Artigo
A pedagogia de Maria Montessori para a educação na infância
The pedagogy of Maria Montessori for education in children
La pedagogía de María Montessori para la educación en la niñez
Jaqueline Delgado Paschoal - Universidade Estadual de Londrina | Departamento de Educação | Londrina | PR |
Brasil. E-mail: jaquelinedelgado@uol.com.br
Maria Cristina Gomes Machado - Universidade Estadual de Maringá | Departamento de Fundamentos da
Educação | Maringá | PR | Brasil. E-mail: mcgmachado@uem.br
Resumo: Maria Montessori reconheceu a infância como um período fértil no qual as potencialidades se desenvolvem rapidamente,
e ressaltou a livre expressão e um ambiente adequado e motivador como fatores fundamentais para despertar a
inteligência das crianças, de modo a prepará-las para a vida adulta. Ao considerar que a criança é um pequeno
explorador do mundo ao seu redor, defendeu a liberdade de ação nessa interação, para a qual propôs a educação dos
sentidos como elemento importante no trabalho do professor. O tripé atividade-individualidade-liberdade formava a
base de seu trabalho e os estímulos externos eram considerados como determinantes para o desenvolvimento infantil.
O propósito desse estudo de caráter bibliográfico é apresentar a concepção de Montessori sobre a infância e o trabalho
pedagógico com crianças em espaços coletivos. O intuito é contribuir para a formação continuada de professores da
infância no sentido de destacar a atualidade da proposta montessoriana no contexto escolar.
Palavras-chave: Educação. Montessori. Criança.
Abstract: Maria Montessori recognized childhood as a fertile time in which the potentialities develop rapidly, and emphasized free
expression and a suitable and motivating environment as fundamental factors to awaken children's intelligence in order
to prepare them for adulthood. Considering that the child is a small explorer of the world around him, he defended
freedom of action in this interaction, for which he proposed the education of the senses as an important element in the
work of the teacher. The tripod activity-individuality-freedom formed the basis of his work and external stimuli were
considered as determinants for child development. The purpose of this bibliographic study is to present the Montessori
conception about childhood and the pedagogical work with children in collective spaces. The intention is to contribute
to the continuing education of teachers of childhood in order to highlight the relevance of the Montessor proposal in
the school context.
Keywords: Education. Montessori. Child.
Resumen: María Montessori reconoció la niñez como un período fértil en el cual las potencialidades se desarrollan rápidamente, y
resaltó la libre expresión y un ambiente adecuado y motivador como factores fundamentales para despertar la
inteligencia de los niños, de modo a prepararlos para la vida adulta. Al considerar que el niño es un pequeño
explorador del mundo a su alrededor, defendió la libertad de acción en esa interacción, para la cual propuso la
educación de los sentidos como elemento importante en el trabajo del maestro. El trípode actividad-individualidad-
libertad formaba la base de su trabajo y los estímulos externos eran considerados como determinantes para el
desarrollo infantil. El propósito de este estudio de carácter bibliográfico es presentar la concepción de Montessori
sobre la niñez y el trabajo pedagógico con niños en espacios colectivos. El intuito es contribuir para la formación
continuada de maestros en el sentido de destacar la actualidad de la propuesta montessoriana en el contexto escolar.
Palabras clave: Educación. Montessori. Niños.
• Recebido em 23 janeiro de 2017 • Aprovado em 31 de agosto 2018 • e-ISSN: 2177-5796
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PASCHOAL, Jaqueline Delgado; MACHADO, Maria Cristina Gomes. A pedagogia de Maria Montessori para a educação na
infância.
Introdução
Para Montessori (1966) é identificando as necessidades e as especificidades da criança na
primeira infância que se conhece o homem na sociedade. Por considerar esse período relevante,
devido às inúmeras possibilidades de aprendizagem, teceu duras críticas à forma como a
sociedade tratava os infantes, sobretudo por não reconhecer suas particularidades.
Essa autora enfatizou que a sociedade não se preocupou, por muitos séculos, com a
criança, já que a ignorava e a deixava, exclusivamente, sob a responsabilidade da família. Esta,
por sua vez, oferecia-lhe somente os meios materiais e, muitas vezes, nem isso, exilando-a no
mundo do esquecimento. Como consequência dessa indiferença, muitas crianças nasciam e
morriam facilmente, sendo este considerado um fenômeno natural pela sociedade. Conforme
Montessori (1966, p. 8) “a morte daqueles pequeninos parecia tão natural que as famílias já
tinham habituado, segundo a ideia bastante espalhada de que aqueles meninos não morriam
realmente, mas, subiam ao cpu”. Tal fenômeno, segundo a autora, ficou conhecido como matança
normal dos inocentes devido ao número elevado de mortalidade infantil.
As crianças eram esquecidas em relação aos seus direitos e tidas como um incômodo para
os adultos, além de não serem ouvidas por eles. Isso porque, os adultos não têm tempo de se
ocupar delas, “pois vivem absorvidos pelas tarefas urgentes; pai e mãe são ambos forçados a
trabalhar e, se o trabalho falta, a miséria oprime e amarfanha tanto as crianças como os adultos”
(MONTESSORI, 1966, p. 13).
Na realidade, não existia um lugar apropriado para que a criança se sentisse valorizada e
compreendida na sociedade, já que ela era privada do convívio com os pais e demais adultos e
deveria ter um comportamento adequado aos olhos dos mais velhos, devendo “permanecer
tranquila, em silêncio, sem tocar em coisa alguma, porque nada lhe pertence” (MONTESSORI,
1966, p. 14). A impressionante cegueira do adulto, demonstra a sua insensibilidade em relação
aos cuidados com os filhos, resultado da sua própria educação, “já que ama as crianças, mas,
inconscientemente, as despreza, provocando nelas um secreto sofrimento, espelho dos nossos
erros e advertência para a nossa conduta” (MONTESSORI, 1966, p. 14).
