Artigo
Concepções acerca da formação docente em química: desafios e possibilidades
Conceptions about teacher formation in chemistry challenges and possibilities
Concepciones acerca de la formación docente en química: desafíos y posibilidades
Lairton Tres - Universidade de Passo Fundo | Instituto de Ciências Exatas e Geociências | Passo Fundo | RS | Brasil.
E-mail: lairton@upf.br
José Claudio Del Pino - Universidade Federal do Rio Grande do Sul | Departamento de Bioquímica |
Porto Alegre | RS | Brasil. E-mail: delpinojc@yahoo.com.br
Resumo: A formação docente traz à tona inúmeros desafios para serem enfrentados num curso de formação universitária, e dentre
eles está a constante tensão entre teoria e prática. Este trabalho tem como base as reformulações curriculares de um
curso de Química Licenciatura de uma universidade comunitária do Rio Grande do Sul tendo como objetivo explorar
as concepções estabelecidas pelos professores formadores, evidenciando desafios e possibilidades à formação docente.
A pesquisa foi realizada com os professores envolvidos na reformulação curricular, que responderam a um
questionário estruturado. O processo de análise foi realizado por meio da Análise Textual Discursiva. Os resultados são
apresentados por figuras que contém as categorias que surgiram relacionando-as com as principais ideias emergentes.
Entre esses, destacam-se a importância de desenvolver uma prática reflexiva ao longo da formação docente, ter
disciplinas capazes de aliar saberes técnicos aos práticos e a necessidade do professor formador estar envolvido num
processo de formação contínua.
Palavras-chave: Educação química. Formação docente. Racionalidade prática.
Abstract: The teacher formation brings up innumerable challenges to be faced in a university formation course, among them is the
constant tension between theory and practice. This work is based on the curricular reformulations of a course
Chemistry Licenciature of a community university of Rio Grande do Sul aiming to explore the established conceptions
by teacher trainers, highlighting the challenges and possibilities on teacher education. The research was carried out
with the teachers involved in the curricular reformulation, who answered a structured questionnaire. The process of
analysis was conduced of the Discursive Textual Analysis. The results are presented by figures that contain the
categories that have emerged relating them to the main emerging ideas. Among these highlight the importance to
develop a reflective practice throughout teacher formation, have disciplines capable of allying technical knowledge to
practice and the need of the teacher to be involved in a process of continuous formation.
Keywords: Chemical education. Teacher formation. Practical rationality.
Resumen: La formación docente revela inúmeros desafíos a enfrentarse en un curso de formación universitaria, entre ellos está la
constante tensión entre teoría y práctica. Este trabajo tiene como base las reformulaciones curriculares de un curso de
Química Licenciatura de una universidad comunitaria de Rio Grande do Sul teniendo como objetivo explorar las
concepciones establecidas por los profesores formadores, evidenciando desafíos y posibilidades a la formación
docente. La investigación fue realizada con los profesores involucrados en la reformulación curricular, que han
contestado a un cuestionario estructurado. El proceso de análisis fue realizado por medio del Análisis Textual
Discursivo. Los resultados se presentan por figuras que contienen las categorías que han surgido relacionándolas con
las principales ideas emergentes. Entre esos, se destacan la importancia de desarrollar una práctica reflexiva a lo largo
de la formación docente, tener asignaturas capaces de aliar saberes técnicos a los prácticos y la necesidad de que el
profesor formador esté involucrado en un proceso de formación continua.
Palabras clave: Educación química. Formación docente. Racionalidad práctica.
• Recebido em 4 de outubro de 2017 • Aprovado em 27 de maio de 2018 • e-ISSN: 2177-5796
DOI: http://dx.doi.org/10.22483/2177-5796.2019v21n1p243-261
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TRES, Lairton; DEL PINO, José Claudio. Concepções acerca da formação docente em química: desafios e possibilidades.
1 Considerações iniciais
Na atualidade, a formação docente impõe muitos desafios a professores formadores, num
sentido de possibilitar, cada vez mais, que os acadêmicos possam se inteirar e entender o que a
realidade profissional vai lhes proporcionar. Com isso, é necessário que, durante a formação, os
estudantes consigam perceber a integração entre os conhecimentos debatidos na universidade e a
realidade da escola, seu futuro campo de atuação profissional.
Nesse sentido, o curso de Química Licenciatura de uma universidade comunitária do Rio
Grande do Sul procurou adequar, com base em reformulações curriculares estabelecidas nos anos
de 2002 (UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO, 2002) e 2008 (UNIVERSIDADE DE PASSO
FUNDO, 2008), a formação docente ao contexto exigido pelas legislações propostas pelo MEC
(BRASIL, 2001), às exigências institucionais e, também, em acordo com as perspectivas
oriundas do debate profissional, a partir de diálogos estabelecidos no Núcleo de Educação
Química (NEQ) da instituição, visando à evolução do curso com o intuito de formar um
profissional autônomo, crítico e pesquisador de sua práxis (DEL PINO; LAUXEN, 2016).
