DOI: http://dx.doi.org/10.22483/2177-5796.2017v19n1p181-196
A produção de subjetividades na escola: uma reflexão sobre o poder
disciplinar no contexto escolar
Sirley Lizott Tedeschi
Ruth Pavan
Resumo: Neste artigo, discutimos o poder disciplinar, com seus dispositivos de controle e normalização, presente
nos enunciados de professores/as e como esse poder subjetiva os/as alunos/as a partir dos ideais modernos
de uniformização e homogeneização. A análise é fruto de pesquisa realizada por meio de entrevista
semiestruturada com professores/as que atuam do sexto ao nono ano do Ensino Fundamental em uma
escola pública estadual. Para a análise dos enunciados dos/as professores/as, tomamos como referência os
estudos foucaultianos e mostramos como o poder dos dispositivos disciplinares, postos em ação no
currículo escolar, atua sobre os/as alunos/as. Os/As professores/as, capturados/as pelas formações
discursivas do poder disciplinar, recorrem à vigilância hierárquica, à sanção normalizadora e ao exame
como estratégias para produzir sujeitos com uma identidade única. Ao percebermos que o poder disciplinar
age no espaço escolar produzindo subjetividades normalizadas, podemos desnaturalizar a ideia de um
sujeito que preexiste às relações de poder e abrir espaços para a produção de múltiplas subjetividades.
Palavras-chave: Poder disciplinar. Escola. Currículo. Sujeito.
The production of subjectivities in school: a reflection on the disciplinary
power in the school context
Abstract: In this paper, we hold a discussion about the disciplinary power with its control and normalization devices
as seen in teachers' statements and how it subjectivates students in accordance with the modern ideals of
uniformization and homogenization. The analysis is the result of a research carried out by means of a semi-
structured interview with teachers who teach students from the sixth to the ninth grade of elementary
school in a state public school. For the analysis of teachers' statements, we have taken the Foucauldian
studies as a reference, showing how the power of the disciplinary devices put into action in the school
curriculum acts on the students. Teachers, beingcaptured by the discursive formations of disciplinary
power, resort to hierarchical vigilance, normalizing sanction and examination as strategies to produce
subjects with a unique identity. By showing that disciplinary power acts in the school space producing
normalized subjectivities, we can both denaturalize the idea of a subject that pre-exists the relations of
power and open spaces for the production of multiple subjectivities.
Keywords: Disciplinary power. School. Curriculum. Subject.
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TEDESCHI, Sirley Lizott; PAVAN, Ruth. A produção de subjetividades na escola: uma reflexão sobre o poder
disciplinar no contexto escolar.
Introdução
Estudos desenvolvidos no campo do currículo apontam o caráter produtivo das
instituições escolares. A intencionalidade dessas instituições e dos profissionais da educação é a
formação dos sujeitos. Por isso, a função da escola não se resume apenas a transmitir
conhecimentos, mas inclui, especificamente, formar pessoas, produzir formas específicas de
subjetividades. Dessa maneira, podemos dizer com Foucault
(1996) que a escola é uma
instituição onde a disciplina constitui o eixo central da formação dos sujeitos.
Ser sujeito escolar, neste caso, não significa ser um sujeito de qualquer modo; “o que um
indivíduo é ou não é, o que ele sabe e não sabe de si, é objeto de intervenções, tendentes à
constituição de um tipo específico de subjetividade” (KOHAN, 2003, p. 81). Na educação
escolar, muitas experiências vivenciadas pelos indivíduos que frequentam a escola são marcadas
por regras e procedimentos que incitam à docilidade, ao disciplinamento e à uniformização das
subjetividades. Esses processos desenvolvem-se com a participação dos/as professores/as, em
consonância com o currículo escolar e as práticas pedagógicas que são levados/as a adotar no
contexto escolar em que atuam.
Desse modo, neste artigo, analisamos enunciados obtidos por meio de entrevista
semiestruturada com professores que atuam do sexto ao nono ano do Ensino Fundamental em
uma escola pública estadual, com o intuito de mostrar como o poder disciplinar, com seus
dispositivos de controle e normalização, está presente nos/as professores/as e age no contexto
escolar controlando e normalizando as subjetividades dos/as alunos/as. Entendemos que os
discursos produzidos nesse espaço/tempo são práticas discursivas e não-discursivas permeadas
por relações de saber/poder. Ademais, cabe salientar que, ao analisarmos os enunciados dos/as
professores/as, não estamos supondo um sujeito como “causa, origem ou ponto de partida do
fenômeno da articulação escrita ou oral de uma frase” (FOUCAULT, 2005, p. 107), pois
entendemos que o sujeito é um efeito do discurso.
Por isso, não estamos afirmando que a ação desses/as professores/as na disseminação do
poder disciplinar na escola e na uniformização dos sujeitos seja dada de forma natural. Sabemos
que os dispositivos de controle e normalização presentes no contexto escolar não agem somente
sobre os alunos/as; agem também sobre os/as professores/as, capturando-os/as, controlando-os/as
e normalizando-os/as.