Por outro lado, Montessori (1966) esclarece que a indiferença não acontecia somente no
âmbito familiar, mas também em outras instâncias sociais, pois nas escolas por exemplo, as
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crianças estavam sujeitas a diferentes doenças causadas não só pela falta de higiene, mas
também pelo trabalho ali desenvolvido. Doenças físicas, como problemas na coluna vertebral,
devido à posição forçada da criança, que permanecia curvada por muito tempo, e a miopia,
causada pelo esforço da visão num ambiente sem muita luz; além do esforço mental, oriundo dos
estudos pesados, que oprimiam a criança pelo tédio e pelo cansaço nervoso, eram comuns
(MONTESSORI, 1966).
A educação sempre foi sinônimo de castigo, já que há um moderno requinte de “crueldade
no princípio ideal de reunir a família e a escola no mesmo simulacro de educação, princípio que
se concretizou na organização da escola e da família para o castigo e tormento da criança”
(MONTESSORI, 1966, p. 12). As punições que envolviam violências físicas e ofensas, assim
como, privações de passatempos e prazeres como o brincar, fizeram, por muito tempo, parte da
rotina tanto da família como da escola. Por isso, Montessori por meio de seus estudos, procurou
romper com a concepção de criança como um adulto em miniatura e como um ser incompleto e
atribuiu a ela uma natureza própria, pela qual é considerado como o embrião do adulto.
Desta maneira, esse estudo de caráter bibliográfico tem por finalidade apresentar o
pensamento de Maria Montessori no que diz respeito ao período da infância e sua proposta de
trabalho envolvendo a organização de um ambiente adequado para o aprendizado da criança em
espaços coletivos.
Para uma melhor organização da exposição, o texto divide-se em duas seções, sendo que,
na primeira, é realizada uma explanação geral sobre a concepção de Maria Montessori sobre
infância e desenvolvimento infantil e, na segunda, são apresentados os princípios pedagógicos e a
educação dos sentidos propostos pela autora. É importante ressaltar que a atualidade do
pensamento de Montessori contribui para a superação de práticas que desconsideram a infância
como um período de profundas transformações na vida das crianças. Além disso, considera-se
neste trabalho, que as escolas infantis se constituem espaços fundamentais e necessários no
processo de humanização das crianças e no desenvolvimento de suas diferentes linguagens. Para
tanto, a formação inicial e continuada é necessária como um direito e um dever dos professores
que atuam nessa etapa da educação básica.
A concepção de infância e de desenvolvimento humano em Montessori
Do ponto de vista histórico a indiferença natural provinda da família e da sociedade em
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relação às crianças datam séculos, visto que as relações entre essas e os adultos eram meramente
formais. Na realidade, as especificidades da criança, suas particularidades e toda a sua
originalidade na forma de conceber o mundo não eram sequer pensadas e reconhecidas pela
figura do adulto.
O conflito entre essas duas gerações se tornou tão comum, que foi preciso uma
intervenção científica para explicar como esse fenômeno se cristalizou nas relações entre um e
outro. A ciência, portanto, foi a pioneira nesse processo, uma vez que denunciou, por meio de
investigações, as relações estabelecidas entre as crianças e os adultos e como esses últimos
tratavam os pequenos no seio familiar e na escola (MONTESSORI, 1966).
Desta maneira, um movimento social a favor da infância surgiu e se propagou no sentido
de combater as inúmeras agressões cometidas contra as crianças ao longo dos séculos. Somente
depois de se conscientizar sobre o número de óbitos entre as crianças, a sociedade passou a se
organizar no sentido de cobrar da família e da escola os meios indicados pela ciência em relação
aos cuidados com os pequenos.
A medicina contribuiu para isso quando apontou a higiene escolar como um fator
importante para a promoção da saúde infantil. Montessori
(1966) esclarece que a ciência
contribuiu para o início de um movimento social em favor da infância e que os conceitos de
higiene tiveram um papel importante no combate à mortalidade infantil. Isso porque, além de
combater a mortalidade infantil, “demonstrou que as crianças eram vítimas de fadiga escolar; a
higiene escolar descreve crianças desventuradas de espírito oprimido e inteligência fatigada,
costas curvadas a peito estreito, crianças predispostas à tuberculose” (p. 9).
Somente no século XIX, quando os hábitos de higiene começam a se difundir entre as
classes mais populares, que a vida das crianças toma nova feição, sobretudo quando os
reformadores começam a considerá-las nos planos de urbanização, pois, “reservam-lhes jardins e
terrenos para jogos na construção de praças e parques; pensa-se nas crianças quando se edificam
teatros e publicam livros e jornais” (MONTESSORI, 1966, p. 12).
Montessori (1966) explica que foi muito rápido o progresso em relação aos cuidados e à
educação das crianças e considera a Psicanálise como um campo de investigação importante e
pioneira nas pesquisas sobre o subconsciente humano. Para a autora, “foi um estudo das reações
psíquicas com origem para lá do que é consciente e que com a sua resposta trazem a superfície
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fatos secretos e realidades impensadas que revolucionam os velhos conceitos” (MONTESSORI,
1966, p. 21).
