Diocese de Guarapuava: uma estratégia político-educacional da Igreja
Católica no Paraná
Janete Queirós
Névio de Campos
Resumo: Este artigo tem por objetivo discutir o processo de criação da Diocese de Guarapuava como uma estratégia
político-educacional da Igreja Católica, circunscrita no contexto da segunda metade do século XX. Apoia-
se em Pierre Bourdieu, principalmente nos conceitos de campo e estratégia, bem como no Livro Tombo, no
Boletim Diocesano e na literatura que tem a Igreja Católica em seu horizonte investigativo, os quais nos
permitem afirmar que a presença da Diocese de Guarapuava ao longo dos bispados de D. Helmel (1966-
1986) e D. Cavallin
(1986-1992), expressa uma estratégia político-educacional, pois objetiva criar
condições mais efetivas de evangelização ou/e de aproximação entre clero e fiéis, assim como de
mecanismos para garantir a presença da Igreja Católica nos diferentes espaços do mundo social.
Palavras-chave: Diocese de Guarapuava. Igreja Católica. Campo religioso. Campo educacional.
The Diocese of Guarapuava: a political-educational strategy of the
Catholic Church in Paraná
Abstract: This article discusses the process of creating the Diocese of Guarapuava as a political-educational strategy
of the Catholic Church in the context of the second half of the 20th century. This work bases itself on Pierre
Bourdieu especially on the concepts of field and strategy as well as on the Tombo Book, the Diocesian
Bulletin and on literature which delves into the Catholic Church. These allow us to state that the Diocese of
Guarapuava, during the bishoprics of D. Helmel (1966-1986) and D. Cavallin (1986-1992), expresses a
political-educational strategy as it aims at creating more effective conditions for evangelizing and/or
bringing the clergy closer to the congregation, as well as mechanisms that guarantee the presence of the
Catholic Church in the different spheres of the social world.
Keywords: Diocese of Guarapuava. Catholic Church. Religious field. Educational field.
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QUEIRÓS, Janete; CAMPOS, Névio de. Diocese de Guarapuava: uma estratégia político-educacional da Igreja Católica no
Paraná.
Introdução
Este artigo discute o processo de criação da Diocese de Guarapuava1 como estratégia
político-educacional da Igreja Católica, enfatizando que o estabelecimento dessa Diocese estava
associado ao contexto de expansão do catolicismo no território paranaense e buscava estabelecer
ações educativas de alcance geral (jornais) e de âmbito específico (escolas). Em termos mais
precisos, essa estratégia da Igreja Católica é analisada sob a hipótese de que havia necessidade de
reafirmação da doutrina católica, buscando estabelecer uma atualização do pensamento
confessional aos domínios do mundo social da segunda metade do século XX.
O percurso argumentativo segue dois momentos. Em primeiro lugar, ao discutir a
vinculação da Paróquia Nossa Senhora do Belém à Diocese de Ponta Grossa, busca-se mostrar as
representações e práticas alinhadas à política de romanização, ou seja, às diretrizes estabelecidas
pelo Vaticano I. Em seguida, ao reconstituir alguns aspectos da criação da DG, pretende-se
indicar o processo de transição entre os ditames do Vaticano I e as normatizações do Vaticano II.
É perceptível a mudança já nos termos utilizados pelo primeiro bispo da DG em relação ao bispo
da Diocese de Ponta Grossa. Entretanto, também é notável que no bispado de Dom Helmel
(1966-1986), primeiro bispo da DG, permanecem marcas do catolicismo do Vaticano I. Por outro
lado, é visível no bispado de Dom Cavallin (1986-1992), segundo bispo da DG, a incorporação
das orientações do Vaticano II, de Puebla e Medelín.
A partir do Vaticano II (1962-1965) o discurso da Igreja Católica apregoa uma posição de
respeito às outras religiões (diálogo religioso) e uma política ecumênica com as religiões cristãs
(ecumenismo religioso). Na década de 1960 há cada vez menos a explicitação de uma política de
disputa religiosa entre Igreja Católica e outras denominações religiosas. Ao contrário, na década
de 1930, a posição de confronto a outras religiões aparecia de modo bastante ostensivo
(CAMPOS, 2010). Essa observação acima indica que, em meados do século XX, a posição
política muda a forma de expressão, uma vez que não mais aparece de modo explícito uma
preocupação com o combate aos inimigos externos (integrantes de outras religiões). Entretanto,
1 Doravante DG. A cidade de Guarapuava está localizada a 250 quilômetros da capital paranaense, situada na região
centro-oeste do Paraná. Em 1871, foi elevada à condição de cidade, em um território que foi alvo da Coroa
portuguesa desde o final do século XVIII.