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Salientamos ainda que, ao privilegiarmos neste estudo o poder disciplinar nos processos
de subjetivação dos/as alunos/as, isso não significa que esse processo seja único na escola. Se,
como já dissemos, tanto a escola quanto os/as professores/as são um efeito do discurso
-
portanto, são instáveis, modificam-se -, podem produzir processos de subjetivação a partir de
outras relações de poder, a partir de outras configurações de força. Também queremos dizer que,
embora o foco deste estudo não seja demonstrar os movimentos de resistência - nem dos/as
professores/as, nem dos/as alunos/as
- ao poder disciplinar, esses movimentos também
acontecem na escola. Os pontos de fuga são sempre possíveis, pois, conforme Foucault (1996),
onde há poder, há resistência.
No que segue, e com base nos estudos foucaultianos, apresentamos como o sujeito
moderno se constitui mediante uma forma específica de poder - o poder disciplinar. Em seguida,
apresentamos como o poder disciplinar, com seus dispositivos de controle e normalização,
presente nos enunciados dos/as professores/as, age no contexto escolar contemporâneo na
tentativa de produzir sujeitos a partir dos ideais modernos de uniformização e homogeneização.
Essa análise permite-nos compreender que os processos de subjetivação dos/as alunos/as
acontecem em meio a relações de saber/poder envoltas em determinadas configurações de forças,
desnaturalizando a ideia de um sujeito que preexiste às formações discursivas e abrindo
possibilidades para pensar as subjetividades como múltiplas, e não únicas.
O sujeito, o poder e a disciplina: uma análise foucaultiana
Michel Foucault, pensador do século XX, empenhou-se em revirar a história a fim de
mostrar as crenças a respeito de nossa “origem” ocidental. Afirmando-se leitor de Nietzsche e
considerando-o um interlocutor de grande estima e um potencializador crítico das condições
pelas quais o homem ocidental foi se inventando e reinventando, nos fez renunciar ao conforto
das verdades únicas e de um suposto sujeito constituinte.
Por não construir um sistema filosófico, foi apontado como teórico da descontinuidade.
Sua filosofia, ao contrário de grande parte da tradição, não se propôs a formar uma teoria
sistemática. Como tentativa de sistematizar o que não pode ser sistematizado, muitos de seus/suas
intérpretes costumam destacar três momentos em seu pensamento - arqueologia do saber,
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genealogia do poder e genealogia da ética -, embora não seja concebível em Foucault pensar
esses três momentos - saber-poder-sujeito - separadamente.
Em O sujeito e o Poder, Foucault (2013) afirma que o que norteou sua trajetória filosófica
“não foi analisar o fenômeno do poder, nem elaborar os fundamentos de tal análise [...] ao
contrário, foi criar uma história dos diferentes modos pelos quais, em nossa cultura, os seres
humanos tornaram-se sujeitos” (p. 273). Ao elaborar a crítica à soberania concedida ao sujeito da
modernidade, Foucault foi levado a tematizar o saber e o poder, visto que concebe o sujeito como
produto de relações de saber/poder. Por isso, pensar o sujeito implica pensar o poder e o saber,
temas imbricados ao longo de toda a obra de Foucault.
Assim, podemos entender que a questão central no pensamento de Foucault sempre foi a
questão do sujeito - “ele, que foi apontado como ‘aquele que matou o sujeito’ esteve sempre
preocupado com esse fenômeno e com sua constituição” (GALLO, 2006, p. 178). Em As
palavras e as coisas, anuncia o desvanecimento do sujeito moderno enquanto uma forma
histórica de sujeito apresentada pela filosofia ocidental. Nas palavras de Foucault (2000a, p. 536),
O homem é uma invenção cuja recente data a arqueologia de nosso pensamento mostra
facilmente. E talvez o fim próximo. Se essas disposições viessem a desaparecer tal como
apareceram, se, por algum acontecimento de que podemos quando muito pressentir a
possibilidade, mas de que no momento não conhecemos ainda nem a forma nem a
promessa, se desvanecessem, como aconteceu, na curva do século XVIII, como o solo
do pensamento clássico - então se pode apostar que o homem se desvaneceria, como, na
orla do mar, um rosto de areia.
Ao fazer a crítica do conhecimento e da verdade sobre o homem, Foucault (2000a) critica
também o sujeito do conhecimento e posiciona-se contra as teorias que situam a verdade no
sujeito transcendental. Empenha-se em desfazer-se desse sujeito que “desde sua emergência atp
seu iminente desaparecimento [...] tem um estatuto ambíguo, ao mesmo tempo objetivado no
conteúdo positivo do saber e elevado a sujeito de fundamentação dos conhecimentos”
(CANDIOTTO, 2010, p. 59). A filosofia moderna, ao atribuir ao sujeito uma verdade - na
condição de objeto de conhecimento e/ou de sujeito de conhecimento -, esquece que o sujeito é
constituído na empiricidade do mundo, que é na dispersão entre os saberes empíricos que o
sujeito vive e atribui sentido aos acontecimentos.