Com base nos pressupostos político-pedagógicos orientadores do MEC e que foram
assumidos para a consolidação da formação de um novo educador químico, muitos desafios e
possibilidades surgiram como necessidade para se colocar em prática as concepções acerca da
formação pedagógica em Química. Por meio de uma entrevista estruturada realizada com os
professores diretamente envolvidos nas reformulações curriculares do curso de Química
Licenciatura (comissões das reformulações de 2002 e de 2008), buscou-se entender quais foram
as concepções que se configuraram nesse processo, procurando perceber os fatores que foram
balizadores para a construção de um novo currículo para a formação docente em Química.
Tendo por base metodológica a Análise Textual Discursiva (MORAES; GALIAZZI,
2013), as respostas das entrevistas foram analisadas como forma de entendimento das propostas
estabelecidas, a fim de compor os parâmetros e as possibilidades atribuídos para a formação
docente em Química. Com base nisso, este trabalho se fundamenta buscando as contribuições
desta pesquisa para o estudo de doutoramento que pretende analisar, criticamente, a reformulação
curricular estabelecida num curso de licenciatura em Química de uma universidade comunitária
do Rio Grande do Sul, bem como as consequências relacionadas ao processo de ensino-
aprendizagem em Química.
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1.1 O caminho metodológico
Para realizar a análise dos resultados desta investigação, optou-se pela metodologia da
Análise Textual Discursiva (ATD) que, de acordo com Moraes e Galiazzi (2013), é
[...] uma metodologia de análise de dados e informações de natureza qualitativa com a
finalidade de produzir novas compreensões sobre os fenômenos e discursos. Insere-se
entre os extremos da análise de conteúdo tradicional e a análise de discurso,
representando um movimento interpretativo de caráter hermenêutico (p. 7).
Neste estudo, é fundamental a compreensão da metodologia utilizada e, para isso, é
necessário o entendimento das metodologias de análise: Análise de Conteúdo (AC), Análise de
Discurso (AD) e Análise Textual Discursiva (ATD). Para facilitar a compreensão, neste caso,
uma analogia pode ser estabelecida: como se fosse um exercício de se movimentar num rio onde
a AC “assemelha-se ao deslocar-se rio abaixo, a favor da correnteza [...] a AD corresponde a
mover-se rio acima, contra o movimento da água. A ATD pode tanto inserir-se num como no
outro desses movimentos” (MORAES; GALIAZZI, 2013, p. 142). Com isso, entende-se que a
AC procura fazer a descrição dos fatos seguida de interpretação, movendo-se a favor da
correnteza e, eventualmente, opondo-se a ela, ou seja descrevendo os fatos de acordo como são,
buscando a sua compreensão; já a AD envolve-se com uma interpretação radical, seguindo contra
a correnteza, ou seja, busca a interpretação crítica dos fatos, normalmente, opondo-se a eles; e a
ATD, embora tenha uma aproximação maior com a AC, busca a reconstrução dos significados,
visando a navegar nem a favor, nem contra a correnteza, mas procurando explorar as
profundidades do rio, ou seja, dando um sentido mais amplo para a interpretação (MORAES;
GALIAZZI, 2013). Desse modo, na ATD “sua interpretação tende principalmente para a
construção ou reconstrução teórica, numa visão hermenêutica, de reconstrução de significados a
partir das perspectivas de uma diversidade de sujeitos envolvidos nas pesquisas” (MORAES;
GALIAZZI, 2013, p. 145).
É por esse motivo que se optou por proceder a análise da entrevista estruturada, por meio
da ATD, sendo, para isso, necessária a reconstrução dos argumentos pesquisados, tomando por
referência a interpretação dos fatos, tendo como base a dedução e a intuição do pesquisador.
Assim, é necessário seguir a sequência estabelecida por Moraes e Galiazzi (2013) como sendo: “a
desconstrução dos textos do ‘corpus’, a unitarização; o estabelecimento de relações entre os
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elementos unitários, a categorização; o captar o emergente em que a nova compreensão é
comunicada e validada” (p. 12).
Diante desse desafio, novas perspectivas são estabelecidas para o entendimento das
concepções necessárias à formação docente em Química no contexto da instituição em que se
realizou a pesquisa. Esses resultados poderão constituir-se em referência para a ampliação do
universo de discussão do tema.
1.2 O caminho percorrido na investigação
Esta pesquisa surge pela necessidade de identificar, a partir dela, as principais categorias
que emergem para justificar o imperativo de reformulação curricular, bem como o propósito
envolvido por tais reformulações. Diante disso, a fim de favorecer a compreensão e,
posteriormente, confrontar os dados obtidos com os resultados de uma análise documental já
realizada paralelamente a este estudo, realizou-se a entrevista estruturada, com questionário
composto de questões abertas
(GIL,
1999, p.