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Paraná.
essa posição não indica que a Igreja Católica deixou de reafirmar sua doutrina, assim como de
estabelecer estratégias para a disseminação de sua concepção religiosa.
Assim, para analisar o processo de constituição da DG utilizamos os conceitos de campo e
estratégia de Pierre Bourdieu
(2004,
2008), pois eles nos permitem compreender a ação
organizada da Igreja Católica, tendo em vista que a DG fez parte da estratégia católica que
buscava expandir a sua doutrina e o seu poder simbólico no mundo social. O mundo social é
compreendido por Bourdieu como um espaço social global, no qual os indivíduos participam de
vários campos, disputando o controle dos capitais pertinentes a cada um deles, bem como se
contrapondo a outros espaços sociais. Ele é composto por inúmeros campos, sendo que em cada
um existem disputas específicas, pois todos estão recortados pelo próprio campo do poder. No
que tange ao espaço social da Igreja Católica, esse é definido por Bourdieu como campo
religioso, o qual também está inserido e recortado pelo poder. Associada ao conceito de campo
está a categoria de estratégia. Bourdieu enfatiza que a noção de estratégia está relacionada ao
jogo, no qual o agente deve adaptar-se às regras, pois essas nem sempre são as mesmas, uma vez
que o jogo muda de acordo com o mundo social ou o grupo em que está inserido.
Em síntese, a presença institucional da Igreja Católica nas mais variadas regiões e
cidades, de modo particular a presença de uma diocese é interpretada como uma estratégia
político-educacional que objetiva criar condições mais efetivas de formação religiosa e moral,
garantindo sua presença institucional e simbólica nos diferentes espaços do mundo social.
Paróquia Nossa Senhora de Belém: circunscrição da Diocese de Ponta Grossa (1930-1965)
Desde a instalação da Diocese de Ponta Grossa (1930), o território de Guarapuava estava
sob sua jurisdição. Por meio da Bula Pontifícia Quun in dies numerus, o Papa Pio XI criou a
Diocese de Ponta Grossa. Ela foi criada canonicamente em 10 de maio de 1926 e sua instalação
deu-se somente em 1930, tendo como primeiro bispo Dom Antônio Mazzarotto.
Naquele momento, o Papa Pio XI sintetizou sua visão sobre a presença institucional da
Igreja Católica, assim como da condição dos católicos no Paraná.
Visto crescer de dia para dia o número dos fiéis, é oportuno se desdobrem as Provincias
eccleseasticas já existentes, e novas dioceses se erijam para que possam os Bispos assim,
e mais facilmente, apascentar [,] regêr e guiar o rebanho do Senhor que lhes está
confiado. Dentro desses moldes se ajusta no Brasil, a diocese de Corityba, cujas
extensas fronteiras coincidem com as do Estado do Paraná, e cujo número de fiéis
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rivaliza com o número crescente dos habitantes. É de justiça, portanto, o interesse dessas
almas se consulte mediante condizente recurso (PIO XI, 1926 apud DIOCESE DE
PONTA GROSSA, 2016, s.p., grifo nosso).
Com a jurisdição do bispo de Ponta Grossa, mais efetivas se mostraram as ações da Igreja
em Guarapuava. Uma das ações da Igreja Católica foi a criação de escolas. Em 1926, no Colégio
Católico Nossa Senhora de Belém, foi registrada a matrícula de 134 alunos (35 meninos e 99
meninas); na Escola Paroquial São José, 80 alunos (32 meninos e 48 meninas) (LIVRO TOMBO,
1926, p. 109).
Além das cartas pastorais, Dom Mazzarotto realizou, pessoalmente, um trabalho de
difusão do catolicismo, voltado às visitas pastorais de suas respectivas paróquias e capelas. Suas
viagens eram realizadas de carroça, a cavalo ou a pé, sendo mais extensa, a visita à paróquia de
Guarapuava que durou seis meses. O próprio D. Mazzarotto realizou o registro de sua visita no
Livro Tombo (Paróquia Nossa Senhora de Belém), que se realizou de 9 de maio de 1933 a 17 de
dezembro do mesmo ano. Segundo o bispo, a Paróquia de Guarapuava era composta por uma
vasta região territorial, não desfrutando de muitas estradas e recortadas por vários rios que, por
coincidência das chuvas, tornam-se perigosos. Ele dizia que a população era rude (LIVRO
TOMBO, 1933, p. 127). Ainda, ao retratar a visita, fez menção sobre a situação da sede
paroquial, da capela e dos bairros, destacando a necessidade de evangelização dos católicos:
[...] empregar todos os meios para a catechese do povo rude e ignorante e fazer-lhe
conhecer as noções mais indispensáveis do catecismo. A Congregação da Doutrina
Christã, fundando-se aos poucos e na medida do possível nas principais capellas, e a
palavra insistente dos sacerdotes tendente a exclarecer a consciência dos pais no
cumprimento do gravíssimo dever da educação dos filhos e o ensino do catecismo
ministrado pelos sacerdotes às crianças e aos adultos [...] as associações religiosas da
sede parochial foram durante nossa visita acrescidas da Obra Pontifícia da Propagação
da Fé, Obra Cathólica por excellência e pela qual tanto se empenha o nosso padre Pio XI
(LIVRO TOMBO, 1933, p. 127).