Apesar da importante contribuição de diferentes campos científicos no que diz respeito
ao estudo do homem em sua evolução histórica, foi a Psicanálise que abordou, primeiramente, as
origens das psicoses, numa fase precoce da infância, já que as recordações vindas do inconsciente
demonstraram um sofrimento infantil diferente do normalmente conhecido. Na prática, a
repressão exercida pelo adulto sobre a atividade espontânea da criança é a causa desse
sofrimento, pois “a criança não pode expandir-se como conviria a um ser em formação, isto
porque o adulto a reprime. A criança é um ser isolado na sociedade” (MONTESSORI, 1966, p. 27).
É importante ressaltar que o adulto percebe e analisa a vida psíquica da criança sempre
tomando como base a própria vida psíquica, ou seja, o seu parâmetro é o padrão do adulto. Nesse
sentido, a incompreensão se torna tão aparente que o mesmo passa a considerar a criança como
um ser vazio, “[...] um ser inerte e incapaz, pelo qual tudo deve realizar; um ser sem guia interior,
razão por que tem que guiá-la do exterior, passo a passo” (MONTESSORI, 1966, p. 31).
Por acreditar na capacidade de autoconstrução da criança, Montessori (1966) atribuiu ao
adulto a responsabilidade de organizar o ambiente e criar as condições necessárias para que esse
processo seja efetivado, isto é, para que as potencialidades sejam desenvolvidas. A criança, ao
nascer, traz potencialidades construtivas que devem desenvolver-se por meio desse ambiente.
Quando nasce, ela não vem desprovida no sentido de não ter qualidades psíquicas ou aptidões
motoras prestáveis, mas tem, em si, potencialidades que determinam o seu desenvolvimento, a
partir das condições e oportunidades oferecidas pelo mundo à sua volta (MONTESSORI, 1965).
Por isso, ressalta que a criança, no início da vida, é considerada um embrião espiritual, ou seja, é
dotada de uma dupla vida embrionária: uma que é chamada de pré-natal, semelhante à de outros
animais, e outra chamada de pós-natal, exclusiva do ser humano.
Segundo a autora, a criança é o embrião do espírito, pois, no início, a vida psíquica é
pequena, mas, gradualmente, em função das adaptações e flexibilizações que vão sendo
vivenciadas, ela vai desenvolvendo funções psíquicas superiores. O processo de lentidão no
desenvolvimento inicial da criança ocorre pela necessidade de elaboração especial das estruturas
somáticas e psíquicas, as quais, por sua complexidade, exigem um tempo maior de
processamento, sendo este essencial para o seu desenvolvimento individual.
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É importante ressaltar que a sua formação em medicina contribuiu para que defendesse
uma educação voltada para o desenvolvimento humano com ênfase nos aspectos biológicos, por
meio do tripé atividade-individualidade-liberdade que formava a base de seu trabalho. Para tanto,
Montessori estabeleceu três períodos para o desenvolvimento humano, no qual o primeiro vai de
zero a seis anos e se caracteriza pelo que nominou de “mente absorvente”. Esse período se
subdivide em dois momentos, sendo: “mente absorvente inconsciente”, que vai de zero a três
anos de idade, e “mente absorvente consciente”, que vai de três a seis anos.
No período da “mente absorvente inconsciente”, a absorção do ambiente pela criança
acontece de maneira inconsciente, já que, ao nascer, ela não traz nenhuma capacidade pronta,
mas potencialidades para serem desenvolvidas. A fase que vai dos três aos seis anos caracteriza-
se pela absorção consciente da criança junto ao ambiente. Nesse momento, a linguagem e o
movimento são relevantes, pois são os meios para o desenvolvimento psíquico. Esse período de
construção dá continuidade ao anterior, já que a criança se utiliza das faculdades anteriores, como
a memória, por exemplo, para interagir em seu meio.
Já a “mente absorvente consciente” p um tempo de grandes transformações, pois torna a
criança habilitada para várias funções físicas e psíquicas que lhe permitirão o domínio do meio e
de si mesma. É nesse período que Montessori (1965) ressalta a importância da aprendizagem das
habilidades, pois chama a atenção para a qualidade do trabalho que deve ser desenvolvido nas
escolas infantis. O segundo período, que chamou de “intermediário”, corresponde à fase dos seis
aos doze anos, e o terceiro período se subdivide em puberdade, que vai dos doze aos quinze anos,
e adolescência, que compreende dos quinze aos dezoito anos.
A passagem da “mente absorvente” para o “período intermediário” p notável, já que a
criança torna-se mais calma e vigorosa, tanto física como mentalmente, é o momento propício
para a aquisição de informações culturais e científicas. É, também, um momento para a formação
da consciência moral, uma vez que a criança já percebe a diferença entre o bem e o mal. O
desenvolvimento da sociabilidade se dá, exatamente, nesse momento, pois a criança amplia seu
círculo de amizades e participa de atividades coletivas.
No terceiro e último período do desenvolvimento humano, que se caracteriza pela
puberdade e pela adolescência, o jovem passa por mudanças significativas no plano físico e
mental. Dessa forma, ao atingir, já no final dessa fase, a maturidade, o mesmo chega à plenitude
de seu desenvolvimento e adquire a consciência social.
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Em relação ao primeiro período do desenvolvimento humano, proposto por Montessori
(1965), o conceito de “mente absorvente” ou “mneme” p utilizado por ela para explicar o
desenvolvimento infantil e se refere à força mnêmica inconsciente da criança, responsável pela
retenção das impressões absorvidas desde o período inicial da infância. Na realidade, o período
da “mente absorvente” caracteriza-se pela absorção do ambiente pela criança, que acontece por
meio de sua vida sensorial, motora, afetiva e cognitiva.