121), com os professores1 que participaram
efetivamente na elaboração do novo Projeto Político Pedagógico do curso de Química
Licenciatura, em 2002 e, depois, em 2008. O questionário contou com dez questões, conforme é
apresentado no Quadro 1, que foram aplicadas para seis professores do curso no ano de 2016.
1 Os professores formadores entrevistados foram designados pela letra “P” seguido por sequência numprica.
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Quadro 1 - Questionário relacionado à entrevista estruturada
QUESTÕES DA ENTREVISTA ESTRUTURADA
1 - O que motivou a realização da reforma curricular no Curso de Química Licenciatura na instituição em
2002/2003?
2 - Quais os principais problemas apresentados no antigo currículo (anterior à reforma estabelecida em 2002/2003)?
3 - Como avalia o processo de formação desenvolvido no Curso de Química Licenciatura na instituição a partir da
reforma curricular?
4 - O que se espera do profissional egresso do curso no desenvolver do seu trabalho pedagógico na escola?
5 - Quais aspectos considera relevantes para a formação dos novos profissionais que são desenvolvidos no Curso de
Química Licenciatura da instituição?
6 - O que representam as disciplinas de cunho pedagógico desenvolvidas no decorrer da formação desde os
primeiros níveis do curso?
7 - Como se deu (se dá) o envolvimento dos professores do curso com a nova proposta estabelecida a partir da
reformulação curricular?
8 - Quais os principais problemas apresentados, hoje, relacionados ao processo de formação dos professores de
Química/Ciências na instituição?
9 - Sobre a reformulação curricular de 2008, o que tem a considerar?
10 - Outras questões e/ou sugestões que considera relevante:
Fonte: Elaboração própria.
As respostas obtidas a partir das entrevistas realizadas foram analisadas por meio da ATD,
iniciando com o processo de estabelecimento das unidades de análise, que são apresentadas no
Quadro 2 e que foram elencadas, seguindo a numeração de acordo com a ordem das questões.
Toma-se como exemplo a questão 2, onde os itens 2.1, 2.2, 2.3 e 2.4, se relacionam, cada um, a
um dos diferentes itens unitarizados para a mesma questão 2.
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Quadro 2 - Unidades de análise com base nas respostas das entrevistas estruturadas realizadas
UNIDADES DE ANÁLISE
1.1 Exigência do MEC em desvincular os cursos de licenciatura dos cursos de bacharelado
1.2 Necessidade de inserir a prática curricular ao longo do curso
2.1 O currículo não atendia à formação do professor como alguém que vai se constituindo ao longo da graduação
2.2 Forte tendência para a formação técnica com poucas disciplinas pedagógicas
2.3 Disciplinas pedagógicas e preparação para o estágio somente no final do curso
2.4 Modelo para o processo de ensino-aprendizagem baseado na reprodução de conceitos
3.1 Mudança significativa na formação do perfil do professor
3.2 O educar pela pesquisa passa a ser um dos motes balizadores do processo
3.3 Inserção do acadêmico no contexto da escola desde o início do curso, constituindo-se educador, e fazendo-se
pesquisador de uma prática refletiva
3.4 O Núcleo de Educação Química (NEQ) fornece elementos de reflexão aos professores das disciplinas
pedagógicas do curso e àquelas de carácter técnico
3.5 O professor-formador com novos olhares ao seu fazer, sendo de forma tácita ou refletida percebida pelo
acadêmico
4.1 O egresso se enxergar como um professor pesquisador de sua prática, capaz de refletir sobre as suas ações, na e
sobre elas
4.2 O desenvolvimento da autonomia do egresso para propor o seu programa de trabalho
5.1 Formação pela pesquisa, com a interação no contexto real da escola desde o início
5.2 A iniciação da docência por meio das microaulas, da organização dos planos de estudo e trabalho, planos de
aula com apresentação e análise crítica pelos colegas e professor
5.3 A construção das Situações de Estudos, possibilitando o desenvolvimento de abordagens diferenciadas no
processo do ensinar e aprender
6.1 Formação para a docência, interligando o saber técnico com o saber pedagógico ao longo do curso por meio de
disciplinas didático-pedagógicas/prático-pedagógicas/estágios
6.2 Observações e inserções nas salas de aula e acompanhamento do trabalho do professor experiente
7.1 Reformulação de 2002, participação discreta dos professores formadores, com reformulação parcial, com a
inserção de disciplinas de educação química e pouca mudança nas disciplinas do n~cleo “duro”
7.2 Reformulação de 2008 (exigência institucional), intensa participação de todos os professores na construção da
proposta devido aos debates no NEQ
7.3 Articulação entre teoria e prática em todas as disciplinas com a construção de atividades experimentais pelo
coletivo de professores
7.4 Maior envolvimento dos professores formadores na melhoria da proposta do curso
8.1 Baixa procura pelos cursos de licenciatura
8.2 Os professores do curso se perceberem como professores de licenciatura
9.1 A atividade experimental como caráter pedagógico de compreender o fenômeno e não de descoberta do
fenômeno
9.2 Inserção de disciplinas de caráter humanista por exigência institucional
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TRES, Lairton; DEL PINO, José Claudio. Concepções acerca da formação docente em química: desafios e possibilidades.