Ao tomar a indicação do bispo é possível notar a ausência de um habitus dos católicos
condizente com os preceitos da Igreja Católica. Esse diagnóstico foi acompanhado da observação
das ações já existentes, mas também de uma convocação para que o clero assumisse esse desafio
de catolicizar ou recatolicizar os fiéis. É nesse contexto que, sob a ótica de D. Mazzarotto, o povo
da região carecia de imediata orientação nos preceitos católicos, principalmente na questão dos
princípios educativos voltados ao trato da formação catequética. Aí a preocupação de tornar a
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Igreja o centro de fomentação das verdades do catecismo. Ao atingir os pais, esperava-se que eles
exercessem sua tarefa de educação dos filhos, associados com o trabalho educativo da Igreja.
Em 23 de abril de 1940, retornou a Guarapuava para outra visita, na qual suas orientações
pautaram-se na preocupação do preparo dos ritos sacramentais e no manejo dos sacerdotes na
orientação da fé para adultos e crianças. Naquela passagem por Guarapuava ele registrou:
[...] No fim do anno passado e no começo deste, percorremos pela segunda vez a
paróchia de Guarapuava. Apesar de, após a nossa primeira visita em 1933, ter sido ella
desmembrada e criadas mais 2 novas paróchias: Laranjeiras e Pitanga, que foram pela
Santa Sé, anexas à Prelazia de Foz do Iguaçu, mesmo assim é muito vasta e continua a
ser a maior paróchia da Diocese. Por causa desta extensão e estando, por isso, o povo em
geral rude, disseminado no enorme território, a visita parochial aos bairros sempre a
cavallo, torna-se fatigante e exige dos Sacerdotes espírito de verdadeira abnegação e
zelo. O povo necessita ser ensinado nas verdades mais rudimentares do catecismo.
Todas as circunstâncias e ocasiões devem pelos sacerdotes ser aproveitadas para
ministrar, tanto às crianças como aos adultos, o ensinamento dos elementos mais
necessários da religião (D. ANTONIO MAZZAROTO, 1940 apud LIVRO TOMBO,
1940, p. 147-148, grifo nosso).
Outra ação de formação religiosa foi atribuída aos missionários. Em 1938, a cidade
recebeu as chamadas Santas Missões, realizadas pelos padres Redentoristas. O número das
confissões foi de 1.010 e o das comunhões 2.595. Em 1943, realizaram-se novamente as Santas
Missões, pelos padres Franciscanos. O resultado do trabalho missionário consistiu em 397
casamentos, 26.684 confissões e 51.640 comunhões (A CONGREGAÇÃO DO VERBO DIVINO
NO BRASIL 1895-1945, 1945, p. 85-89).
Ao enfatizar o aspecto do ensino religioso na paróquia Nossa Senhora de Belém, a
Circular nº 15, escrita em 1935 tratou do ensino religioso para o povo, especificamente para os
participantes da missa. Essa circular direcionou o trabalho da Igreja na paróquia, devendo haver
em cada domingo uma explicação do catecismo para os adultos, no próprio ritual da missa, de
acordo com a hora mais apropriada a ser julgada pelo sacerdote (LIVRO TOMBO, 1935, p. 134).
Em suma, a narrativa deste item procurou evidenciar três aspectos. Em primeiro lugar, o
diagnóstico de que os católicos da região de Guarapuava desconheciam os preceitos básicos da
Igreja Católica. Esse diagnóstico foi produzido pelos representantes do clero da Igreja Católica. É
importante dizer que as pessoas, em regra, desconheciam os preceitos religiosos que estavam em
plena afirmação pelas diretrizes advindas do Vaticano I e do Vaticano II. O catolicismo do
período colonial e do Império caracterizava-se por um caráter mais flexível, mais aberto,
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denominado por alguns de catolicismo popular2 e por outros de religiosidade popular3. Esse
diagnóstico condicionou a sistematização de um conjunto de ações da Igreja Católica em
diferentes regiões do Paraná, seja de capelas, paróquias, mas principalmente dioceses. Esse
aparato da hierarquia católica teve por objetivo dar maior organicidade ao projeto formativo e
político da Igreja, pois foi constituído um número significativo de mecanismos de formação
social (escola, casas religiosas, catequese, visitas, missões) dos grupos católicos. Por fim, as
observações do primeiro bispo da diocese de Ponta Grossa indicam as dificuldades da presença
efetiva do prelado nas diversas paróquias, seja pelo longo período que separou a primeira visita
(1933) da segunda (1940), seja pela dificuldade decorrente do tamanho da própria paróquia de
Guarapuava.
