Improvisações formativas em encontros com professoras/es-formadoras/es
Marcia Regina Gobatto
Daniela Franco Carvalho
Resumo: A intencionalidade principal da pesquisa se deu no desejo de cartografar nossos movimentos
formativos, enquanto doze professoras/es-formadoras/es do/com o Centro de Formação e Atualização
dos profissionais da Educação Básica do estado de Mato Grosso (Cefapro/MT), movimentos estes que
transbordam para tempos e espaços que vão além e aquém de seu território. Uma cartografia que
buscou adentrar na movimentação molecular que tece o cotidiano, através de encontros. Encontros
provocados pelo ritornelo, na intenção do desencadeamento da formação-ritornelo. Encontros que são
composições de vida, um devir outro de nós mesmas/os, na tentativa de experimentar responder nossos
questionamentos e angústias. Cartografia do acontecimento, do experimentar caminhos outros
necessários para mover o pensamento e desencadear uma possível transformação da compreensão que
temos hoje da palavra formação. Um movimento do caminhar com a formação, (re)inventando-a.
Improvisação formativa.
Palavras-chave: Cartografia. Encontros. Formação. Ritornelo. Professoras/es-formadoras/es.
Formative improvisations throughout meetings with teacher educators
Abstract: The aim of this research is to plat the formative movements of twelve teacher educators at the Centro
de Formação e Atualização dos profissionais da Educação Básica (Training and Updating Centre for
Basic Education Teachers) from the state of Mato Grosso (Cefapro/MT). These movements overflow
time and space from this side and from that of its territory. This cartography sought, through meetings,
to enter the molecular movements that intertwine the everyday life. The meetings were caused by a
ritornello, with a view to unleash the ritornello-training-process. These meetings are the work of life.
They are a series of transformations of ourselves in an attempt to try to answer our inquiries and
relieve our anxiety. They are the cartography of the happening, of the other necessary roads
experienced to change thoughts and to unleash a possible transformation of the understanding we have
nowadays about the words ‘training process’. A movement to walk along with the teacher training
process, re-inventing it. Formative improvisation.
Keywords: Cartography. Meetings. Training process. Ritornello. Teacher educators.
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 19, n. 2, p. 437-454, ago. 2017.
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GOBATTO, Marcia Regina; CARVALHO, Daniela Franco. Improvisações formativas em encontros com
professoras/es-formadoras/es.
(Com)posições iniciais
A intencionalidade principal deste estudo se deu no desejo de cartografar os diferentes
movimentos formativos das/os professoras/es-formadoras/es1, que aconteceram com/no
Centro de Formação e Atualização dos profissionais da Educação Básica do estado de Mato
Grosso (Cefapro/MT2), mas que transbordaram para tempos e espaços que foram além e
aquém de seu território. Uma cartografia é um mapa móvel que acompanha as paisagens e
suas transformações. Latitudes e longitudes.
Chama-se longitude de um corpo os conjuntos de partículas que lhe pertencem sob
essa ou aquela relação, sendo tais conjuntos eles próprios partes uns dos outros
segundo a composição da relação que define o agenciamento individuado desse
corpo. [...] Chama-se latitude de um corpo os afectos de que ele é capaz segundo tal
grau de potência, ou melhor, segundo os limites desse grau. A latitude é feita de
partes intensivas sob uma capacidade, como a longitude, de partes extensivas sob
uma relação (DELEUZE; GUATTARI, 2012, p. 44).
Assim, a presente cartografia se deu na tentativa de adentrar na movimentação
molecular que tece o cotidiano das/os professoras/es-formadoras/es no/com o Cefapro/MT,
através de encontros. Encontros entre velocidades e lentidões e afectos3, que buscaram
ultrapassar o conceito, transbordar a forma da formação como a conhecemos, na tentativa de
sair das hierarquizações e das classificações enclausuradas dentro desta palavra tão corroída
na educação. Esta tentativa pediu para desnudarmo-nos, portanto não há codinomes, mas
circunscrição de acontecimentos. Nossos encontros são composições de vida, um devir outro
de nós mesmas/os na tentativa de responder questionamentos e angústias. De vivenciar e/ou
experimentar caminhos outros, necessários para mover o pensamento e desencadear uma
possível transformação da compreensão que temos hoje da formação. Um movimento do
caminhar com a formação, (re)inventando-a.
Na busca do experimentável e do cartografável, questionamentos surgiram: que
formação é essa que tanto nos angustia, que nos faz desejar fugir, mas que nos faz ficar?
1 Professor/a-formador/a é a denominação atribuída às professoras e aos professores, das diferentes áreas do
conhecimento, que atuam no Cefapro/MT.
2 O Cefapro/MT é uma instituição ligada à Secretaria de Estado de Educação, Esporte e Lazer de Mato Grosso
(Seduc/MT). Instituição esta responsável pela política de formação, sistematização e execução de projetos e
programas da referida secretaria, bem como pelo desenvolvimento de parcerias com o Ministério da Educação
(MEC), Secretarias Municipais de Educação (SME) e Instituições de Ensino Superior (IES).
3 “Afecto em Deleuze, ao contrário do afeto, é uma potência totalmente afirmativa. O afecto não faz referência
ao trauma ou a uma experiência originária de perda, segundo a interpretação psicanalítica. O afecto, ao qual
nada falta, exprime uma potência de vida, de afirmação, o que aproxima Deleuze de Spinoza: na origem de
toda existência, há uma afirmação da potência de ser. Afecto é experimentação e não objeto de interpretação.
Neste sentido, afecto não é a mesma coisa que afeto: o afecto é não-pessoal” (LINS, 2005, p. 1254).
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professoras/es-formadoras/es.
Como transformar a formação em criação? Como desencadear uma formação que inclua a
ética como princípio? Como permanecer no meio e criar uma nova formação?