Foucault (2000b) propõe desconstruir a ideia de um sujeito constituinte, mostrando como
este se constitui na trama da história. Por meio de uma genealogia, o autor pretende apresentar
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uma forma de história “que dê conta da constituição dos saberes, dos discursos, dos domínios de
objeto, etc., sem ter que se referir a um sujeito, seja ele transcendente com relação ao campo de
acontecimentos, seja perseguindo sua identidade vazia ao longo da história” (p. 7). Foucault é um
teórico que rompe com a concepção moderna e iluminista de sujeito, provocando um
descentramento da identidade e do sujeito moderno. Abandonando a ideia de um "sujeito desde
sempre aí", procura explicar de que maneira esse sujeito é constituído. Procede à sua investigação
analisando as diversas instituições modernas, não para traçar uma história das construções
sociais, mas na busca da ação destas sobre os homens desse período.
Foucault (1996) analisa as diversas instituições, com seus saberes e poderes, e como elas
produziram o “homem moderno”. Mediante essa análise, o autor sugere que a constituição do
sujeito moderno se dá via um tipo específico de poder, alicerçado nas instituições da
modernidade: o poder disciplinar. Para ele, o poder disciplinar “é um poder que, em vez de se
apropriar e de retirar, tem como função maior 'adestrar'; ou sem dúvida adestrar para retirar e se apropriar
ainda mais e melhor” (FOUCAULT, 1996, p. 153). A disciplina fabrica indivíduos, pois se constitui em
uma técnica que toma os indivíduos tanto como objetos quanto como instrumento de seu exercício. Ou
seja, o poder disciplinar “não é um poder triunfante que, a partir de seu próprio excesso, pode-se fiar em
seu superpoderio; é um poder modesto, desconfiado, que funciona a modo de uma economia calculada,
mas permanente” (FOUCAULT, 1996, p. 153).
O poder disciplinar, referido por Foucault, desenvolve-se nos séculos XVII e XVIII na
Europa e foi aplicado primeiramente em instituições específicas - como conventos e exércitos -,
então se espalhando na sociedade como um todo com o propósito de disciplinar os sujeitos.
Conforme Ratto (2007), o que p específico do poder disciplinar “p debruçar-se sobre os corpos
individuais em uma perspectiva microscópica, detalhista, abordando-os nos detalhes, de modo
extensivo, intermitente, cotidiano” (p. 116), com o objetivo de fabricar “corpos submissos e
exercitados, corpos dóceis”
(FOUCAULT, 1996, p. 127). Corpos exercitados e dóceis são
aqueles que podem ser utilizados, transformados, aperfeiçoados a fim de tornarem-se úteis a
valores econômicos ligados à eficiência e à rentabilidade - ou ainda, são corpos fabricados para
atender às demandas postas pela modernidade. Isso é possível por meio de determinados
mecanismos que funcionam de forma articulada nas mais diversas instituições - vigilância
hierárquica, sanção normalizadora e exame.
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A vigilância hierárquica possibilita ao poder disciplinar um olhar extensivo sobre todos os
que estão no seu domínio. As hierarquias inferiores são observadas pelos seus superiores diretos e
assim sucessivamente, culminando na hierarquia máxima, cujo interesse é conhecer e controlar
tudo e todos. De acordo com Foucault (1996, p. 158), por meio da vigilância hierárquica, o poder
disciplinar torna-se um sistema integrado:
Organiza-se assim como um poder múltiplo, automático e anônimo; pois se é verdade
que a vigilância repousa sobre indivíduos, seu funcionamento é de uma rede de relações
[...]; essa rede sustenta o conjunto e o perpassa de efeitos de poder que se apoiam uns
sobre os outros: fiscais perpetuamente fiscalizados. O poder na vigilância hierarquizada
das disciplinas não se detém como uma coisa, não se transfere como uma propriedade;
funciona como uma máquina. E se é verdade que sua organização piramidal lhe dá um
chefe, é o aparelho inteiro que produz poder e distribui os indivíduos nesse campo
permanente e contínuo.
Todo esse processo é concretizado organizando as disposições espaciais e os projetos
arquitetônicos de tal forma que o olhar disciplinar tudo possa ver e, ao mesmo tempo, não possa
ser visto. O panóptico, projeto arquitetônico descrito por Jeremy Bentham no século XVIII,
representa bem esse mecanismo de vigilância - faz com que “a vigilkncia seja permanente em
seus efeitos, mesmo se p descontínua em sua ação” (FOUCAULT, 1996, p. 178). Ou seja, o que
importa é que as pessoas que estão sendo vigiadas jamais tenham a certeza da vigilância - pensar
que poderiam estar sendo vigiadas é suficiente para manter a disciplina.