Nesse período, formam-se a inteligência e as demais faculdades psíquicas, inclusive a
personalidade da criança. A “mneme” p diferente da memória usual por ser inconsciente, já que
seus conteúdos são absorvidos na relação com o mundo externo e permanecem no sujeito,
fazendo parte de sua personalidade. A língua materna, os hábitos e costumes, por exemplo, são
adquiridos por meio desse processo.
Montessori (1966) enfatiza que, na infância, a criança passa por períodos chamados
“sensíveis”, durante o processo do seu desenvolvimento psíquico, e faz, nesse decurso,
descobertas significativas ao se relacionar com o mundo exterior. Cada esforço representa um
acréscimo de poder e, somente quando se completa essa aquisição, p que aparecem, no “período
sensível”, o auge da indiferença e a fadiga, como assinala a autora:
Mas quando se extingue uma dessas paixões psíquicas acendem-se outras chamas,
decorrendo assim a infância, de conquista em conquista, em contínua vibração vital que
todos reconhecemos, chamando-lhe alegria e felicidade natural infantil;
[...] mas,
terminando o período sensível, as conquistas intelectuais passam a depender de uma
atividade reflexiva, do esforço da vontade e trabalho de pesquisa, e no topor da
indiferença nasce a fadiga do trabalho (MONTESSORI, 1966, p. 68).
Se durante esse período algum obstáculo se opõe à sua atividade vital, dá-se uma
perturbação de comportamento, daí surge o embate com o adulto, que, por não entender essa fase,
considera como um capricho infantil algumas atitudes da criança. Os caprichos são, na realidade,
expressões de uma perturbação interna, de um desejo insatisfeito que promove um estado de
tensão na criança. Esses caprichos do
“período sensível” são expressões de necessidades
insatisfeitas, que sinalizam para uma situação adversa e que desapareceriam se houvesse
possibilidade de compreensão e satisfação. São esses momentos que é possível se desvendar os
mistérios da alma infantil e compreender o seu comportamento (MONTESSORI, 1966).
No “período sensível”, o desenvolvimento não acontece por acaso, pois p guiado por
sentidos transitórios correspondentes a instintos temporários, aos quais está ligada a aquisição de
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várias características. Considerando-se que esses eventos são possibilitados graças à intervenção
do ambiente externo, o qual, embora ofereça as condições necessárias para a vida, como a
nutrição e o oxigênio para a respiração, não tem valor construtivo, pois são os sentidos interiores
que orientam as escolhas das crianças, fazendo com que as mesmas sejam sensíveis a algumas
situações e indiferentes a outras, segundo explicação de Montessori (1966).
A linguagem é considerada pela autora como um instrumento fundamental de interação
adulto e criança. Nesse período que corresponde à sua fase de maior sensibilidade, entretanto, a
criança ainda não consegue externalizar verbalmente seus sentimentos, que permanecem secretos,
a não ser por meio de manifestações expressivas ou gestuais. Neste sentido, Montessori (1966),
afirma que “a única coisa que pode fazer-nos avaliar, do exterior, o estado sensitivo da criança é o sorriso
e, manifesta alegria quando lhe são dirigidas breves palavras” (p. 73).
Um outro elemento importante, no “período sensível” da criança, diz respeito à ordem
externa, não a que se relaciona com as questões de regras, mas a que se refere à organização do
ambiente. No cotidiano, a desordem do espaço físico pode acarretar, na criança, sofrimento e
agitação, fazendo com que ela apresente um comportamento de choro e descontentamento frente
aos adultos. O exemplo a seguir demonstra como acontecem esses eventos, na relação entre a
criança e o ambiente em que vive:
A principal personagem é uma menina de cerca de seis meses de idade. À nursery, isto é,
ao quarto onde habitualmente a criança permanece, chega um dia em visita uma senhora
que põe o chapeuzinho de sol sobre a mesa. A menina parece agitar-se; claro que não o
faz pela senhora, mas por causa do chapéu, porque depois de longamente o ter olhado
começa a chorar. A senhora, interpretando como desejo da criança ter o chapéu, apressa-
se a levar-lhe, acompanhando o ato com os sorrisos e carinhos que é costume
proporcionar às crianças. Mas a pequenina empurra o objeto e continua a gritar. Seguem-
se outras tentativas análogas, mas a menina agita-se cada vez mais. Que fazer? Eis que
se esboça um daqueles caprichos precoces que se apresentam quase desde nascença.
Subitamente a mãe da criança, que tinha alguns conhecimentos das manifestações
psíquicas de que falávamos, tira o chapéu da mesa e leva-o para o compartimento
vizinho. A criança acalma-se imediatamente (MONTESSORI, 1966, p. 84).
Na realidade, o sofrimento da criança era o chapéu sobre a mesa, ou seja, o objeto fora do
lugar de costume que perturbava. É importante mencionar que essa sensibilidade relacionada ao
ambiente externo vai desaparecendo com o avanço da idade.