No caminho escolhido, a ética é um cuidado permanente da singularidade e da
potência de agir. Um esforço permanente de elevar a potência dos encontros, elevando assim
o poder de afectar e ser afectada/o, transformando os encontros formativos em potência de
agir, que se espalha como potência de pensar, como potência de provocar e convocar
sensações, nos tornando mais potentes do que realmente somos. Sempre querendo escapar das
codificações impostas, suscitando acontecimentos que fogem ao controle. Encontros que se
imponham como resistência e reinvenção. Que se imponham como experimentação.
(Re)existência.
Cartografia formativa
Os encontros tomados como acontecimentos se colocam aqui como um falar com
nossos movimentos formativos. Um fazer com nossos movimentos formativos. Fomos à
busca da formação como movimento de criação, da potência afirmativa da formação singular,
que é também potência de preenchimento, potência de desejo. Com as potências convocadas,
queríamos saber se havia a possibilidade de construir outros caminhos, que não aqueles das
representações e dos modelos formatados que tanto nos angustiam. Como seria o mapa dessa
formação? Que formação seria essa?
Também tínhamos ciência de que, mesmo desejando uma formação sem amarras,
livre, nômade, sem ordenações, hierarquias ou condicionantes, era/é impossível uma ruptura
total com a produção da subjetividade, pois estamos inseridas/os em uma sociedade composta
por ideais universalistas, com poderes e saberes dominantes. Um lugar de difícil liberdade
criativa.
O plano é infinito e podemos iniciá-lo de mil maneiras, sempre (re)compondo nossas
relações entre velocidades e lentidões e afectos. Diante disso, a formação que buscamos foge
da formatação e dos modelos prontos e se põe em movimento-ritornelo.
O ritornelo se define pela estrita coexistência ou contemporaneidade de três
dinamismos implicados uns nos outros. Ele forma um sistema completo de desejo,
uma lógica da existência (“lógica extrema e sem racionalidade”). Ele se expõe em
duas tríades ligeiramente distintas. Primeira tríade: 1. Procurar alcançar o território,
para conjurar o caos; 2. Traçar e habitar o território que filtre o caos; 3. Lançar-se
fora do território ou se desterritorializar rumo a um cosmo que se distingue do caos.
Segunda tríade:
1. Procurar um território;
2. Partir ou se desterritorializar;
3.
Retornar ou se reterritorializar (ZOURABICHVILE, 2009, p. 95).
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A formação-ritornelo é uma circularidade, o constante movimento em busca do que se
repete, mas que se repete ritmadamente produzindo a diferença. Assim nunca é um retorno do
mesmo, mas uma constante chegada da/o estrangeira/o ou ao estrangeiro. Um eterno voltar
para casa (território conhecido), o que corresponde ao retorno da/o estrangeira/o, pois já não
somos mais as/os mesmas/os (primeira tríade); ou retornamos para uma casa ainda por vir
(segunda tríade). Estes movimentos não se dão separadamente, acontecem todos ao mesmo
tempo, sendo o primeiro movimento a construção dos territórios, os quais são formados por
meios. Meios são nascidos do caos, mas contra o caos, pois são intensidades sempre na
iminência da exaustão.
Um meio p um “bloco de espaço-tempo” j volta do centro frágil constituído pelo
ritornelo, bloco de vibrações instável, prestes a submeter-se a um código, a uma
regra (que o transforma em território), e em permanente passagem para outro meio
(transcodificação ou transdução) (GIL, 2008, p. 127).
É nos meios que as ações acontecem, mas é nos ritmos que elas se movimentam e se
transformam, produzindo diferenças. O ritmo faz a conexão entre os meios e promove a
transcodificação; ocorre no entre, entre-dois, entre-dois-meios. É aqui, no espaço intervalar,
no vazio, que a diferença p produzida, por isso o ritmo p o “Desigual ou o Incomensurável,
sempre em transcodificação”,
(DELEUZE; GUATTARI, 2012, p. 125) transformando,
articulando e integrando elementos heterogêneos em um único pulsar.
Um território é formado por componentes de meios ritmados, ou seja, uma qualidade
expressiva. Uma marca. Uma placa. A qualidade advém do meio e a expressão do ritmo “A
territorialização é um ato do ritmo devindo expressivo, ou dos componentes de meio devindo
qualitativos. A marcação de um território é dimensional, mas não é uma medida, é um ritmo”
(DELEUZE; GUATTARI, 2012, p. 128).
Essa marca qualitativa é a assinatura do território, de um domínio, que nada tem de
pessoal, mas pode ser utilizada pelas pessoas como estandarte, bandeira, placa que marca
nosso domínio, nossa casa. Porém essa assinatura também está em movimento e vai devir
estilo. O estilo nasce das relações móveis entre as qualidades expressivas e as matérias de
expressões “De um lado, as qualidades expressivas estabelecem entre si relações internas que
constituem motivos territoriais [...]. Por outro lado, as qualidades expressivas entram também
em outras relações internas que fazem contrapontos territoriais” (DELEUZE; GUATTARI,
2012, p. 131).
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As relações que as qualidades expressivas estabelecem internamente, com seus
impulsos; ou externamente, com as circunstâncias, geram uma autonomia de expressão, que
devém estilo. Esta autonomia de expressão, este autodesenvolvimento, é estilo; marcas que
definem um território, um domínio, marcas que lutam com as forças que batem à sua porta,
por isso tambpm “são linhas de variação contínua” (GIL, 2008, p. 131), que deslizam na
esteira das linhas de fuga que cortam esse mesmo território. Os territórios já nascem com uma
linha de errância, já em um movimento de desterritorialização, de abertura, mesmo que seja
para reterritorializar mais tarde.
Ora se vai do caos a um limiar de agenciamento territorial: componentes direcionais,
infra-agenciamento. Ora se organiza o agenciamento: componentes dimensionais,
intra-agenciamento. Ora se sai do agenciamento territorial, em direção a outros
agenciamentos, ou ainda a outro lugar: interagenciamento, componentes de
passagem ou até de fuga. E os três juntos. Forças do caos, forças terrestres, forças
cósmicas: tudo isso se afronta e concorre no ritornelo (DELEUZE; GUATTARI,
2012, p. 124).