9.3 A inserção do estágio em Ciências no ensino fundamental além do estágio em Química no ensino médio
10.1 Bom conceito do curso diante da avaliação do MEC e dos estudantes
10.2 Projetos de extensão permitem aos professores das escolas se manterem em interação com a universidade
Fonte: Elaboração própria.
Os aspectos relacionados às unidades de análise que partem das entrevistas estruturadas
corroboram os pressupostos apontados nos documentos analisados, tais como, as resoluções do
MEC (BRASIL, 2001) e os Projetos Políticos Pedagógicos do curso (UNIVERSIDADE DE
PASSO FUNDO, 2002; 2008) e se mostram importantes para entender as tessituras pelas quais se
deu a ação desenvolvida. Por meio das unidades de análise, a ATD seguiu com o estabelecimento
de relações entre os elementos unitários, a fim de determinar as categorias que emergiram do
processo.
1.3 Os desafios e as possibilidades acerca das concepções estabelecidas
A partir do exame das unidades de análise foram elencadas as categorias emergentes da
pesquisa, às quais, foram analisadas a fim de verificar os desafios e as possibilidades diante da
situação proposta: analisar criticamente a reformulação curricular estabelecida e as consequências
relacionadas ao processo de ensino-aprendizagem em Química.
“[...] um processo de criação,
ordenamento, organização e síntese. Constitui, ao mesmo tempo, processo de construção de
compreensão dos fenômenos investigados, aliada à comunicação dessa compreensão por meio de
uma estrutura de categorias” (MORAES; GALIAZZI, 2013, p. 78). Diante do cruzamento dos
dados, foram elencadas as seguintes categorizações: (a) formação tradicional; (b) formação do
educador químico; (c) nova concepção de educador químico; (d) atuação do professor formador;
e (e) novo perfil do curso de Química Licenciatura. Tais categorizações são apresentadas em
forma de figuras que destacam a relação entre categorias e ideias, que são organizadas
aleatoriamente e designadas por letras, que, por sua vez, não indicam a sua ordem de importância.
1.3.1 Formação tradicional
A categoria
(a) destaca a formação tradicional, ficando clara, neste processo, a
necessidade de romper com a forma de como o ensino era desenvolvido. Os problemas
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encontrados no currículo antigo e que também serviram para instigar a Reformulação Curricular
de 2002 (Cf. Questão
2 da entrevista) são apontados pelos professores como aqueles já
evidenciados em outro momento na análise dos documentos do curso, tais como: uma formação
mais voltada à técnica, sendo direcionada mais aos conteúdos específicos do que aos
pedagógicos. De acordo com o P2 “Essa realidade determinou o fato de as disciplinas de caráter
pedagógico não conseguirem romper com o processo tradicional estabelecido, ficando para o
final do curso, desconexas do contexto das demais” ainda destaca como aspecto importante em
relação aos estágios como “sendo, ainda, os estágios encarados como um momento ‘surpresa’ de
se deparar com a realidade apenas no final da formação” (P2). Desse modo, o egresso passaria a
reproduzir o modelo na sua prática profissional, um modelo centrado na reprodução de conceitos.
A formação inicial oferecida nas universidades precisa ser repensada e redirecionada de
forma a contribuir para formar um professor capaz de interferir, criativamente, nas
situações complexas da escola. O professor enquanto aluno em sua formação inicial é
tratado como um sujeito passivo e receptor de conhecimentos, o que contribui para que
futuramente incorpore em sua prática profissional o mesmo que lhe foi oferecido
(ECHEVERRÍA; SOARES, 2007, p. 181).
Figura 1 - Formação tradicional
Fonte: Elaboração própria.
Nesse sentido, Freire (2003) destaca que “[...] ensinar não p transferir conhecimento, mas
criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção” (p. 22). Assim, a formação
tradicional normalmente estabelecida, precisaria abrir espaços para um processo de interação
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TRES, Lairton; DEL PINO, José Claudio. Concepções acerca da formação docente em química: desafios e possibilidades.
entre os sujeitos, pois “não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos apesar
das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina
aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 2003, p. 25). Fica claro que,
num curso de formação de professores, há a necessidade de um modelo diferente no processo de
ensinagem, a fim de que os sujeitos aprendentes, futuros professores, não reproduzam práticas
desarticuladas com a realidade no futuro. Há a necessidade de interação entre os sujeitos
aprendentes e os seus formadores mediados pelo contexto da vivência da prática, a fim de que “a
organização da prática do ensino não mais esteja assentada na transmissão de conhecimentos,
mas na interação entre professor/aluno/conhecimento, fazendo da pesquisa uma referência para a
formação de estudantes universitários, futuros profissionais” (PIMENTA; ALMEIDA, 2011, p.