Um outro exemplo, que ilustra essa fase sensível na vida da criança, deixa claro que a
desorganização do ambiente externo pode ser um fator de descontentamento por parte de algumas
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crianças e de indiferença para outras, dependendo da situação. Trata-se de um menino mais
velho, com um ano e meio de idade que passeava com a mãe, junto a um pequeno grupo de
visitantes, na passagem para a gruta de Nero, em Nápoles, assim narrados:
Conosco estava uma jovem senhora que trazia uma criança na realidade demasiado
pequena para poder percorrer a pé aquele caminho subterrâneo que atravessa toda uma
colina. Daí a algum tempo a criança parou e a senhora pegou-lhe no colo. Mas não tinha
calculado as próprias forças. Como sentisse calor, deteve-se para tirar o casaco e pô-lo
no braço; e, com esse estorvo, pegou também o menino. Este desatou a chorar cada vez
com mais intensidade e desespero. Em vão a mãe procurava acalmá-lo; via-se que estava
exausta e começava a enervar-se. à sua volta ficaram todos perturbados e naturalmente
ofereceram ajuda. A criança passava de colo para colo, cada vez mais agitada e à força
de exortações e de gritos a situação piorou. Era evidente a necessidade de a mãe tornar a
pegar nela. Mas o garoto chegara ao auge do que se chama capricho, e o caso parecia
desesperado. Nesse momento interveio o guia com sua energia de homem decidido e
agarrou a criança nos braços robustos. Houve então uma reação violenta da criança. Eu
pensava que estas reações têm sempre uma causa psíquica correspondente a uma
sensibilidade interna e fiz uma tentativa. Aproximei-me da mãe da criança e pedi-lhe:
“minha senhora, permite-me que a ajude a vestir o casaco?”. Ela olhou-me espantada
porque ainda tinha calor, mas, confusa, correspondeu ao pedido e deixou-se vestir. A
criança acalmou logo. Cessaram as lágrimas e a agitação (MONTESSORI, 1966, p. 85).
Esses exemplos indicam a intensidade dos comportamentos apresentados pelas crianças,
os quais, normalmente, acontecem muito precocemente nos primeiros anos de vida. Na realidade,
a ordem das coisas e a manutenção dos objetos sempre no mesmo lugar facilitam a orientação e o
domínio da criança em relação ao ambiente, e “[...] tal formação construtiva não se efetua
segundo uma fórmula vaga, porque exige uma orientação precisa e determinada”
(MONTESSORI, 1966, p. 87).
No que diz respeito ao desenvolvimento, a natureza confere à criança a sensibilidade à
ordem. Essa construção se dá internamente e não se reduz à distinção entre os objetos, abrange as
relações entre eles. Nesse sentido, a inteligência da criança não se estrutura a partir do exterior,
mas se inicia quando, internamente, a mesma se apropria de imagens do ambiente, captando-as
por meio dos sentidos, o que é muito diferente da pura capacidade de receber essas imagens como
um espelho do ambiente externo.
Esse desenvolvimento, segundo a autora, se dá, justamente, pela sucessão dos “períodos
sensíveis” que ocorrem na relação da criança com o meio. Na transição entre um período e outro,
concorrem as chamadas “fases nebulosas”, que seriam as energias criativas que orientam a
criança na absorção do ambiente, dando-lhe o substrato necessário para o desenvolvimento, ou
seja, para que as potencialidades possam ser materializadas como uma evolução efetiva. Um
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exemplo seriam as energias nebulosas da linguagem infantil, que tornam a criança capaz de
absorver os sons da língua falada e outras propriedades que lhe permitem internalizar a língua
materna.
Para a conclusão dessas premissas, os estudos de Montessori (1966) inspiraram-se nos
fundamentos científicos dos médicos Jean-Marie Gaspard Ytard, otólogo francês, e Édouard
Séguin, os quais possibilitam a estruturação do seu trabalho na clínica psiquiátrica, junto às
crianças deficientes mentais, e a elaboração de uma proposta pedagógica que priorizasse o
desenvolvimento infantil dessas crianças e, posteriormente, das crianças normais. Sua proposta
pedagógica teve forte influência desses estudos, uma vez que o pano de fundo de toda a sua obra
foi a de busca pelo estabelecimento de uma relação entre a sensação, o intelecto e a vontade da
criança, desde que essa educação acontecesse num ambiente de liberdade e estímulo.
Princípios pedagógicos e a educação dos sentidos propostos por Montessori
Apesar de trabalho de Montessori
(1966) ter se iniciado com crianças deficientes,
defendia, em sua pedagogia, que entre essas crianças e as normais existiria uma diferenciação de
comportamentos e aprendizagens somente no que diz respeito ao ritmo e ao tempo. Entre as
deficientes, esses eventos aconteceriam de maneira mais lenta, enquanto que, entre as normais,
esses eventos aconteceriam normalmente; tendo as duas a possibilidade de desenvolvimento e
aprendizagem.
Isso posto, deixa claro que, no início de sua carreira, ao trabalhar com as crianças, teve
“logo a intuição de que esses mptodos de ensino não tinham nada de específico para a instrução
de crianças excepcionais, mas continha princípios de uma educação mais racional do que aquelas
que atp então vinham sendo usados” (MONTESSORI, 1965, p. 28). Assim, ela elaborou uma
“Pedagogia Científica” a partir de sua experiência com crianças pobres, a qual foi desenvolvida
no bairro de San Lorenzo, em Roma, e retratada em sua obra “A Criança”, a origem do seu
método. Conforme relata:
Foi em seis de janeiro de 1906, quando inaugurou a primeira escola para crianças
pequenas normais de três a seis anos, não posso dizer com meu método, porque ele ainda
não existia, mas, estava prestes a nascer. Nesse dia estavam ali apenas 50 criancinhas
muito pobres de aspecto tosco, tímidas, choronas, quase todas filhas de analfabetos, que
tinham sido entregues aos meus cuidados (MONTESSORI, 1966, p. 165).