As relações rítmicas são as responsáveis pelo interagenciamento, pois pelo vazio do
entre, abre canais com as forças cósmicas, o que provoca a desterritorialização. Assim
entendemos que nossos movimentos formativos com o Cefapro/MT, ou a formação
propriamente dita, são blocos de forças vivas, que podem ser capturadas e transformadas em
formas móveis, em um plano de consistência. É o ritornelo que cria o plano, pois ao escapar
de forças territorializadas, improvisa-se. Improvisação p criação, “p ir ao encontro do Mundo,
ou confundir-se com ele”. (DELEUZE; GUATTARI, 2012, p. 123) Já que a luta dessas forças
vivas constituem componentes de passagem e são necessárias ao movimento contínuo ou ao
ritornelo, que pode acontecer ou não. “Vai e volta-se, e quando se volta o ponto de partida
deslocou-se. A improvisação é um ritornelo. A improvisação p criação” (GIL, 2008, p. 136).
O eterno retorno, trazendo o mundo das diferenças, uma potência de afirmar.
Encontros
Nossos encontros com o Cefapro/MT foram exercícios do conter-se, do não-julgar, do
não-significar, já que os encontros só se tornam encontros quando são recebidos e retribuídos
à altura. Improvisação. Improvisar o cuidado com os encontros. Acolher a estranheza do
imprevisível. Cuidar dos encontros e deixar esse imprevisível acontecer. Manusear e deixar as
diferenças aflorarem. Ritmo. Um trabalho do transformar o saber em sabor. Saborear os
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encontros. Estar no meio. Estar no jogo4. Presente. Agora. Investimento necessário que nos
convoca a parar e (re)parar nas forças vivas que nos atravessam. Encontrar-se é utilizar essas
forças de tal forma que possam abrir uma brecha, uma ferida. Manter aberta a ferida é manter
o encontro vivo como matéria para uma possível (re)existência, pois “a ferida é algo que
recebo em meu corpo, em tal lugar, em tal momento, mas há também uma verdade eterna da
ferida como acontecimento impassível, incorporal” (DELEUZE; PARNET, 1998, p. 79).
É como se a ferida já estivesse lá antes de nascermos e precisássemos estar à altura do
acontecimento quando o encontrássemos. É uma questão das relações entre velocidades e
lentidões. Deste modo, quando se chega aqui, no encontrar-se, não há mais o que fazer ou
dizer; há apenas o viver e o habitar o encontro, descobrindo o que deve ser acionado. Confiar
no acontecimento, no fazer juntas/os. O encontro é convocado por presença, por
pertencimento, pela afecção convocada. “Um encontro p talvez a mesma coisa que um devir
ou n~pcias” (DELEUZE; PARNET, 1998, p. 14). Uma combinação frágil, mas com uma
potência de vida que se afirma com uma força ímpar que transforma a paisagem, embora não
seja possível dizer quando começou essa transformação. Confiança. Movimentos. Afectos.
Para manter a ferida aberta ou para mantermos o encontro vivo, apostamos na criação
coletiva. Apostamos no ritornelo. Fomos criando coletivamente motivos para o
desencadeamento do ritornelo, que deveio formação-ritornelo. A formação-ritornelo extrapola
o território do Cefapro/MT, indo ao encontro de outros territórios construídos e habitados por
cada um/a de nós, professoras/es-formadoras/es.
A matéria para a construção do encontro com a formação-ritornelo começou a ser
gerada ainda em
2009, quando nosso primeiro encontro aconteceu, ainda que não
soubéssemos disso. Naquela época não tínhamos consciência de onde estávamos adentrando,
no que se refere às questões formativas, embora muitas/os de nós já estivessem presentes no
Cefapro/MT há mais tempo. As angústias, os medos e as incertezas eram as mesmas.
Na construção desse caminho, muitas/os das/os componentes do grupo nos deixaram,
assim como outras/os adentraram. Algumas/ns de nós, passeamos por diferentes
(com)posições dentro da instituição, ocupando cargos de direção ou coordenação de
formação, o que diferencia nosso olhar. Nesse percurso também foram realizadas várias
pesquisas, algumas publicadas e academiadas, outras permaneceram na marginalidade.
Ficamos durante esse bloco de espaço-tempo ensaiando e inaugurando novos modos de
4 “O jogo ideal, como Deleuze o desenvolve, p sem regras, sem vencedor e sem vencido. Ele p, antes de tudo,
acaso, heterogeneidade” (LINS, 2008, p. 58). O jogo aqui é vida, pensamento, criação, improvisação.
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professoras/es-formadoras/es.
estarmos juntas/os, sempre no desejo de construção de uma formação que fugisse dos
modelos habituais com os quais estávamos envolvidas/os, pois nossa singularidade requeria
uma formação também singular. A inquietação provocada por essa formação-modelo e a ânsia
da construção de uma formação-outra nos moveu para os encontros de agora. Um movimento
cheio de percalços, de territorializações e desterritorializações, de medos e angústias, de
alegrias e tristezas, de gritos e silêncios, de (re)paragens, de resistências e (re)existências.
(Re)construção de mapas. Mapas e (re)existências que nos permitiram chegar aqui, no agora,
no encontro com a formação-ritornelo.
No encontro de agora somos doze. Doze professoras/es-formadoras/es, que habitam
diferentes territórios, ora na coletividade, ora em pequenos grupos, ora com outros grupos, ora
solitariamente e ora nos encontramos no território chamado Cefapro/MT, nem sempre
todas/os juntas/os. No encontro de agora procuramos preservar nossa heterogeneidade, pois
pertencemos a diferentes áreas do conhecimento e temos diferentes ocupações dentro/fora do
Cefapro/MT, o que nos faz embarcar em diferentes linhas de composição.