40).
1.3.2 Formação do educador químico
Pela categoria (b), que destaca a formação do educador químico, percebeu-se, que o
educar pela pesquisa e o envolvimento com uma prática refletiva aparece como fundamental para
a situação da formação do professor/educador de Química. Tal fato se dá pelo entendimento da
realidade, na busca por interação do conhecimento acadêmico com o contexto atual no qual o
profissional será inserido. Ensaios desenvolvidos no decorrer do curso com elaboração e análise
de microaulas e situações de estudo aparecem como necessários para aprender a fazer a
transposição didática do conhecimento científico, aliando-o ao conhecimento pedagógico, assim
como emergem também as leituras mediadas e a participação dos docentes no NEQ (Cf. respostas
das Questão 3, 5 e 6 da entrevista).
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TRES, Lairton; DEL PINO, José Claudio. Concepções acerca da formação docente em química: desafios e possibilidades.
Figura 2 - Formação do educador químico
Fonte: Elaboração própria.
Para a formação do educador químico, é importante considerar os princípios apontados
para a Educação Química, muitos deles relatados em encontros científicos de professores e em
publicações sobre a formação do educador químico. Entre esses, destaca-se a necessidade de uma
mudança de paradigma com o abandono do processo de transmissão do conhecimento para a
adoção de orientações construtivistas, num processo de construção e reconstrução ativa do
conhecimento no processo de ensino-aprendizagem (CHASSOT, 2014). Para romper com o
modelo da transmissão do conhecimento, p necessário “desenvolver uma nova metáfora, a do
professor/pesquisador em uma prática reflexiva na ação e sobre a ação, superando a dicotomia,
própria da racionalidade técnica, que concebe alguns profissionais como produtores de
conhecimentos e outros que o aplicam” (MALDANER, 2013, p. 88). Isso fica evidente nas
respostas dadas à questão 3 onde os professores destacam que “[...] ao entrar em contato com
seu futuro profissional mais cedo, o estudante já pode observar problemas e demandas que pode
enfrentar. Assim, se instrumentalizar de forma mais apropriada para resolver os problemas e
dar conta das demandas” (P3). Ainda, para P5 a formação desenvolvida no curso é avaliada, “de
forma bastante positiva, o que começou a ser refletido nas avaliações externas e ENADE dos
licenciandos que passaram a apresentar maiores conhecimentos específicos da sua área de
atuação, com um perfil de professor pesquisador e que se reconhece como docente desde o
começo do curso de graduação”. Diante disso, percebe-se a importância que tem o processo de
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TRES, Lairton; DEL PINO, José Claudio. Concepções acerca da formação docente em química: desafios e possibilidades.
formação do educador químico na instituição investigada em procurar instigar os acadêmicos a se
envolverem, ao longo de sua formação, no contexto da realidade futura em que irão atuar, a
escola. “É preciso que os futuros professores participem da pesquisa em todo o processo, que
aprendam a tomar decisões, que passem a compreender a ciência como a busca pelo
conhecimento nunca acabado, sempre político, que precisa de qualidade formal” (GALIAZZI,
2003, p. 55)
1.3.3 Nova concepção de educador químico
Pela categoria (c), que trata da nova concepção de educador químico, espera-se que o
egresso “possa se enxergar como um professor pesquisador de sua prática, capaz de refletir as
suas ações, na e sobre elas. Que possa fazer isso de forma individual (introspectivamente), mas
também, no coletivo dos sujeitos que compõe a escola” (Resposta de P2 para a Questão 4 da
entrevista). Esse fator é essencial para o desenvolvimento de sujeitos autônomos e críticos,
eternos aprendentes.
Figura 3 - Nova concepção de educador químico
Fonte: Elaboração própria.
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 21, n. 1, p. 243-261, jan./abr. 2019.
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TRES, Lairton; DEL PINO, José Claudio. Concepções acerca da formação docente em química: desafios e possibilidades.
De acordo com Diniz-Pereira e Zeichner (2002), esse fato apoia-se na ideia estabelecida
de uma formação de professores, envolvendo a tensão entre um modelo hegemônico e um
modelo contra-hegemônico: a racionalidade técnica e a racionalidade prática. Pelo modelo da
racionalidade tpcnica, “o professor é visto como um técnico, um especialista que rigorosamente
põe em prática as regras científicas e/ou pedagógicas. Assim, para se preparar o profissional da
educação, o conteúdo científico e/ou pedagógico são necessários, o qual servirá de apoio para a
sua prática” (DINIZ-PEREIRA; ZEICHNER, 2002, p. 22). Porém, não basta somente o saber
técnico, é preciso ir além, num movimento contra-hegemônico estabelecido no ensino tradicional.