Os efeitos do panóptico são visíveis e expressos por Foucault da seguinte forma: como
“um olhar que vigia e que cada um, sentindo-o pesar sobre si, acabará por interiorizar, a ponto de
observar a si mesmo; sendo assim, cada um exercerá esta vigilkncia sobre e contra si mesmo”
(FOUCAULT, 2000b, p. 218). O panóptico representa uma forma de exercer o poder que garante
que os sujeitos se mantenham espontaneamente subordinados ao poder que age sobre eles.
A sanção normalizadora, outro mecanismo do poder disciplinar, é uma forma específica
de punição de comportamentos e atitudes também específicos. Tudo o que não é controlado e
punido pelos grandes sistemas de punição, cabe à sanção normalizadora vigiar para conhecer e
controlar as ações, as condutas e os comportamentos de forma sutil e detalhada. As atitudes e
comportamentos a que nos referimos são
“a forma de utilização do tempo, a forma de
pronunciamento de discurso, a forma de usar o corpo e a sexualidade, a maneira de se expressar e
manifestar [...] as desatenções, a imodpstia, a indecência” (FONSECA, 2011, p. 58), ou todos os
gestos, comportamentos, atitudes, valores que não estão de acordo com a instância que vigia.
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A normalização age sobre as condutas desviantes, fazendo-as adequar-se aos valores
convencionados. Esse agir sobre condutas particulares “permite enquadrar as especificidades e
diferenças no sistema operacional da disciplina, ou seja, permite normalizar” (FONSECA, 2011,
p. 60), homogeneizar.
O exame também é um instrumento do poder disciplinar; por meio dele, o indivíduo é
constituído enquanto objeto documentado. Instituições modernas, como hospitais, escolas e
prisões, constituem o indivíduo como objeto descritível e analisável. Cada indivíduo torna-se um
caso. O caso, diz Foucault (1996), não é mais, como na casuística ou na jurisprudência, um
conjunto de acontecimentos que qualificam uma ação e podem modificar a aplicação de uma
regra; “p o indivíduo tal como pode ser descrito, mensurado, medido, comparado a outros e isso
em sua própria individualidade; e é também o indivíduo que tem que ser treinado ou retreinado,
tem que ser qualificado, normalizado, excluído” (p. 170).
As constantes inspeções realizadas nas instituições disciplinares - provas, interrogatórios
- transformam o corpo em objeto a ser descrito em prontuários, anotações e relatórios. Os
indivíduos são identificados e diferenciados a partir das anotações que constam nos registros
sobre suas singularidades, capacidades, aptidões e desenvolvimento individual. As análises
foucaultianas das prisões, dos hospitais, dos hospícios, das escolas, mostram como o condenado,
o doente, o louco, a criança, eram objetos de descrição e análise. Esse procedimento possibilita o
controle e o domínio de cada individualidade mediante um processo constante de objetivação e
sujeição.
Nessa perspectiva, podemos dizer que as estratégias de constituição do sujeito, na
sociedade moderna, estão diretamente ligadas ao poder disciplinar, que age por intermédio das
diversas instituições sociais. A disciplinarização da sociedade1 tem como efeito maior produzir
individualidades que atendam aos propósitos de “uma acumulação e uma gestão ~til dos homens;
produzir o indivíduo comum [...] produzir um indivíduo que permita a extração de algo de todas
as suas atividades e de seus momentos; produzir, enfim, indivíduos dóceis e ~teis” (FONSECA,
2011, p. 79).
1 A sociedade disciplinar, de acordo com Fonseca (2011), é obtida quando as instituições sociais - como escolas,
prisões e hospitais, entre outras
- são investidas pelas técnicas disciplinares. Essas instituições, embora se
diferenciem pela gradação de poder e investimento disciplinar que realizam sobre todos aqueles a que elas se
vinculam, possuem em comum a utilização da disciplina para a gestão útil dos homens.
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Por isso, o poder disciplinar
- por meio da vigilância hierárquica, da sanção
normalizadora e do exame - caracteriza-se menos pelo seu poder inibidor e mais pelo seu efeito
produtivo. De acordo com Foucault (1996), não podemos descrever sempre os efeitos do poder
de forma negativa - poder que exclui, reprime, recalca, censura, abstrai, mascara, esconde.
“Na
verdade, o poder produz; ele produz realidade; produz campos de objetos e rituais da verdade. O
indivíduo e o conhecimento que dele se pode ter se originam nessa produção” (FOUCAULT,
1996, p. 172). Daí, podemos afirmar que o principal efeito desses poderes seja a produção de um
tipo de indivíduo: o indivíduo moderno2.
Tais considerações indicam que a compreensão do poder em Foucault se afasta das
concepções tradicionais de poder - a “hipótese repressiva do poder” ou sua representação
jurídico-discursiva -, em que o poder é uma instância unificada na figura do Estado e age de
forma vertical, reprimindo por meio da lei. Com base em Foucault, Kohan (2003, p. 71) diz que
essas análises do poder trazem inúmeros problemas, pois:
Por um lado, supõem um sujeito originário, idêntico e absoluto como fundamento de sua
análise; por outro lado, não percebem como as condições econômicas e políticas não são
um véu para o sujeito, mas aquilo por meio do qual ele se constitui; além do mais,
colocam alguns sujeitos dentro do poder e outros fora, como se tais dicotomia e
exterioridade fossem possíveis; por último, elas não conseguem perceber a força
produtiva, afirmativa, do poder.