Somos da área das linguagens, códigos e suas tecnologias (língua portuguesa); da área
das ciências humanas e suas tecnologias (história, geografia, filosofia); da área das ciências da
natureza e suas tecnologias
(biologia), da alfabetização
(pedagogia), além das
modalidades/especificidades de educação de jovens e adultos, educação do campo, tecnologia
educacional e diversidade na educação básica. Somos também diretora e coordenadora de
formação. Somos doze professoras/es-formadoras/es que nos dispusemos a nos encontrar e a
nos desnudar, querendo ultrapassar o conceito da palavra formação, transbordar a forma, sair
das hierarquizações e das classificações enclausuradas dentro dessa palavra tão desgastada na
educação. De tal modo nos dispusemos a nos encontrar para uma formação sempre por vir,
através da circularidade do ritornelo.
Nesse sentido, na perspectiva do acontecimento, os encontros com as/os
professoras/es-formadoras/es, com o Cefapro/MT e com a possibilidade da construção de um
plano de composição de nossa própria formação, realizamos, no segundo semestre do ano de
2014 e no ano de 2015, a concretização de sete encontros presenciais e uma multiplicidade de
encontros virtuais que se estenderam para 2016 e ainda estão presentes no agora.
Nosso primeiro encontro foi recheado de expectativas. Enchentes de informações
expressas em uma verborragia desnecessária. Necessidade inútil de justificativa, de
explicação de uma coerência inexistente, laços que teimavam em não se construir. Olhares
interrogantes. Foi o encontro das
(des)cisões, de decidir e
(des)cindir o como fazer.
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Decidimos fazer com. Decidimos nos desnudar, por isso nessa cartografia não há
pseudônimos. Decidimos também filmar. Filmamos todos os encontros, o que nos permitiu a
excitação da produção da dança ao vivo, mesmo sabendo que não era/é seguro, e nem há uma
formação pronta para ser descoberta, mas para ser criada e conquistada no trabalho cotidiano
com o Cefapro/MT. Sabedoras/es também de que não há coleta de dados, mas produção.
Produção cartográfica. Produção de mapa móvel. Construção coletiva momentânea.
Construção de ferramentas. Mapeamento do experimentável, não sem a angústia e o medo de
os processos investigativos escaparem por entre os dedos, de a atenção não ser suficiente.
Devido a isso temos clareza de não termos cartografado tudo, somente algumas cenas,
algumas conversas, já que além de nossas limitações, a linguagem escrita também não nos
permite expressar todos os afectos e movimentos e repousos. O enunciado ainda é mecânico
e, muitas vezes, caímos na vala das explicações e interpretações, mas também reconhecemos
as singularidades da criação coletiva, da disposição para. Inventar uma formação com, essa
era a proposta: a invenção de um devir-formação; a construção da consciência de um ritornelo
com a formação, com professoras/es-formadoras/es, com o Cefapro/MT.
Nos encontros, preferimos trabalhar com rodas de conversas e jogos5, sempre
recheados de música e poesia. Apostamos no acontecimento, em encontros-formação mais
leves, menos formatados, querendo ultrapassar a perspectiva que tínhamos de encontros
formativos propriamente ditos. Então trouxemos para os encontros: vídeos com poesia e
música, fragmentos de textos, instrumentos musicais, jogos (Tangram6 e Jogo das Perguntas7).
Composição de heterogêneos. Com a ajuda dessas ferramentas cantamos, jogamos, fomos
musicistas; também compartilhamos nossas angústias, medos, paixões, desejos. Medo/desejo
de estar ali. No agora. No encontro. Com as ferramentas e as sensações convocadas
construímos os encontros. Construímos nossa formação-ritornelo com o Cefapro/MT.
As ferramentas escolhidas para a construção dos encontros são fruto de um querer
convocar sensações, um desejo de afecção. Um desejo de sentir as linhas de forças que nos
atravessam. Um desejo de ensaiar uma nova forma de estarmos juntas/os com o processo
formativo, porém sem o fantasma da formação-modelo. Por isso as ferramentas também se
5 Aqui estamos nos referindo aos jogos-ferramenta dos encontros.
6 O Tangram é um quebra-cabeça chinês que contém 7 peças (2 triângulos grandes, 1 triângulo médio e 2
triângulos pequenos, 1 quadrado e 1 paralelogramo) com as quais é possível montar uma infinidade de figuras.
7 Segundo Eugénio e Fiadeiro (2014, p. 285) “é um jogo constituinte do Modo Operativo AND, que é um
sistema de ferramentas-conceito e conceitos-ferramenta de aplicabilidade transversal à arte, à ciência e ao
quotidiano para a tomada de decisão, a gestão sustentável de relações e a criação de artefatos”.
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professoras/es-formadoras/es.
constituíram em improvisações. Ferramentas estas para despertar práticas de atenção. Atenção
à potência de nossos processos formativos sem o peso da obrigatoriedade que nos faz repetir o
já previsto, querendo desenhar novos mapas formativos, embora todos os nossos medos e
angústias estivessem presentes, pois na fuga sempre encontramos tudo aquilo de que fugimos.
Deste modo, quando menos esperávamos, nos deparávamos com os fantasmas da formação-
modelo, com aquilo que nos faz segui-la.
Três dos sete encontros foram instalados através de rodas de conversas, desencadeadas
pelos questionamentos e pela improvisação. Conversas com a formação. Conversas com
professoras/es-formadoras/es. Conversas com o Cefapro/MT. Os encontros com as rodas de
conversas não foram realizados ordenadamente, sendo estes intercalados pelos encontros
compostos pela ferramenta-jogo
(três encontros), também desordenados. Além desses,
realizamos um encontro com a música, o qual aconteceu no meio destes outros.