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Seu projeto inicial tinha como objetivo juntar os filhos pequenos dos operários que
habitavam um prédio popular, para que não ficassem ociosos durante o dia. Para isso foi
fornecida uma sala do próprio prédio, e que serviria de espaço para a organização de diferentes
atividades junto às crianças, “solicitaram-me que me encarregasse dessa instituição que poderia
ter um belo futuro; tive a indefinível impressão de que iria nascer uma obra grandiosa”
(MONTESSORI, 1966, p. 165). A proposta da Pedagogia Científica baseava-se na necessidade
de se ir além do diagnóstico dos problemas educacionais, no qual a ideia era propor uma
aprendizagem por meio dos sentidos, respeitando-se, sempre, a individualidade de cada criança e
o ritmo do seu desenvolvimento.
Segundo Angotti (2007, p. 105) “o ideal de escola nessa pedagogia reside em propiciar e
garantir as manifestações espontâneas e da personalidade da criança, de permitir e aflorar do livre
desenvolvimento da atividade no ser humano em sua infkncia”. Para essa autora as pesquisas de
Montessori foram importantes para sua época, e ao mesmo tempo se mantém inovadora ainda
hoje, sobretudo em relação ao método ativo para a preparação racional dos indivíduos à
sensações e percepções. É a educação baseada no desenvolvimento dos sentidos, que guarda
importante valor pedagógico e científico, já que o desenvolvimento dos sentidos precede o das
atividades superiores intelectuais (ANGOTTI, 2007).
Por meio da observação, Montessori (1966) conseguiu compreender as manifestações das
crianças no aspecto relacionado à concentração, quando essas interagiam com os exercícios
propostos. Com base em diferentes experiências vivenciadas com crianças pobres, no ano de
1907, inaugurou-se a primeira “Casa dei Bambini”. Montessori (1966) enfatizou que o primeiro
fenômeno que chamou sua atenção foi o de uma menina de cerca de três anos que fazia o
exercício de encaixar e destacar os pequenos cilindros dos encaixes sólidos;
“[...] fiquei
surpreendida de ver uma menina tão pequena repetir interminavelmente, e, com profundo
interesse, um exercício. Não se notava qualquer progresso na rapidez e destreza da execução, era
uma espécie de moto-contínuo” (p. 166).
Por meio da observação a autora contava os exercícios no sentido de verificar até onde
podia resistir à concentração da criança, “com rápido movimento a menina tinha pegado nos seus
objetos e, pondo-os em cima dos joelhos, continuou no mesmo trabalho; parece nem se quer, ter
dado conta de todas as manobras que não tinham conseguido perturbá-la” (MONTESSORI, 1966,
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infância.
p. 172). Essa concentração da criança era acompanhada por um movimento rítmico da mão em
volta de um objeto preciso, que chamou de repetição do exercício.
Desta maneira, afirmava que, independentemente da opção metodológica do professor, a
ação educativa deve propiciar as
“condições do ambiente que favoreçam a aparição dos
caracteres normais que estejam ocultos na criança; para tal fim, basta apenas, afastar os
obstáculos”
(MONTESSORI, 1966, p. 201). Um ambiente adequado, um bom professor e
material científico são os três pontos que podem auxiliar a criança nos momentos de
aprendizagem. Para tanto, o ponto de partida para a promoção do desenvolvimento das
manifestações espontâneas e da personalidade da criança deveria ser a observação e o estudo da
mesma, em sua livre ação. Isso porque o mptodo de observação “há de fundamentar-se sobre uma
só base: a liberdade de expressão que permite às crianças revelar-nos suas qualidades e
necessidades, que permaneceriam ocultas ou recalcadas num ambiente infenso à atividade
espontknea” (MONTESSORI, 1965, p. 42).
Na sua perspectiva o espaço físico e o ambiente são elementos importantes, como o
padrão de mobília escolar, por exemplo, que deveria corresponder à necessidade da criança de
agir de maneira inteligente no espaço, como pode ser observado na figura 1, que mostra uma sala
montessoriana em Amsterdã, na década de 1930.
Figura 1 - Sala organizada com base na orientação espacial de Montessori
Fonte: HILSDORF, M. L. S. Vida em expansão. Viver Mente e Cérebro, São Paulo, n. 3, p. 17-27, 2005.
Suplemento especial: Maria Montessori. (Coleção Memória da Pedagogia). p.18.
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A mobília deve ser adequada à idade e ao tamanho da criança, como, por exemplo: mesas
leves; cadeirinhas de madeira que podem ser carregadas de um lado para o outro; pias baixas,
acessíveis às crianças; estantes baixas com materiais de desenvolvimento para trabalhar com a
educação dos sentidos; lousas e pequenos quadros sobre a vida em família, entre outros materiais
que devem fazer parte da organização do espaço na sala de aula.
As mesas, as cadeiras, as pequenas poltronas, leves e transportáveis, permitirão à
criança, escolher a posição que lhe agrada; ela poderá, por conseguinte, instalar-se
comodamente, sentar-se em seu lugar: isto lhe constituirá, simultaneamente, um sinal de
liberdade e um meio de educação (MONTESSORI, 1965, p. 44).
Essa liberdade de movimento exige outro olhar do professor em relação à disciplina em
sala de aula, pois, num ambiente onde a criança almeja transitar livremente com os materiais que
lhe são oferecidos, não se pode coibi-la da livre movimentação, uma vez que “o indivíduo p
senhor de si mesmo, e, em decorrência, pode dispor de si ou seguir uma regra de vida”
(MONTESSORI, 1965, p. 45). A disciplina não é fácil de ser praticada no cotidiano de uma sala
de aula, já que demanda uma postura diferenciada do professor, com base em uma concepção
mais inovadora de educação, pois “requer-se da mestra uma técnica especial para introduzir a
criança nesta via de disciplina em que ela deverá depois, caminhar a vida toda, em marcha
incessante para a perfeição” (MONTESSORI, 1965, p. 45).