As relações de poder, para Foucault (1996), não estão na base das relações legais, mas no
plano das disciplinas e de seus efeitos de normalização e moralização. Isso implica considerar
não a “impotência ou inoperkncia do poder soberano, mas sim a maior eficácia de um conjunto de
poderes que, em vez de negar e reprimir, atuavam discretamente na produção de realidades [...]
por meio de processos disciplinares e normalizadores” (DUARTE, 2008, p. 47).
Por isso, para Foucault, o sujeito não é dado a priori, nem é livre e autônomo - como
apresentado pela filosofia moderna
-, mas é sempre pensado como efeito de múltiplas e
horizontais relações de poder/saber que o caracterizam como assujeitado e disciplinado. Então, é
2 Tanto o termo indivíduo quanto o termo sujeito aparecem nas obras de Foucault; por isso, cabe um breve
esclarecimento sobre esses conceitos. Fonseca (2011) destaca que a constituição do indivíduo se dá via processos
de objetivação e subjetivação, sendo que os primeiros o constituem enquanto objeto dócil e útil e os segundos,
enquanto um sujeito. Ou seja, o termo sujeito designa o indivíduo preso a uma identidade que reconhece como sua,
constituída por processos de subjetivação. Os processos de subjetivação, justapostos aos processos de objetivação,
mostram por completo a identidade do indivíduo moderno, isto é, objeto dócil e útil e sujeito.
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pertinente perguntar pelas relações de poder/saber em que estamos envolvidos e que nos
constituem, pois, se não somos dados a priori, é sempre possível construir outras relações de
poder/saber e nos produzirmos de outra forma.
Por esse motivo, depois de ter apresentado em Vigiar e Punir como se fabrica o indivíduo
moderno - efeito e instrumento de relações de poder e dispositivos de normalização -, Foucault
adverte-nos que “temos que ouvir o ronco surdo da batalha” (FOUCAULT, 1996, p. 269), o que
leva a pensar que, mesmo numa sociedade normalizadora, a resistência a práticas disciplinares é
sempre possível. Para dizer de outra forma, o exercício do poder pressupõe sempre práticas de
liberdade no âmbito mesmo das relações de poder do momento presente, e é sempre possível
inventar outras práticas que possibilitem a constituição de outras subjetividades, de outros
sujeitos; é sempre possível pensar a vida além dos dispositivos de disciplinamento.
O poder disciplinar e a constituição dos sujeitos no espaço escolar
Uma vez que o sujeito é sempre produzido em determinado tempo e contexto - pois,
conforme Foucault (2013), como já destacamos, não existe um sujeito transcendental, uma
subjetividade com valores universais válidos para qualquer tempo e lugar -, coloca-se como
pertinente uma análise sobre o espaço escolar, suas relações de poder/saber e a implicação na
constituição das subjetividades dos/as alunos/as.
A análise que desenvolvemos a partir dos enunciados de professores/as que atuam do
sexto ao nono ano do Ensino Fundamental em uma escola pública estadual mostra que o poder
disciplinar - entendido por Foucault (2000b) como produtivo, e não apenas repressivo - age no
contexto escolar e na constituição das subjetividades por meio de uma série de dispositivos de
controle e normalização. O dispositivo, diz Foucault (2000b, p. 244), é formado por:
[...] um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições,
organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas,
enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e
o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode
estabelecer entre esses elementos.
A ação desses dispositivos na fabricação de sujeitos é contínua e muito sutil, às vezes,
quase imperceptível (mas presente) tanto nos documentos e nas leis que regulamentam as
instituições escolares, quanto nas práticas pedagógicas. Conforme Louro (2004), nossa atenção
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deve voltar-se especialmente para as práticas pedagógicas cotidianas em que todos os sujeitos são
envolvidos. “São, pois, as práticas rotineiras e comuns, os gestos e as palavras banalizados que
precisam se tornar alvo de atenção renovada, de questionamento, e em especial de desconfiança”
(LOURO, 2004, p. 63). A autora chama atenção para a necessidade de questionamento dos
discursos e práticas que são tomados como naturais.
Para a professora Fátima3, como todo sujeito, envolvida em formações discursivas do
poder disciplinar, parece ser natural que haja uma hierarquia de poderes dentro da instituição
escolar, que decide, vigia e controla as ações e comportamentos. A vigilância hierárquica é, para
a professora Fátima, um mecanismo de disciplinamento necessário no espaço escolar.
