação social.
Por sua vez, alguns conceitos aparecem nas duas obras, entretanto com palavras e
enfoques diferentes, que são: Consciência (radical consci), Aprendizado (radical apren)/Cognição
(radical cogno), Crítico/Crítica (radical crit), Educação (radical Educ)/Professor/a. Cabe destacar
que a maioria das palavras agrupadas trata da mesma temática nas duas obras, como é o caso da
consciência, da cognição e do aprendizado e da educação e do professor/a. Somente as palavras
crítico e crítica que tratam de temas diferentes, pois na “Pedagogia do oprimido” o tema é o
pensamento crítico e na “Pedagogia da esperança” é a crítica feita a sua obra.
Acerca dos conceitos distintos em cada obra, um primeiro aspecto a destacar é que as
categorias relacionadas à existência do diálogo, descritas na “Pedagogia do oprimido”, não estão
relacionadas ao diálogo na “Pedagogia da esperança”.
Entretanto, os conceitos de base para o diálogo podem ser percebidos a partir das relações
dialógicas que Freire
(2008) apresenta na
“Pedagogia da esperança”. O resgate das bases
essenciais ao diálogo é notificado nas relações descritas pelo autor que se pautam na fé e na
esperança de que é possível a transformação das relações das pessoas; demonstram amor à luta
das pessoas e se pautam na humildade, uma vez que o autor nunca negou o direito ao diálogo
para nenhum grupo com os quais conviveu. Isso evidencia que o autor sempre demonstrou
coerência entre a sua teoria e sua prática, possibilitando que as pessoas confiassem nele.
A partir dessas relações, o teórico aprendeu junto com a realidade destas pessoas,
fortalecendo assim sua criticidade. Além disso, em seus diálogos sempre buscou aliar a palavra à
ação, pronunciando-se no mundo. Estas características estão presentes em diversos momentos na
“Pedagogia da esperança”.
Assim, ao se relacionar com as pessoas, sempre demonstrou que os elementos da
“Pedagogia do oprimido” para a base do diálogo estavam lá. E foi por se relacionar pautado
nesses elementos, ou seja, se relacionar de forma dialógica, que ele percebeu a importância da
perspectiva democrática e do silêncio na relação, elementos que aparecem na “Pedagogia da
esperança” e que passam a se constituir como base para o diálogo.
De forma mais detalhada, o autor destaca que a relação dialógica é democrática, por
considerar a todas as pessoas, e que o silêncio é um elemento relacionado à reflexão do próprio
diálogo e à escuta do próximo. Considerando esses elementos, o conceito de diálogo sofre uma
mudança incluindo a perspectiva democrática e o silêncio em sua base.
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 19, n. 1, p. 161-180, abr. 2017.
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GALLI, Ernesto Ferreira; BRAGA, Fabiana Marini. O diálogo em Paulo Freire: concepções e avanços para
transformação social.
Em relação aos conceitos distintos que são decorrentes do diálogo, observa-se uma
mudança na sua relevkncia dentro da obra freireana, uma vez que na “Pedagogia da esperança”,
as relações dialógicas passam a ser o aspecto central para a transformação. Nesse sentido,
liderança e revolução deixam de ser o foco da transformação dando espaço a um novo conceito:
unidade na diversidade.
Freire (2008) aponta que as mudanças estruturais têm de ocorrer a partir da unidade na
diversidade. Esta deve ser incorporada nas relações dialógicas, uma vez que as diferenças
presentes na sociedade, que se relacionam de forma desigual, precisam dialogar a fim de buscar
uma transformação que atenda todos os grupos. Assim, a partir do diálogo entre as diferenças é
possível a transformação social.
Cabe ressaltar que a liberdade, que está ligada diretamente ao conceito de ontologia de
Freire e a sua importância, se mantém inalterada, pois sua visão ontológica também permanece.
Entretanto, o autor não retoma esse conceito em relação ao diálogo na “Pedagogia da esperança” .