Os encontros com as rodas de conversas eram iniciados e recheados por trechos de
poesias ou músicas, ou ainda poesias musicadas, ou fragmentos de textos que nos
convocassem às novas e
(im)possíveis sensações. Querendo sair da tradição-modelo-
formativo de leitura de textos acadêmicos, querendo explorar o que já habita em nós.
Querendo mais sabor do que saber.
Com os encontros também surgiram conflitos/atritos, pois a proposta era ousada. Será
que nossos encontros se concretizavam como formação? O que é uma formação ou um
encontro formativo? Buchichos. Burburinhos. Literalmente abandono de encontros. Não
comparecimento ou não comparecimento parcial, pois o desejo e a curiosidade para com as
conversas eram inevitáveis. Um chegar no meio era fatal. Um querer que rejeita. Dificuldade
de conversar com. Dificuldade de agir em prol da formação como afecto e não como
construção de lideranças. Domínio de egos. Alianças.
Eu preciso de mais. Vamos ficando exigentes conosco mesmo (Eliane).
Eu acredito que as mudanças não acontecem porque nós não estamos preparados para a liberdade de
construção, a gente não sabe como lidar com isso (Rosi).
Se cumprirmos todas as regras não dançamos nunca (Luiza).
Conversamos muito com nossa (in)(en)formação acostumada, mecanizada, que vicia
corpos e mentes
(aquela com a qual estávamos mais habituadas/os), mas também
reconhecemos nossas linhas de fissura, abrindo feridas, transbordando o território e indo ao
encontro de um devir-formação, das alianças. Singularidade. Contágio. Blocos de criação.
Conversas com, e não conversação ou debate entre professoras/es-formadoras/es, pois não é
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uma questão de domínio, já que este é dado pelo próprio encontro. Composição de corpos.
Alianças. Combate ao ego que ainda quer competir, que ainda quer construir identidade.
Precariedade. Experimentação do inevitável, embora em muitos momentos, a representação
teimava em aparecer, o saber queria falar mais alto e a preocupação com uma formação que
desse respaldo acadêmico, que se concretizasse em certificados e diplomas, entrava em pauta.
Em vários momentos o peso do modelo-de-professor/a-formador/a nos incomodava. Como
viver juntas/os em um mundo que é representado pela segmentação e pelas dualidades? Como
viver o agora, o acontecimento? Podemos viver sem ideias e com o que há? Essas perguntas
desligam a programação padrão, que requer sempre novas ideias na criação de uma realidade
ideal colonizada, como nos ensinam Fernanda Eugénio e João Fiadeiro
(2014). É um
exercício do parar, (re)parar e reparar. Atuação coletiva, na tentativa da construção de um
jogo do viver juntas/os, que provocou mais sensações que interpretações. Um jogo que nos
fez agir juntas/os, ofertando nossas obras no encontro. Sem respostas prévias, sem ideias,
apenas saboreando o momento. Os encontros nos possibilitaram nos olharmos enquanto gente,
enquanto profissionais que trabalham o coletivo. Quanto esta relação aguenta/aguentará?
Quanto tempo o coletivo se sustentará? Questionamentos que perambularam nossa mente na
experimentação com os encontros, que nos fizeram pensar sobre nossa relação com a
formação, com o Cefapro/MT.
Fica evidente que, em muitos momentos a gente está junto, mas estamos separados. Agimos
separadamente. Esse enxergar de outra maneira é muito difícil (Sirley).
Abrir para as possibilidades. Não existe nada definido. É permitido a ação dos diferentes, de cada
particularidade (Hermógenes).
Interessante a gente se perceber (Rosirene).
Observar é muito importante (Luiza).
Às vezes estamos só fazendo nossas coisas e esquecemos do outro, esquecemos que o trabalho é
coletivo. É tão sério isso, tão assustador, que a gente percebe a grande dificuldade de cada um de nós
quando tem que ouvir o outro, prestar atenção no outro (Rosi).
Quando a gente olha e está na velocidade acostumada só vemos aquilo que estamos acostumados a ver
(Anderson).
Exercício do parar, reparar e (re)parar. Exercício do fazer com. Exercício do aprender
a conviver. Exercício de inventar novos estilos de viver juntas/os com a formação.
Fragmentos que estiveram presentes durante os encontros. Percepções, afecções, devaneios,
formação. Confiar na potência do encontro, confiar em nós. Entrega. Fazer com. Fazer de
outra forma porque aquela não dava mais conta de nossos pensamentos.
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GOBATTO, Marcia Regina; CARVALHO, Daniela Franco. Improvisações formativas em encontros com
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Quando a gente fala da novidade que é pensar de uma outra forma, fazer seria um segundo passo. Não
dá para pensar de uma outra forma e fazer do mesmo jeito (Anderson).
Os três encontros construídos através da ferramenta-jogo
(tangram e o jogo das
perguntas) foram utilizados como ferramenta-exercício de um modo outro de viver juntas/os,
mas com a possibilidade de um (re)começo quando necessitássemos, sem a responsabilidade
do acontecimento real. Exercícios de simulação. Um laboratório do viver juntas/os. Um
laboratório com a formação.
No encontro com o Tangram, este foi apresentado virado de cabeça para baixo na
mesa que abrigava a roda de conversa e no verso de cada uma das peças colocamos um
questionamento. Cada um/a de nós pegava uma peça e íamos montando um novo desenho, um
novo mapa, circunscrevendo nossas ações no Cefapro/MT. Os questionamentos contidos nas
peças eram: 1) Onde está o coletivo? 2) Qual é a dor e a delícia de estar no Cefapro/MT? 3)
Como vim parar aqui? 4) Consigo comparar quando cheguei e como estou agora? 5) Como
experimento com o Cefapro/MT? 6) Desejos? 7) Espaço de formação?
Não segue o que eu planejei. O movimento muda aquilo que você quer fazer (Rosi).