Eu sempre falo, dentro da sala, eu mando; quando chego na quadra, eu também mando, mas, se o
coordenador chegar, pode ficar sabendo que a autoridade vai ser dele; quando chegar a diretora, a
autoridade é ela, e quando chegar sua mãe, só manda aqui dentro depois que a gente mandar, porque aqui
dentro quem manda somos nós (Professora Fátima).
Foucault (2000b) diz que “a disciplina exerce seu controle, não sobre o resultado de uma
ação, mas sobre seu desenvolvimento” (p. 106), pois o que interessa ao poder disciplinar não é o
produto das ações, mas o quanto pode interferir no processo para garantir que o resultado
coincida com seus objetivos. Por isso, a vigilância precisa ser contínua - já que envolve todo o
processo de desenvolvimento das ações - e a sequência de observações precisa culminar no poder
hierárquico maior, cujo interesse é conhecer e controlar todos os que estão sendo observados.
Esse procedimento de vigilância é discreto e eficiente, não necessita de um lugar específico para
vigiar. O controle acontece nos lugares ocupados pelos próprios indivíduos - sala de aula, quadra
de esportes -, lugares lembrados na fala da professora Fátima.
Assim como a vigilância hierárquica é um mecanismo, um dispositivo que produz efeitos
de controle sobre todos aqueles que estão sendo vigiados, também o é a organização espacial dos
indivíduos. Conforme a professora Maria:
O que me incomoda é em relação à disciplina deles, porque assim, nunca me disseram que eu deveria
manter eles em silêncio, todos sentados, todos muito bem organizados, mas eu compreendo assim por
observar as outras salas, que eles precisam estar no mapa da sala, todos sentados, em silêncio, e aí eu acho
isso muito inibidor, só que, se não for assim, eles são muitos, aí vira uma festa, uma bagunça, eles perdem
a concentração (Professora Maria).
3 Atribuímos nomes fictícios aos professores/as que participaram desta pesquisa.
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disciplinar no contexto escolar.
A professora Maria, há pouco tempo na escola, sente-se incomodada com a rotina
rigorosa de disciplina imposta aos/às alunos/as e constrange-se em ter que adotar essas práticas
pedagógicas. Contudo, sente-se pressionada a agir dessa forma, já que percebe ser esse o agir
dos/as outros/as professores/as e também ser esse o funcionamento da escola. A esse respeito,
Vieira, Hypólito e Duarte
(2009) dizem que os dispositivos postos em ação para
regular/normalizar a prática pedagógica dos/as professores/as “estabelecem controles cada vez
mais rígidos sobre os processos de trabalho docente, na garantia de que o novo integrante do
grupo não destoe das formas de trabalho ali consagradas pela tradição”
(p.
227). Esses
dispositivos sinalizam quais práticas pedagógicas são desejáveis e quais os riscos de romper com
esses mecanismos de poder instalados no contexto escolar.
Pressionada por esses dispositivos, a professora Maria, embora perceba um efeito inibidor
nas práticas de disciplinamento dos/as alunos/as, afirma a necessidade de todos/as eles/elas
estarem no “mapa da sala” para que a concentração e a aprendizagem sejam possíveis. Afinal, a
forma como a escola está organizada exige a normalização de todos os sujeitos que a frequentam,
assim como de todas as práticas pedagógicas, para que os processos e resultados sejam
uniformes.
Nesse sentido, não basta organizar os indivíduos no espaço. Essa organização precisa ser
rentável para os interesses institucionais, o que, no caso da escola, é a produção de determinados
sujeitos mediante a aprendizagem de determinados conteúdos, valores, comportamentos. Assim
também ocorre com outras instituições, como diz Foucault (2000b) ao referir-se aos hospitais do
spculo XVIII: “a formação de uma medicina hospitalar deve-se, por um lado, à disciplinarização
do espaço hospitalar, e por outro, à transformação, nesta ppoca, do saber e da prática mpdicas” (p.
107). Ou seja, a disciplinarização do espaço hospitalar tinha em vista um aperfeiçoamento das
práticas médicas, assim como a disciplinarização do espaço escolar tem em vista a produção de
determinados sujeitos.
Foucault
(2000b) diz que “a disciplina p, antes de tudo, a análise do espaço, é a
individualização pelo espaço, a inserção dos corpos em um espaço individualizado,
classificatório, combinatório”
(p.
106). Mediante uma espécie de arte de distribuição dos
indivíduos - marcada pela precisão das posições -, o que se objetiva é analisar, conhecer,
controlar para utilizar esses mesmos indivíduos. Por isso, segundo Fonseca (2011), nada seria
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TEDESCHI, Sirley Lizott; PAVAN, Ruth. A produção de subjetividades na escola: uma reflexão sobre o poder
disciplinar no contexto escolar.
mais incompatível com a economia da disciplina que “a distribuição aleatória dos indivíduos no
espaço ou, melhor ainda, a desatenção para com o problema do espaço” (p. 63).