Dando continuidade à comparação, o quadro abaixo destaca as categorias que compõem
os elementos coincidentes entre os dois livros.
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 19, n. 1, p. 161-180, abr. 2017.
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GALLI, Ernesto Ferreira; BRAGA, Fabiana Marini. O diálogo em Paulo Freire: concepções e avanços para
transformação social.
Quadro 4 - Categorias semelhantes
Categorias
“Pedagogia do oprimido”
“Pedagogia da esperança”
2 trechos - A consciência é tratada
1 trecho - Resposta a crítica feita a
em forma de níveis de
percepção da consciência presente
conhecimento sobre a realidade.
na “Pedagogia do oprimido”.
Diálogo
Consciência
4 trechos - A aprendizagem é
3 trechos - A educação
ampliada por meio da relação
problematizadora possibilita o
dialógica e democrática existente
desvelamento da realidade por
entre os professores e professoras
Diálogo
Aprendizado/ Cognição
meio do aprendizado resultante
com os estudantes, ampliando a
do diálogo.
participação dos estudantes.
5
trechos
-
Refere-se
ao
desenvolvimento do pensamento
3 trechos - Refere-se a momentos que
crítico e a possibilidade de
Freire responde a críticas feitas a
Diálogo
Crítico/Crítica
reconhecer
as
diferentes
“Pedagogia do oprimido”.
percepções da realidade e quem
elas podem ser diferentes
12 trechos - Aqui o radical se refere
2 trechos - Diálogo é apontado como
a várias aspectos relacionados a
uma forma dos professores se
educação problematizadora, e um
relacionarem com os estudantes
deles relacionado a relação entre
favorecendo para ambos, e também
educadores e educandos, os
sobre a responsabilidade que os
Diálogo
Educ/Professor/a
primeiros devem reconhecer os
professores
tem na relação
segundos como seres históricos
pedagógica.
capazes de aprender e ensinar, e
se reconhecer como seres que
ensinam e aprendem.
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores, 2015.
A partir do quadro acima, percebe-se que o foco do aprendizado e da relação
entre
professores/as e estudantes se modifica. Na “Pedagogia do oprimido”, o foco desses elementos
era a importância do levantamento dos temas geradores que fundamentavam o conteúdo
programático. Este último era compreendido como elemento central para o aprendizado. Na
“Pedagogia da esperança”, ao discorrer sobre a aprendizagem e sobre a relação professor/a e
estudante, o foco passa a ser a importância dada à relação dialógica estabelecida entre esses
elementos.
Essa mudança de foco impacta no conceito de diálogo, pois ele deixa de ser um elemento
que promove a transformação, para se tornar o centro da própria transformação. Nesse sentido, as
pessoas em diálogo se transformam e transformam o mundo.
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 19, n. 1, p. 161-180, abr. 2017.
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GALLI, Ernesto Ferreira; BRAGA, Fabiana Marini. O diálogo em Paulo Freire: concepções e avanços para
transformação social.
Vale ressaltar que o levantamento dos temas geradores não é minimizado, o que ocorre é
uma transformação no papel do diálogo, entretanto o levantamento temático continua sendo
fundamental na educação problematizadora dialógica.
Em relação à consciência há uma grande mudança, pois na “Pedagogia do oprimido” ela
se constitui como um elemento central para a educação, uma vez que estaria ligada ao nível de
percepção das pessoas. Na “Pedagogia da esperança”, o autor destaca que a consciência se
transforma na relação com as outras pessoas e com o mundo, a partir da “leitura de mundo” e da
“leitura da palavra”. Assim, a relação dialógica entre estes elementos possibilita que as pessoas se
transformem, ou seja, se conscientizem transformando a realidade.
De forma geral, é importante ressaltar que a relação dialógica passa a ser um aspecto
central na obra freireana, uma vez que todos os elementos abordados só são possíveis se ela for
estabelecida. Portanto, as transformações são proporcionadas pelas relações dialógicas que as
pessoas estabelecem entre si e entre o mundo.