“Um movimento dos educadores pesquisadores a se estabelecer ‘de baixo para cima’, como
estratégia para a superação dos modelos tradicionais e conservadores da formação docente na
qual a pesquisa do que se vivencia na prática passa a ser o mote balizador do processo” (DINIZ-
PEREIRA; ZEICHNER, 2002, p. 40). Com isso, é possível criar um novo modelo capaz de
organizar de um modo coletivo, colaborativo e crítico a formação de professores.
Nessa nova concepção de educador químico destaca-se a necessidade de que o processo
formativo represente a constituição da “[...] identidade na formação do licenciando, que se
reconhece como futuro docente ao longo de toda a formação, que reflete sobre os conhecimentos
científicos específicos e relaciona com os saberes pedagógicos” (P5). Para Sacristán e Pérez-
Gomes (1998) a prática profissional docente deve ser considerada uma prática intelectual e
autônoma e não meramente técnica. Assim, o professor em formação deve ser preparado para se
sentir capaz, a partir de um processo de ação e reflexão, de entender que aprende ao ensinar e que
ensina porque aprende e que, nesse processo intrínseco, é que vai se constituindo como educador.
Para tanto, é fundamental que se perceba como sujeito participante da construção da sua
aprendizagem, ativo no processo e não como mero receptor.
1.3.4 Atuação do professor formador
Na categoria (d), que trata da atuação do professor formador, percebe-se que a exigência
estabelecida pelo MEC passou a ser um compromisso dos professores que compunham a Área de
Química, já que, a mudança no contexto da formação se fazia necessária. Ao se indagar sobre
como se deu o envolvimento dos professores do curso com a nova proposta, evidencia-se que, em
princípio, “os professores participaram de uma forma mais discreta, sendo que a reformulação
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TRES, Lairton; DEL PINO, José Claudio. Concepções acerca da formação docente em química: desafios e possibilidades.
foi parcial, com a inserção de disciplinas de Educação Química e poucas mudanças nas
disciplinas de ‘núcleo duro’” (Resposta de P2 para a Questão 7 da entrevista). O fato destacado
mostra que não houve uma mudança de concepção generalizada no processo de ensino-
aprendizagem desenvolvido no curso, em partes porque muitas das disciplinas de caráter técnico
são compartilhadas entre os dois cursos: licenciatura e bacharelado. Mas, como destaca P2:
Já na reformulação de 2008, consequência de uma exigência institucional, houve uma intensa participação
de todos os professores na construção da proposta. Esta mudança se deu, pois a partir de 2003 passou a
existir o Núcleo de Educação Química (NEQ) que consiste num espaço de estudo, debates e discussão do
grupo de professores ligados à Área de Química. Em decorrência dos estudos do NEQ, todas as ementas das
disciplinas de Química e seus programas foram reformulados, e as mesmas passaram a conter créditos
teóricos e práticos, diferentemente do que ocorria anteriormente, onde as disciplinas tinham caráter teórico e
outras apenas caráter prático. Essa mudança remete a uma nova lógica de pensar o currículo do curso.
(Resposta à Questão 7 da entrevista)
Figura 4 - Atuação do professor formador
Fonte: Elaboração própria.
Fica claro que os diálogos estabelecidos no processo de reformulação se afinaram com a
reivindicação do conjunto de professores acerca da criação de um espaço de discussão e
elaboração coletiva imprescindível à licenciatura. Certamente, as discussões para a reformulação
curricular de 2002 também tiveram papel decisivo para a criação do NEQ como espaço dialógico
e de construção do conhecimento dos docentes do curso. De acordo com Lauxen et al. (2010) o
NEQ, Núcleo de Educação Química foi criado em 2003 por iniciativa dos professores que
compunham a Área de Química da instituição, tendo como principal objetivo ser um espaço de
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 21, n. 1, p. 243-261, jan./abr. 2019.
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TRES, Lairton; DEL PINO, José Claudio. Concepções acerca da formação docente em química: desafios e possibilidades.
construção coletiva e de busca pela interdisciplinaridade. Um espaço institucionalizado pela
universidade, com tempo incluído na carga horária de todos os professores da Área de Química,
que permite a troca de experiências e a constante reflexão do fazer pedagógico sendo “um espaço
inestimável de formação dos docentes e que se reflete diretamente no ensino de graduação”
(LAUXEN et al. 2010, p. 194).