A partir do controle do espaço, abrem-se possibilidades para o poder disciplinar constituir
“quadros vivos que transformam as multidões confusas, in~teis ou perigosas em multiplicidades
organizadas” (FOUCAULT, 1996, p. 135). Com isso, queremos dizer que, ordenado o espaço
disciplinar, o controle sobre os corpos e sobre toda atividade é mais eficiente. Nas palavras do
professor Paulo:
[...] se não tiver disciplina, não tem como trabalhar, então, eu tenho uma planilha com todo o controle que
acontece na minha aula, o nome deles aqui, e tem vinte quadradinhos do lado do nome de cada um, são os
vinte quadradinhos de disciplina que eles têm, cada ponto de disciplina vale meio ponto. Então, toda vez
que eu tenho que chamar atenção do aluno, eu anoto aqui, por que eu chamei atenção, tem essas
nomenclaturas, porque se foi por conversa, chiclete, boné. Uma coisa que eu brigo com os professores, eu
acho que tem que ser cobrado - ah não tem nada a ver boné, chiclete -, mas, se você não corta, se você não
disciplina desde o básico, eles vão abrindo as asinhas. Então, os meus, por exemplo, eles sabem que nem
isso eles podem fazer. Então, eles não abrem muito a asa. Então, eu vou anotando aqui, porque quando o
pai vem perguntar eu sei, é de esquecer dicionário, mascou chiclete, não está fazendo atividade em sala de
aula. Eles vão perdendo os pontos da disciplina deles, e é uma nota de zero a dez, obrigatória; as outras
duas [são de] prova semestral e bimestral, em que geralmente eles vão mal. Então, primeiro, o controle, é
isso. Ah, também para controlar saída de ida e vinda de banheiro, eu dou passes para eles; cada bimestre,
eu dou três passes para eles. Se eles querem sair da minha sala, seja qual motivo for, eles gastam um passe
deles, tem três, só que para cada um deles que não gastar, eu dou meio ponto no final do bimestre. Assim,
eu consigo segurar meus alunos na sala de aula. Então, esse é o procedimento básico que eu tenho para
segurar a gurizada na carteira e para poder dar a aula sem ninguém fazer bagunça (Professor Paulo).
Percebemos como o enunciado do professor Paulo é marcado pelos dispositivos do poder
disciplinar que atuam na instituição escolar - e, de modo geral, na sociedade - e como controlam,
normalizam e subjetivam os/as alunos/as. Como efeito desses dispositivos, o professor Paulo
ordena o espaço disciplinar - sala de aula - para facilitar o controle sobre cada um/a dos/as
alunos/as na sua singularidade. Utilizando uma planilha, procede com o registro contínuo de cada
aluno/a, operando de forma individual e detalhada, assim transformando cada aluno/a em um
caso específico. Utilizando as anotações da planilha, mais as provas ou exames, produz todo um
arquivo com detalhes minuciosos sobre todo e qualquer movimento, resultando em efeitos de
saber/poder sobre cada um/a na sua singularidade.
Essa técnica do exame, do registro documentado sobre cada indivíduo, é entendida por
Foucault (1996) como uma tpcnica “que coloca os indivíduos num campo de vigilkncia e situa-os
igualmente numa rede de anotações escritas; compromete-os em toda uma quantidade de
documentos que os captam e os fixam” (p. 168). Mediante essa técnica, o poder disciplinar
normaliza o/a aluno/a, qualificando, classificando e castigando.
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disciplinar no contexto escolar.
Castigam-se os detalhes mais insignificantes, como os que aparecem na fala do professor
Paulo - “conversa, mascar chiclete, uso de bonp, ida ao banheiro”; castiga-se a não-obediência ao
tempo (atrasos, ausências), também expressa pelo professor Paulo ao dizer que “tem um aluno lá,
mas esse menino também nunca vem na aula, chega muito tarde, sai mais cedo, os pais são
coniventes”; castigam-se as falas, os ditos (conversas inapropriadas), como afirma a professora
Isabel:
“a questão da conversa mesmo, do desinteresse, de outros assuntos serem mais
importantes que o estudo mesmo, do momento de registrar, de prestar atenção”; castigam-se os
corpos (higiene), como destacado pelo professor Paulo ao dizer: “aí eu percebi que a menina tem
odor forte, não tem uma higienização bacana, então, faz com que as crianças não queiram”;
castiga-se a maneira de ser (falta de gentileza) porque, segundo a professora Verônica, tem
alunos/as “que vêm com uma bagagem de casa e js vezes eles não têm o mínimo, que p
educação, dá licença, por favor, sabe, uma educação mais para a gentileza”. Ou seja, castiga-se
tudo o que é considerado desvio, tudo o que não se submete à regra, tudo o que foge à norma
estabelecida pelo poder que disciplina, objetivando-se com isso normalizar, hierarquizar,
comparar, diferenciar, homogeneizar, excluir - criar, enfim, sujeitos homogêneos que vivam
como sujeitos “normais”.