A liberdade deve ter como limite, no entanto, o interesse coletivo. Isso quer dizer que
cabe ao professor interferir quando a criança apresentar um comportamento que prejudica o
outro. O objetivo, nesse contexto, é disciplinar o comportamento e não imobilizar a criança ou
torná-la passiva. O movimento da criança disciplinada torna-se, com o tempo, mais coordenado e
perfeito, pois esta aprende a controlar os seus próprios gestos e, por sua vez, “a mestra tirará suas
conclusões observando como as crianças substituem seus primeiros movimentos desordenados
por movimentos espontkneos disciplinados” (MONTESSORI, 1965, p. 50).
Para Araújo e Araújo (2007), a liberdade dos alunos deve ser o pivô fundamental da
pedagogia científica, pois permite o desenvolvimento das manifestações espontâneas individuais
da criança.
O seu labor é feito de atividade, ela cresce com exercício e movimento: a criança
exercita-se e move-se fazendo experiências e, assim como coordena os seus movimentos
e vai registrando, vindas do mundo exterior, as emoções que plasmam sua inteligência,
vai conquistando a linguagem com fadiga, com milagres de atenção e esforços iniciais,
que só lhe são possíveis a ela (ARAÚJO; ARAÚJO, 2007, p. 127).
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Na realidade, a finalidade de se possibilitar a livre movimentação, em sala de aula, é
conduzir a criança, paulatinamente, rumo à independência necessária em um indivíduo adulto, ou
seja, rumo à autonomia. Um dos pilares da proposta montessoriana é o exercício da escolha, ou
seja, o desenvolvimento dessa habilidade permite as crianças o desejo de se tornarem
independentes. É importante ressaltar que neste processo elas vão construindo sua identidade
individual. Por isso a importância de um ambiente bem organizado, que ofereça múltiplas
oportunidades para que possam optar por uma ou outra atividade.
Assim, para ser produtiva, qualquer atividade pedagógica deve proporcionar um avanço
no caminho da independência, ou seja, atividades simples como andar, correr, subir e descer
escadas, pegar objetos no chão, vestir-se, pentear-se, alimentar-se e lavar-se devem ser
priorizadas no cotidiano escolar para que as crianças se tornem mais independentes. A figura 2
apresenta uma escola montessoriana em Berlim, na década de 1928, no momento do lanche que é
servido por elas mesmas, expressando o sentido da atividade em grupo.
Figura 2 - Hora do lanche
Fonte: LIMA, Edmara de. O exercício da autonomia. Viver Mente e Cérebro, São Paulo, n. 3, p. 67-75,
2005. Suplemento especial: Maria Montessori. (Coleção Memória da Pedagogia). p. 69.
O ritmo de cada criança deve ser respeitado, no momento desses eventos, uma vez que os
prêmios e os castigos devem ser abolidos da sala de aula (MONTESSORI, 1965). Premiar os
melhores e punir aqueles que apresentam um comportamento inadequado não ajuda a criança a
crescer, pois instiga nela a rebeldia.
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A classe vem a ser um meio ambiente preparado no qual tem lugar o estudo positivo. As
suas atividades devem levar sempre a realização do potencial da criança. Quando
fracassamos em aprender, chega o castigo natural que Montessori define, como a perda
da consciência do nosso próprio poder e grandeza que constitui a qualidade da
humanidade (ARAÚJO; ARAÚJO, 2007, p. 122).
A tarefa do professor é a de estruturar a classe de forma a dar significado às experiências
da criança, desse modo, o plano de estudo “deve ser desenvolvido por antecipação como uma
série de tarefas evolutivas que capacitam a criança quanto antes para o crescimento necessário”
(ARAÚJO; ARAÚJO, 2007, p. 123).
Quando Montessori (1965) defende a liberdade infantil, ela não está se referindo aos atos
externos desordenados que as crianças realizam, mas à liberdade como um elemento fundamental
para o desenvolvimento normal da criança. Neste sentido, orienta que “em primeiro lugar, pense-
se em criar um ambiente adequado, onde a criança possa agir tendo em vista uma série de
interessantes objetivos, canalizando, assim, dentro da ordem, sua irreprimível atividade, para o
aperfeiçoamento” (MONTESSORI, 1965, p. 58).
A criação de um ambiente adequado, no entanto, só pode contribuir para o
desenvolvimento da criança, se, acima de tudo, for higiênico, já que a saúde influi sobre o
coeficiente psíquico da mesma. Portanto, “urge construir um ambiente que comporte as melhores
condições de higiene possíveis” (MONTESSORI, 1965, p. 62).
Sendo prioritária uma organização espacial que promova a livre movimentação da
criança, a educação dos movimentos se faz necessária no contexto da escola, uma vez que
contribui, de maneira eficaz, para o desenvolvimento dos músculos e da personalidade infantil.
Na realidade, a criança pequena está em constante movimento, pois ela se mexe sem parar,
arrasta-se pelo pavimento “corre e quer pegar em tudo; aos nove anos o garoto caminha e se agita
sem sentir a necessidade de se arrastar pelo chão ou pegar tudo o que encontra” (MONTESSORI,
1965, p. 79). Assim:
Atravessam o período da vida em que é necessário tornar-se senhor dos próprios atos.