Esse espaço é reconhecido como aspecto importante para a formação continuada dos
professores formadores, pois, conforme afirma P6, “a formação para essas mudanças ocorrem
através de debates no NEQ, que muito auxilia na organização dos cursos de química da
instituição”. Por isso, entende-se que a inserção das disciplinas de educação química na
Reformulação Curricular de 2002 não conseguiria dar conta sozinha de uma transformação no
processo formativo, se os envolvidos com as demais disciplinas não fizessem, também, a sua
parte, principalmente na articulação entre teoria e prática, o que se torna efetivo a partir da
Reformulação Curricular de 2008. Em relação aos demais docentes do curso, P5 ressalta que
esses, “[...] na medida do possível, tem se envolvido no pensar e organizar suas aulas, mesmo
que de disciplinas mais específicas dos conhecimentos científicos em química, empregam
diferentes metodologias, aulas de laboratório com caráter investigativo, entre outras
possibilidades”.
Os estudos estabelecidos no NEQ contribuíram para que fosse percebida a importância da
articulação entre teoria e prática ao longo da formação acadêmica, num processo contínuo, em
que ambas se complementam, não concebendo a prática apenas como comprovação da teoria.
Assim, ao professor formador cabe estar voltado à formação do profissional reflexivo, pois, “a
instituição universitária não pode se voltar à profissão e aos estágios para garantir a formação de
um profissional reflexivo. Isso compete a todos os formadores, com uma intenção firme [...]
abandonando a transmissão de saberes acadêmicos plenos” (PERRENOUD, 2002, p. 105), numa
abordagem que permita a construção conjunta do conhecimento.
1.3.5 Novo perfil do curso de química licenciatura
Pela categoria (e) que trata do novo perfil do curso de Química Licenciatura, é destacado
por P2 a notoriedade de que a ação de reestruturação curricular foi motivada, principalmente,
pela exigência do MEC em desvincular os cursos de licenciatura dos bacharelados.
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TRES, Lairton; DEL PINO, José Claudio. Concepções acerca da formação docente em química: desafios e possibilidades.
Como em 2002/1 já havia sido ofertado, na instituição, o bacharelado separadamente, e em fevereiro o
CNE havia expedido as Resoluções CNE nº 1 e nº 2 que tratava especificamente a formação de professores
para a educação básica, foi entendimento do colegiado do curso em já adequar o novo currículo da
licenciatura as respectivas resoluções. [...] Portanto, no semestre de 2002/1 foi realizado as mudanças no
currículo para que em julho de 2002 já pudesse haver oferta no vestibular de Química licenciatura com um
novo currículo adequado as novas exigência. (Resposta da Questão 1 da entrevista)
O fato de envolver as disciplinas de cunho pedagógico no decorrer da formação, desde os
primeiros níveis do curso, é destacado por P2 como possibilidade de que
[...] elas representam a garantia de uma formação para a docência, interligando o saber técnico com o
saber pedagógico. O entrelaçamento que vai sendo construído ao longo do curso, nas disciplinas de
educação química, fundamentos de ciências, metodologia do ensino, didática, inclusão, fundamentos
(legislação), sociologia, ética, psicologia, etc., culminam com os estágios onde ocorre o processo de
aplicação no contexto real. Porém, antes desse, o estudante já havia se familiarizado com o contexto da
escola, através das observações e inserções nas salas de aula, acompanhando o trabalho do professor
experiente. (Resposta da Questão 6 da entrevista)
Somando-se aos esforços e ao empenho estabelecidos no envolvimento de uma formação
profissional adequada, os professores destacam um bom conceito na avaliação do MEC por meio
do Enade, a satisfação dos estudantes com a sua formação e o envolvimento com professores das
escolas em projetos de extensão
(Cf. respostas da Questão
10 da entrevista). Também, a
importância das atividades experimentais como momento para a compreensão dos fenômenos; o
envolvimento em disciplinas de caráter humanista; e o estágio em Ciências, complementando a
formação (Cf. respostas da Questão 9 da entrevista).
Apesar disso, alguns problemas são destacados em relação ao processo formativo (Cf.
resposta da Questão 08 da entrevista), entre eles: “a baixa procura por cursos de licenciatura”
apontada por P2 e também, para P5, que
De maneira geral observa-se uma desmotivação para as licenciaturas, e na Química [...] não é diferente, o
que se reflete em procura pequena além de alta evasão, sendo que os que terminam o curso são aqueles que
realmente tem interesse na formação. Dificuldade em que todos os professores do curso entendam que são
professores de um curso de licenciatura e auxiliem na formação mais específica, didático metodológica,
através da modificação de sua própria ação.
Essas preocupações são apontadas como os principais problemas a serem enfrentados no
processo de formação de professores de Química/Ciências na instituição. A baixa procura e o
desinteresse pelas licenciaturas fazem parte de um contexto da realidade atual em que a profissão
professor é desvalorizada sendo necessário, principalmente, para superação desse fato a
necessidade de “oferecer-lhes condições de trabalho satisfatórias e remuneração comparável à das
outras categorias de emprego que exigem um nível de formação equivalente” (DELORS, 2006, p.