A vigilância permanente, o controle de todas as atividades desenvolvidas pelo/a aluno/a,
assim como as sanções ou castigos aplicados a cada comportamento desviante que ainda persiste
na escola, são tentativas de fazer os/as alunos/as obedecerem às regras. Trata-se de produzir
um/a aluno/a disciplinado/a que aprenda a autogovernar-se a ponto de constituir-se como sujeito
idealizado pela educação. Por isso, Veiga-Neto (2003, p. 108) diz que:
[...] bem antes de funcionar como um aparelho de ensinar conteúdos e de promover a
reprodução social, a escola moderna funcionou - e continua funcionando - como uma
grande fábrica que fabricou - e continua fabricando - novas formas de vida. Na medida
em que a educação nos molda, precoce e amplamente, passamos a ver como naturais os
moldes que ela impõe a todos nós.
A escola, na contemporaneidade, envolvida nas formações discursivas do poder
disciplinar, ainda se empenha em processos de normalização “cujo desígnio passa a ser a
conformação consensual das populações escolares, abarcando tanto a multiplicidade quanto a
singularidade que lhe são características”
(AQUINO, 2014, p. 109). Como efeito dessas
formações discursivas, os/as professores/as pensam os processos educacionais a partir de
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disciplinar no contexto escolar.
mecanismos de normalização e homogeneização, subalternizando e excluindo todos aqueles que
não se submetem ao poder da norma. Ou ainda, as práticas pedagógicas que os/as professores/as
são levados a adotar - pela força dos dispositivos disciplinares - fazem com que a diferença seja
posta nos espaços marginais, fazem com que a potência da diferença seja silenciada e
invisibilizada em nome de uma uniformidade e homogeneidade.
Salientamos que, embora a escola, os/as professores/as e os/as alunos/as sejam
marcados/as pelos dispositivos de normalização do poder disciplinar, existe sempre a
possibilidade de desestabilização, pois a recusa das posições particulares de sujeitos sempre é
possível, mesmo quando o que se percebe é um comportamento de obediência às normas. É
sempre possível nos envolvermos em práticas de liberdade entendidas como
“nossa real
capacidade de mudar as práticas em que somos constituídos” (VEIGA-NETO, 2003, p. 32) e nos
constituirmos de outra forma. Isso mostra o poder de transformação dos sujeitos, seu caráter
mutável, sua dimensão temporal e transformadora.
Algumas considerações
A análise que realizamos aponta, por um lado, como os dispositivos de controle e
normalização do poder disciplinar, postos em ação no currículo escolar, atuam sobre os/as
alunos/as, na tentativa de produzir subjetividades disciplinadas. Por outro lado, também mostra
como os/as professores/as são capturados/as pelas formações discursivas do poder disciplinar.
Enquanto efeito dessas formações discursivas, os/as professores/as recorrem a estratégias de
disciplinamento dos/as alunos/as na tentativa de produzir subjetividades fixas e estáveis e de
acordo com os cânones da modernidade. A disciplina, nesse contexto, parece ser uma estratégia
de fundamental importância na normalização e homogeneização das subjetividades.
Também destacamos que esses processos não acontecem de forma natural e tranquila; a
inconformidade de alguns/algumas professores/as diante dos dispositivos disciplinares aponta
para movimentos de resistência. Embora esses movimentos ainda sejam individuais e isolados,
fazem-nos ver o espaço escolar como um lugar de permanente tensão, tensão que permite que as
atuais relações de poder/saber e configurações de forças que se colocam como hegemônicas
sejam recriadas, transformadas, possibilitando o devir escola, o devir professor/a, o devir de
subjetividades.
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TEDESCHI, Sirley Lizott; PAVAN, Ruth. A produção de subjetividades na escola: uma reflexão sobre o poder
disciplinar no contexto escolar.
Por isso, as práticas disciplinares que persistem no contexto escolar e nos enunciados
dos/as professores/as não dizem sobre o que a escola é e o que os/as professores/as são, mas sim
sobre o que a escola faz e os/as professores/as fazem, pois, se os seres humanos “acabaram por se
conhecer como sujeitos, com um desejo de ser, com uma predisposição ao ser, isso não surge [...]
de algum desejo ontológico, sendo em vez disso, resultante de uma certa história e de suas
invenções” (ROSE, 2001, p. 145). Ou seja, a escola, os/as professores/as, são um efeito do
discurso; por isso, não são estáveis, modificam-se, transformam-se, movimentam-se. Desse
modo, é sempre possível a produção de subjetividades que subvertam o poder da norma.
Referências
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NETO, Alfredo. Figuras de Foucault. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. p. 45-55.
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Sirley Lizott Tedeschi - Universidade Estadual de Mato Grosso do
Sul. Dourados | MS | Brasil. Contato: tedeschils@gmail.com
Ruth Pavan - Universidade Católica Dom Bosco - UCDB. Campo
Grande | MS | Brasil. Contato: ruth@ucdb.br
Artigo recebido em: 23 fev. 2017 e
aprovado em: 10 mar. 2017.
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 19, n. 1, p. 181-196, abr. 2017.