Quando você coloca a pessoa ao seu redor é também um aprisionamento (Maria Auxiliadora).
normal a existência de pequenos grupos, em qualquer ambiente de trabalho isso acontece (Luiza).
Muitas vezes não estamos interessados em sair da caixa, da instituição, em enfrentar ou questionar as
regras, porque estamos muito ocupados em cumpri-las (Sirley).
Fiquei apavorada (Eliane).
As (com)posições, as posições(com) provocaram desvios, pois não estávamos/estamos
à procura de respostas, nem de histórias, nem de caminhos já trilhados ou conceituações. Um
exercício de enxergar com a formação. Um exercício do cuidado com a formação. Uma
formação-acontecimento. É um transformar minha vontade pessoal em uma potência
impessoal, extrair disso o acontecimento-encontro com professoras/es-formadoras/es.
São as escolhas: enfrentar ou voltar para a casca? (Elza).
Não é que a gente não se vê como classe de professores, classe trabalhadora, como grupo que também
é excluído. Não se trata de não querer se ver, mas são situações que nos levam a pensar assim.
Inocência (Osvaldo).
Partimos para uma aventura em busca do ritmo, que deveio estilo. Não sem
(re)existências. Na ânsia de uma dança que se estendeu além e aquém das fronteiras e limites
do mapa-decalque, da cópia. Territorialização-desterritorialização-reterritorialização, no ritmo
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do ritornelo. Todas/os juntas/os cavoucando nossos próprios buracos, nossas tocas,
remexendo e perturbando forças e controles.
Outro encontro foi uma conversa musicada. Sensações convocadas por performance e
canções. Performance do ser mulher na educação, do estar presente profissionalmente, do
encontrar nosso lugar. O em casa do ritornelo. Um movimento feminista. Amizades sinceras
transcritas em palavras e canções. Canções inventadas. Canções tocadas. Canções convocadas
pela saudade. Trazidas pelas histórias contadas e rememoradas. Canções de agora. Canções
que expressaram nossas dores e delícias8. Emoções contidas e extrapoladas. Isto é formação?
Cantamos. Dançamos. Choramos. Inventamos novas (im)possibilidades de estar juntas/os.
Desterritorializamos a formação.
Esses encontros trouxeram muitos elementos novos, uma quebra das regras, pois às vezes, conseguimos
pensar diferente, mas não conseguimos por em prática um fazer diferente. Agora conseguimos
(Hermógenes).
A educação é isso. Reconstruir o tempo todo. Inventar (Luiza).
Importante nos percebermos, perceber o como nos tornamos o que somos. Os encontros nos fizeram
lembrar coisas que estavam escondidas (Rosi).
Somos fruto do que conseguimos ser, fruto de nossas velocidades e lentidões
conquistadas, daquilo que não nos deixamos aprisionar, daquilo que experimentamos. Vetores
de forças que provocam sensações, abrindo feridas que possibilitam ver outras coisas, que
possibilitam o trabalho com elas, que possibilitam o esquecimento e a transformação das
mesmas em força desterritorializante. Encontros que nos possibilitaram lutar com conceitos e
(pré)(pre)conceitos.
As pessoas vão falar que você é menos porque é negro, porque é mulher, porque é gay. E se você
acreditar, você cai no jogo deles (Anderson).
Os experimentos traduzidos em encontros refletiram o como manejamos, ou nos
deixamos sermos capturadas/os pelas linhas de forças que nos atravessam. Na aprendizagem
de transformar essas forças em intensidades que nos impulsionam para a vida. A velocidade
ou a lentidão conquistada. Aquilo que tem força suficiente para nos colocar em movimento.
Força o suficiente para nos fazer dançar com nossas misérias, com as forças convocadas, com
as sensações provocadas.
Outros dois encontros foram construídos com o jogo das perguntas. Jogo este, onde
tudo é construído jogando-se. O tabuleiro é delimitado de acordo com o espaço que temos, as
8 Roubadas da música Dom de Iludir de Caetano Veloso.
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regras são construídas em seu decorrer e as peças são “tralhas” como nos ensinou Fernanda
Eugénio, ou seja, quaisquer objetos que temos em mãos. Nós utilizamos objetos pedagógicos
existentes no Cefapro/MT, assim como objetos pessoais.
Um jogo em que o espetáculo p concebido enquanto “condição”, e não enquanto
“condicionante”. Um jogo cujas regras emergem enquanto se joga, sustentadas na
“consistência” (e não na “coerência”) do que se vive e do que a partilha. Um jogo
que só acontece porque deixamos de nos ocupar em
“saber por que” e nos
concentramos em “saborear o que”, desdobrando “o que sabe” o acontecimento
(EUGÉNIO; FIADEIRO, 2014, p. 287).
As primeiras jogadas foram extremamente individuais, queríamos regras e lideranças
para seguir. Busca incessante de modelos. Acidentes ignorados. Jogadas excessivas sem parar
e (re)parar.
Pareceu-me sem coletividade (Rosirene).
Esse coletivo é só um faz de conta? Quando a coisa aperta prevalece a ideia de um ou de outro? (Rosi).
Se não for do meu jeito não quero mais, não vou mais. É isso? (Eliane).
Foi um disparar coletivo! Necessidade de
(dês)parar até encontrar o ritmo para
responder os encontros à altura. Entre as velocidades e lentidões conquistadas. Quanto tempo
a relação aguenta? Quanto tempo aguentamos antes de criar nosso próprio mundo?
Resistências.
(Re)existências. Conjunto de inquietações à procura de ritmo.
(Des)territorializações (im)possíveis. Construção de mapas para conviver. Para estar presente
no grupo. No agora. Gestão de um plano comum. Cuidado coletivo com a formação. Cuidado
com o encontro.
O problema é que, às vezes, a gente olha só de um ângulo. Quando se olha de outros ângulos, você cria
outras situações (Maria Auxiliadora).
Eu tenho que mudar para eu ficar aqui. Tenho que dar continuidade ao mundo que entrei (Rosirene).