Sem que lhe possamos perceber as íntimas razões fisiológicas, as forças musculares e
nervosas estão agora naquela fase em que se processa a paulatina coordenação dos
movimentos (MONTESSORI, 1965, p. 85).
Considerando-se a enorme mobilidade infantil, a educação dos sentidos, proposta por
Montessori (1965), faz-se necessária no contexto da sala de aula, uma vez que, por meio dela, a
criança se desenvolve não só cognitivamente, mas, sobretudo, fisicamente, e adquire novas
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infância.
aprendizagens. Dessa maneira, a educação sensorial precede as atividades intelectuais mais
complexas, uma vez que, no período da infância, a inteligência está em plena formação.
O desenvolvimento dos sentidos poderá auxiliar a criança mediante “uma graduação e
adaptação dos estímulos, assim, deve-se auxiliá-la na formação da linguagem, antes que esta
esteja completamente desenvolvida” (MONTESSORI, 1965, p. 98).
No período que vai dos três aos seis anos de idade, a criança passa por um crescimento
físico muito rápido, no qual as atividades psíquicas e sensoriais também se formam. A criança
sente-se atraída pela observação do ambiente, devendo, o professor, incentivá-la em situações em
que os sentidos são aflorados. Os sentidos nada mais são, segundo a autora, que órgãos de
apreensão das imagens do mundo externo, assim como as mãos, por exemplo, que tocam e
manuseiam objetos fazendo com que a criança reconheça suas diferentes funções na vida prática.
Os materiais como quadros que ensinam a abotoar, dar laços, fazer nós; lavabos para as mãos;
panos para limpar o chão; escovas para limpar sapatos, tapetes, vassouras e espanadores para tirar
o pó deve estar disponível na sala de aula.
Assim, as tarefas domésticas devem, necessariamente, fazer parte do cotidiano das escolas
infantis, já que são ocupações que possibilitam a ela, o desenvolvimento da inteligência e a
aquisição da cultura.
Estender tapetes e enrolá-los, depois de usados; estender a toalha sobre a mesa à hora
das refeições, dobrando-a depois e colocando-a em seu devido lugar; alimentar-se
polidamente, retirar pratos e talheres, lavá-los e colocá-los no armário, são trabalhos
cujas dificuldades são graduadas e que exigem um desenvolvimento gradual do caráter
(MONTESSORI, 1965, p. 59).
Na realidade, essas atividades rotineiras são “sistemas combinados para educação dos
sentidos e para o ensino do alfabeto, números, escrita e aritmética, na qual esse conjunto de
objetos denomina-se, material de desenvolvimento” (MONTESSORI, 1965, p. 59).
A figura 3 ilustra uma atividade relacionada à vida prática denominada “quadros para
abotoar”, utilizados em gestos repetitivos, cuja função p desenvolver a habilidade de amarrar, dar
laços, abrir e fechar diferentes tipos de fechos, botões presilhas e zíperes.
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Figura 3 - Quadro de abotoar
Fonte: ANGOTTI, Maristela. Espaços de liberdade. Viver Mente e Cérebro, São Paulo, n. 3, p. 54-65,
2005. Suplemento especial: Maria Montessori. (Coleção Memória da Pedagogia). p. 62.
É importante ressaltar que, a partir dessas orientações teórico-metodológicas, a autora
desenvolveu novas técnicas para a educação sensorial com o objetivo de estimular o
desenvolvimento intelectual de crianças, em suas diferentes faixas etárias.
Considerações finais
Montessori (1965) ressaltou a importância da formação do professor, para que este
pudesse ter condições necessárias para conhecer cada criança e suas especificidades, uma vez que
é ele quem possibilita à mesma a definição de seus próprios passos e de suas escolhas, de acordo
com o seu interesse natural. Assim, cabia ao professor a preparação do ambiente e a apresentação
dos materiais, de modo a permitir à criança a livre movimentação e a liberdade de escolha dentro
de cada atividade proposta; daí a importância do seu conhecimento acerca da criança por meio da
observação de seus interesses e necessidades.
Essa nova forma de conceber o desenvolvimento da criança e o modo como essa interage
com o mundo que a cerca, possibilitou a Montessori (1965) a criação de diferentes materiais para
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subsidiarem o seu método. Seu trabalho ficou conhecido tanto na Itália como em outros países e
chegou ao Brasil por volta de 1910, expandindo-se nas escolas brasileiras durante as primeiras
décadas do século XX e XXI.
Referências
ANGOTTI, Maristela. Maria Montessori: uma mulher que ousou viver transgressões. In: OLIVEIRA-
FORMOSINHO, Júlia; KISHIMOTO, Tizuko Morchida; PINAZZA, Mônica Apezzato. (org.).
Pedagogias(s) da infância: dialogando com o passado: construindo o futuro. Porto Alegre: Artmed, 2007.
p. 95-113.
ARAÚJO, Joaquim M. de; ARAÚJO; Albert F. Maria Montessori: infância, educação e paz. In:
OLIVEIRA-FORMOSINHO, Júlia; KISHIMOTO, Tizuko Morchida; PINAZZA, Mônica Apezzato.
(Org.). Pedagogias(s) da infância: dialogando com o passado: construindo o futuro. Porto Alegre:
Artmed, 2007. p. 116-144.
MONTESSORI, Maria. A criança. 4. ed. Lisboa: Portugália, 1966.
MONTESSORI, Maria. Pedagogia cientifica: a descoberta da criança. São Paulo: Flamboyant, 1965.
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