6 Conclusão
A partir das análises da pesquisa, destaca-se que na “Pedagogia do oprimido” o autor está
preocupado em conceituar o diálogo focado no seu papel dentro da educação problematizadora,
que p uma das bases para a transformação. E que na “Pedagogia da esperança”, os elementos que
são necessários ao diálogo recebem a inclusão da perspectiva democrática, da diversidade e do
silêncio. Já o reconhecimento das outras pessoas enquanto seres possíveis de se transformarem,
de aprenderem e de juntas se movimentarem para a transformação não se alteram na “Pedagogia
da esperança” . Pelo contrário, ampliam-se por meio da perspectiva democrática e da perspectiva
da diversidade.
Dessa forma, conclui-se que o diálogo em si não muda enquanto conceito, mas a sua
perspectiva é ampliada. A revolução não é mais o objetivo da transformação, que passa a ser
possível por meio das relações dialógicas.
Nesse sentido, o diálogo passa a ocupar o centro da transformação na “Pedagogia da
esperança” (2008), pois é por meio dele que a sociedade pode se tornar mais igualitária, que as
pessoas podem aprender e podem buscar e exercer sua vocação ontológica de “ser mais”. Em
outras palavras, é por meio dele que o suporte se torna mundo para todos/as.
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 19, n. 1, p. 161-180, abr. 2017.
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GALLI, Ernesto Ferreira; BRAGA, Fabiana Marini. O diálogo em Paulo Freire: concepções e avanços para
transformação social.
Portanto, o diálogo, a partir dessa ampliação, é uma forma de relação entre as pessoas que
se pauta no amor, na fé, na confiança, na humildade, na esperança, no silêncio, na unidade na
diversidade e na criticidade. A partir destes elementos, as pessoas juntas exercem o diálogo por
meio da práxis e da pronúncia do mundo. Com isto, gera uma educação democrática para a
libertação a partir do conteúdo programático e da consciência das pessoas.
Por fim, o conceito de diálogo sofre uma alteração na posição que ocupa na teoria
freireana: ele deixa de ser um meio para se atingir algo para se tornar a base de sua teoria. Nesse
sentido, as relações dialógicas possibilitam que as pessoas transformem o mundo e sejam
transformadas por ele, em diálogo.
Referências
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FLECHA, R.; PUIGVERT, L. Aportaciones de Paulo Freire a la educación y las ciencias sociales. Revista
interuniversitaria de formación del profesorado, Espanha, n. 33, 1998.
FREIRE, P.; BETTO, F. Essa escola chamada vida. 4. ed. São Paulo: Ática, 1986.
FREIRE, P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. 15. ed. Rio de
Janeiro: Paz & Terra. 2008.
FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 36. ed. Rio de Janeiro: Paz & Terra, 2003.
GADOTTI, M. Paulo Freire: um biobibliografia. São Paulo: Cortez, 1996.
GALLI, E. F. O diálogo em Paulo Freire: uma análise a partir da pedagogia do oprimido e da pedagogia
da esperança. 2015. 181 p. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de São Carlos,
São Carlos, 2015.
LIMA, T. C. S.; MIOTO, R. C. T. Procedimentos metodológicos na construção do conhecimento
científico: a pesquisa bibliográfica. Revista Katálisis, Florianópolis, v. 10, p. 37-45, 2007.
SALVADOR, A. D. Métodos e técnicas de pesquisa bibliográfica. 3. ed. Porto Alegre: Sulina, 1973.
Ernesto Ferreira Galli
- Universidade Federal de São Carlos
-
UFSCAR. São Carlos | SP | Brasil. Contato: efgalli@gmail.com
Fabiana Marini Braga - Universidade Federal de São Carlos -
UFSCAR. São Carlos | SP | Brasil. Contato: fabiana@ufscar.br
Artigo recebido em: 4 abr. 2016 e
aprovado em: 24 fev. 2017.
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 19, n. 1, p. 161-180, abr. 2017.