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 21, n. 1, p. 243-261, jan./abr. 2019.
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TRES, Lairton; DEL PINO, José Claudio. Concepções acerca da formação docente em química: desafios e possibilidades.
161). Certamente, esse seria um fator motivador para o interesse dos jovens pelo trabalho docente
e auxiliaria na superação da crise educacional vivida na atualidade. Outro aspecto relevante é a
necessidade de que todos os professores formadores devem direcionar sua ação para a preparação
do professor de química, voltando os conhecimentos específicos a uma dimensão mais aplicada à
realidade em que vão atuar.
Figura 5 - Novo perfil do curso de Química Licenciatura
Fonte: Elaboração própria.
No cerne da proposta estabelecida como um novo perfil do curso de Química
Licenciatura, está a formação de um profissional reflexivo, a partir da inserção das disciplinas
pedagógicas e das de caráter prático pedagógico ao longo da formação docente; está o
desenvolvimento das atividades experimentais das disciplinas em geral voltadas à compreensão
dos fenômenos e não como confirmação das teorias; e, ainda, a interação com a educação básica.
Diante disso, p importante destacar que “a noção de professor reflexivo baseia-se na consciência
da capacidade de pensamento e reflexão que caracteriza o ser humano como criativo e não como
mero reprodutor de ideias e práticas que lhe são exteriores” (ALARCÃO, 2011, p. 44).
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TRES, Lairton; DEL PINO, José Claudio. Concepções acerca da formação docente em química: desafios e possibilidades.
2 Considerações
Pelo processo de Análise Textual Discursiva
(MORAES; GALIAZZI,
2013) foi
desenvolvido este estudo, a partir da unitarização e da categorização das respostas das entrevistas
realizadas com os professores envolvidos nas reformulações curriculares do curso de licenciatura
em Química. Com isso, foram percebidos diferentes desafios e possibilidades acerca da formação
docente em Química. As categorias evidenciadas apontam para a necessidade de um novo perfil
do curso de Química no qual a formação docente precisa estar voltada para uma nova concepção
de educador químico, num propósito diferente da formação tradicional normalmente
estabelecido, baseado na reprodução e na transmissão do conhecimento. Para romper com esse
processo emerge a ideia da formação docente estar voltada para a formação de um educador
químico, numa nova concepção, mais abrangente, almejando um profissional reflexivo. Com
isso, destaca-se que
[...] a formação de ‘profissionais reflexivos’ deve se tornar um objetivo explícito e
prioritário em um currículo de formação dos professores; em vez de ser apenas uma
familiarização com a futura prática, a experiência poderia, desde a formação inicial,
assumir a forma simultknea de uma prática ‘real’ e reflexiva. [...] O que realmente
importa é consolidar um percurso de vários anos que permita a construção das
competências profissionais essenciais (PERRENOUD, 2002, p. 104).
Para tal situação, desempenha um papel fundamental a atuação do professor formador nas
diferentes áreas de atuação, seja nas de conhecimento específico (técnico) ou nas de caráter
prático pedagógico. Ambos os profissionais precisam se envolver num processo em conjunto,
visando à formação do professor de química como alguém que terá a função de fazer a
transposição didática entre o conhecimento científico, típico e essencial da química, para o
conhecimento mediado com a realidade, a fim de facilitar a compreensão da leitura do mundo
pelos sujeitos aprendentes, também, pelo viés da ciência.
Ao desvincular a licenciatura do bacharelado na reforma curricular na instituição
investigada, houve a necessidade de envolvimento dos professores formadores em debates no
âmbito da educação química, pois a formação meramente técnica seria insuficiente para uma
formação mais qualificada do docente em Química. Junto a isso, o envolvimento do acadêmico
com a realidade, na perspectiva da escola, por meio das disciplinas de Educação Química se
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mostrou como um viés necessário para romper com o que era tradicionalmente estabelecido,
permitindo a integração entre os saberes teóricos e os saberes da prática (TARDIF, 2014).
A ATD realizada permitiu perceber que o “novo emergente do processo” (MORAES;
GALIAZZI, 2013) está na realização de um processo formativo voltado à capacidade do curso de
preparar o educador químico de fato, com as características de um profissional reflexivo e
pesquisador da sua práxis. Assim, seria o “ensino prático reflexivo como um ambiente para
criação de pontes entre a escola e os mundos da universidade e da prática” (SCHÖN, 2000, p.
234). Num sentido mais profundo, o que emerge é a necessidade de o professor formador estar
envolvido num processo dialógico constante de ação-reflexão-ação, possibilitado por momentos
de diálogos estabelecidos em processo de formação contínua junto ao Núcleo de Educação
Química; e a inter-relação ocorrida por meio das disciplinas de educação química que procuram
aliar os saberes do conhecimento técnico aos saberes da prática no contexto da formação docente
ao longo do curso.
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