Agora trabalhamos mais coletivamente, prestamos mais atenção no outro (Rosi).
Exercícios com (im)possíveis modos de atenção. Exercício de manter o encontro vivo
através do cuidado com o plano comum, circunscrito pelo nosso tabuleiro. Sem lideranças.
Controle contínuo do ego. Querendo alianças. Nos descobrindo...
Vamos fazer uma auto-análise. As nossas dificuldades de grupo apareceram: quem é mais
individualista, quem não consegue produzir em grupo, quem quer passar na frente do outro, quem quer
mexer no trabalho do outro, quem quer estar sempre em evidência (Rosi).
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No laboratório, o jogo nos permite o fazer com, exercitando práticas de atenção que
podem reverberar no cotidiano, na vida, na formação. Porém temos consciência de que a
construção da formação-ritornelo só pode se concretizar através das revoluções moleculares
que vivem em nós. Isto porque a singularidade da gestação de nossas ações caminha por
conexões sempre novas, sempre próprias, apesar da tentativa de cooptação através das normas
e modelos instituídos. Exercício contínuo de práticas de atenção.
Aprender tem muito a ver com sensibilidade (Anderson).
As intensidades são diferentes, mas os movimentos são sempre possíveis (Eliane).
Revoluções moleculares, sensações e afectos que convocam um devir-formação, que
lutam com a formação-instituída, pois é sempre um movimento de dupla captura. Sempre no
perigo do aprisionamento. Um entre-lugares. Meio. Estar no meio é se constituir como meio.
Experimentar com o meio. Tornar-se a própria coisa. Ser a coisa. Tornar-se a própria
formação. Ser a formação ou ser digno dela, como nos ensinam Gilles Deleuze e Claire Parnet
em seus Diálogos (1998, p. 79) “não ser inferior ao acontecimento, tornar-se o filho de seus
próprios acontecimentos”.
Assim estar no Cefapro/MT com as pessoas que o compõe, é inquietante, angustiante,
porém somos sabedoras/es da existência das revoluções moleculares e cósmicas que vivem
em nós, forças que atuam nos movimentos de territorialização-desterritorialização-
reterritorialização, em uma constante luta entre as forças do caos, forças terrestres e as forças
cósmicas. Buscas constantes por frestas, gretas, rachaduras que convocam sensações e
afectos, formando um plano de composição. Composição com professoras/es-formadoras/es,
com novas e (im)possíveis (com)posições de formação. Posições com a formação.
O trabalho é o cuidado com a formação. Todas/os juntas/os cuidando da formação na
sua molecularidade, nas suas entranhas. Essa é a revolução molecular que nos embarcou nas
linhas de errância e nos fez experimentar o desconhecido. Improvisar. Criar. Acordar, cortar a
carne e (re)abrir as feridas. Manter o encontro vivo, manter a ferida aberta.
Tem coisas que estavam tão silenciadas dentro de mim, mas que eu nem sabia o que era, mas queria
(Rosirene).
Eu experimento com a nossa convivência, seja ela nos momentos formativos, nossos encontros, estudos.
O nosso experimentar é um desafio, um aprendizado (Beatriz).
O Cefapro/MT é um território paradoxal, que se junta com outros territórios contidos
em nós, onde as coisas acontecem ou nos paralisam. Onde os planos se imbricam, nos
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aceleram, nos dilatam, nos alongam, provocando blocos de sensações, nem sempre alegres,
pois estamos sempre na fronteira, na iminência do perigo, da captura.
O sistema é veloz demais (Sirley).
Parece que estou sempre em dívida (Rosi).
Às vezes está todo mundo indo e eu sinto que também tenho que ir, mas será que já é hora de ir?
(Anderson).
As vezes as tarefas são tantas que a gente não dá conta (Luiza).
Eu gostaria de ter mais tempo, deixar de ser tarefeira e ter mais tempo para estudar mesmo, ir mais
longe (Maria Auxiliadora).
Como espaço paradoxal, o Cefapro/MT é lugar de luta, resistência, (re)existência, mas
também lugar de criação. Utilizarmo-nos da potência desse paradoxal é criar novas
possibilidades formativas, é tornar o Cefapro/MT um espaço privilegiado para criações e
possibilidades. Possibilidades para o desencadeamento do movimento-ritornelo.
Possibilidades para o desenvolvimento da formação-ritornelo com as/os professoras/es-
formadoras/es, com a formação, com o Cefapro/MT, através de encontros. Promover
encontros que façam vibrar as sensações, os afectos, que produzam ações de matilha, de
multiplicidades.
Quando sinto desejo de ir além eu vou! (Luiza).
Aquilo que me inquieta me leva a lutar (Sirley).
Nossa luta é pela formação (Beatriz).
A construção do conhecimento é uma luta (Osvaldo).
Existem muitos caminhos formativos, não existem percursos certos ou errados, apenas caminhos
(Maria Auxiliadora).
Cada um produz de onde a sua condição permite (Rosirene).
A percepção e a consciência de que vivemos em luta, de que não existem caminhos
certos ou errados, nos fazem embarcar em certas linhas de errância capazes de intensificar
nossas forças e acionar a formação-ritornelo, com desejo, ética e alianças. Contágio.
Percepção de que podemos enfrentar nossas culpas e iniciar uma revolução molecular que nos
permita
(re)criar nosso cotidiano, transformando nossas ações formativas na formação-
ritornelo. Com nossos encontros embarcamos em linhas de fuga, as quais nos conduziram ao
novo, ao experimento com a formação. Juntas/os! Nossas perguntas ainda continuam vivas.
Não estávamos à procura de respostas, mas na busca de cartografar uma formação intensa,
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forte, que tem força suficiente para se transbordar e capturar as forças cósmicas. Um devir-
formação-consistente. Um eterno retorno como ritornelo capaz de capturar as forças não
visíveis e não pensáveis do Cosmo, sempre no cuidado de não sermos capturadas/os e cairmos
nas garras da reprodução, mas é um risco.
As perguntas continuam intensas, fortes. A formação-ritornelo continua viva. A ferida
continua aberta. Estamos em plena experimentação do encontro agora. Não sem resistências e
(re)existências. Não sem atritos. Burburinhos. Incertezas. Na tentativa de (com)pôr mapas
com as/os professoras/es-formadoras/es, com a formação, com o Cefapro/MT.
O que ficou?
O acontecimento. Onde estão os múltiplos questionamentos que nos puseram em
movimento cartográfico? E aqueles que nos impulsionaram durante o processo? Aqueles que
possibilitaram a montagem e a desmontagem de mapas? Todos transbordados e transformados
em multiplicidades. Questionamentos (de)compostos na circularidade do ritornelo. Nenhuma
resposta. Nenhum caminho pronto, mas o desejo de continuar caminhando, de continuar se
encontrando. Conscientes de que o plano de consistência pode gerar a formação não pessoal
que nos atravessa, o que nos fará embarcar no eterno retorno, produzindo diferenças naquilo
que se repete. Exercícios de atenção. Práticas de atenção aos fluxos formativos, que
ritmadamente nos levam para outros mundos possíveis.
Os encontros me deixaram sem chão, preciso me desconstruir para estar presente nos processos
formativos novamente (Sirley).
Os encontros, enquanto criação podem ser realizados em qualquer paisagem (Maria Auxiliadora).
Eu vivi muito. Aprendi muito com nossos encontros. Nos conhecemos enquanto humanos (Luiza).
Com nossos encontros vi um outro ângulo da formação (Beatriz).
Temos embarcado em processos formativos muito frios, mecânicos. Em nossos encontros não (Rosi).
Os encontros vieram nos ajudar a pensar de uma outra maneira. Vieram nos falar das fugas. Vieram
nos falar que somos outros. Que crio personagens quando me encontro (Rosirene).
Os encontros produziram diferenças (Hermógenes).
Com os encontros estamos mais atentas/os, cientes da existência da formação-ritornelo
com o Cefapro/MT, mas há sempre um risco. Risco de sermos capturados pela formação-
modelo. Risco de nossa potência de agir ser minada. Risco da interpretação e da representação
falar mais alto, pois como nos ensinam Gilles Deleuze e Claire Parnet em seus Diálogos...
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Não é fácil ser um homem livre: fugir da peste, organizar encontros, aumentar a
potência de agir, afetar-se de alegria, multiplicar os afetos que exprimem ou
envolvem um máximo de afirmação. Fazer do corpo uma potência que não se reduz
ao organismo, fazer do pensamento uma potência que não se reduz à consciência
(DELEUZE; PARNET, 1998, p. 75).
O acontecimento da cartografia possibilitou-nos abrirmos conversa com nossos
processos formativos dentro/fora do Cefapro/MT, explorando também nossa potência de agir.
Os encontros ainda vivem em nós. Só precisamos embarcar neles. Experimentar com eles.
Querer o acontecimento, pois o que conta em um caminho, em uma linha, é sempre o meio.
Sempre estamos no meio de alguma coisa. Entre latitudes e longitudes. Porém há a
necessidade do parar, reparar e
(re)parar.
(Des)parar para não disparar. Necessidade de
encontrarmo-nos entre nossas velocidades e lentidões.
O desafio é permanecer no movimento. No meio. No encontro. Permanecer no
movimento-ritornelo. No ritmo do ritornelo. Na formação-ritornelo. Por isso experimentemos!
Experimentemos nos encontrar e encontrar algo.
Nós encontramos a poesia...
Entrar na Academia já entrei, mas ninguém me
explica por que essa torneira aberta neste silêncio
de noite parece poesia jorrando [...]
Manoel de Barros (2010).
Referências
BARROS, Manoel de. Poesia completa. São Paulo: Leya, 2010.
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. 2. ed. São Paulo:
Editora 34, 2012. v. 4.
DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Diálogos. São Paulo: Escuta, 1998.
EUGÉNIO, Fernanda; FIADEIRO, João. Jogo das perguntas: o modo operativo “and” e o viver juntos
sem ideias. In: PASSOS, Eduardo et al. (Org.). Pistas do método da cartografia: a experiência da
pesquisa e o plano comum. Porto Alegre: Sulina, 2014.
GIL, José. Ritornelo e imanência. In: LINS, Daniel Soares; GIL, José. (Org.). Nietzsche/Deleuze:
jogo e música. Rio de Janeiro: Forense Universitária/Fortaleza/CE: Fundação de Cultura, Esporte e
Turismo, 2008.
LINS, Daniel Soares. Deleuze: o surfista da imanência. In: LINS, Daniel Soares; GIL, José. (Org.).
Nietzsche/Deleuze: jogo e música. Rio de Janeiro: Forense Universitária. Fortaleza/CE: Fundação de
Cultura, Esporte e Turismo, 2008.
LINS, Daniel Soares. Mangue’s school ou por uma pedagogia rizomática. Educação & Sociedade,
Acesso em: 28 out. 2016.
ZOURABICHVILI, François. O vocabulário de Deleuze. Rio de Janeiro: Relume Dumará; Sinergia;
Ediouro, 2009.
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GOBATTO, Marcia Regina; CARVALHO, Daniela Franco. Improvisações formativas em encontros com
professoras/es-formadoras/es.
Marcia Regina Gobatto - Universidade Federal de Uberlândia.
Uberlândia
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Brasil.
Contato:
marciagobatto@hotmail.com
Daniela Franco Carvalho
- Universidade Federal de
Uberlândia. Uberlândia
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danielafcj@gmail.com
Artigo recebido em: 2 maio 2017 e
aprovado em:
2 jul. 2017.
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 19, n. 2, p. 437-454, ago. 2017.