Diocese de Guarapuava no contexto de expansão da Igreja Católica no Paraná
Uma preocupação recorrente era com a formação católica dos próprios fiéis, pois o clero
entendia que eles desconheciam os preceitos básicos do catolicismo. Buscava-se a evangelização
dos próprios católicos, uma vez que constituíam a maioria na DG. Nesses termos, a política da
Igreja Católica seguia a orientação estabelecida em 1890, no momento de reação ao ideário laico
da República brasileira.
No contexto do início da República, conforme Maurício de Aquino, a Igreja Católica
Apostólica Romana no Brasil estabeleceu as seguintes estratégias:
1. Unidade entre os bispos; 2. Reforma do clero; 3. Reforma das congregações e ordens
religiosas no Brasil; 4. Controle das irmandades e confrarias; 5. Ação missionária no
interior do Brasil; 6. Introdução de devoções europeias, sobretudo, a do Sagrado Coração
de Jesus e a da Sagrada Família; 7. Intensificação da catequese; 8. Formação de novas
dioceses; 9. Busca de novas fontes de arrecadação (AQUINO, 2012, p. 153-154).
A formação de novas dioceses diz respeito especificamente ao debate deste artigo. Com
relação a esse aspecto merece destacar a posição de Dom Macedo Costa:
2 Consultar Cultura popular e Catolicismo popular: usos e configurações sobre um estudo de caso na Minas
setecentista, escrito por Mariana Gino (GINO, 2012).
3 Consultar Religiosidade e cultura popular: catolicismo, irmandades e tradições em movimento, escrito por Mara
Regina do Nascimento (NASCIMENTO, 2009).
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O augmento das dioceses em proporção com a vastidão do paiz, numero das populações
e distancia dos centros, foi sempre um desejo muitas vezes manifestado ao governo, de
quem dependia a respectiva dotação. Livre agora a Santa Sé de erigir novas dioceses,
sem ingerencia alguma da parte do Estado, acha só estorvo na falta de uma dotação
conveniente, para que as novas Sés possam ser instituídas sobre as bases do Conc.
Tridentino (D. MACEDO COSTA, 1890 apud AQUINO, 2012, p. 154).
A constituição de novas dioceses foi uma estratégia da Igreja Católica no Brasil, ao longo
do século XX, pois permitia o estabelecimento de um conjunto de outras instituições, entre elas
escolas confessionais. No quadro abaixo é possível observar o processo de crescimento do
número de dioceses no Paraná.
Quadro 1 - Data de criação das dioceses paranaenses
DATA
DIOCESE
CRIAÇÃO
CURITIBA
27/04/1892
PONTA GROSSA
10/05/1926
JACAREZINHO
10/05/1926
PALMAS-FRANCÍSCO BELTRÃO
07/01/1947
LONDRINA
01/02/1956
MARINGÁ
01/02/1956
CAMPO MOURÃO
20/06/1959
TOLEDO
26/06/1959
PARANAGUÁ
21/07/1962
APUCARANA
09/02/1965
GUARAPUAVA
16/12/1965
PARANAVAÍ
20/01/1968
EPARQUIA DE SÃO JOÃO BATISTA DE CURITIBA DOS
29/11/1971
UCRANIANOS
UMUARAMA
26/05/1973
CORNÉLIO PROCÓPIO
26/05/1976
UNIÃO DA VITÓRIA
03/12/1976
CASCAVEL
05/05/1978
FOZ DO IGUAÇU
05/05/1978
SÃO JOSÉ DOS PINHAIS
19/03/2007
Fonte: Organizado pelos autores a partir dos dados dos sites das dioceses e da revisão de literatura.
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A formação de novas dioceses seguiu-se com a implantação do Vaticano II. Ainda é
possível perceber uma preocupação com o avanço de outras crenças religiosas, embora no
contexto do Vaticano II manifestava-se, ao menos no plano das ideias, em defesa do diálogo
religioso e ecumenismo. Essa preocupação pode ser observada em uma pesquisa estatística que
indicava a distribuição religiosa da população da cidade de Guarapuava em 1976. Conforme
levantamento, realizado entre julho e agosto de
1976, do total de
57.911 habitantes de
Guarapuava,
53.430
(90,5%) diziam-se católicos. Os demais estavam distribuídos entre
protestantes
(8,9%), espíritas
(0,5%), muçulmanos
(0,05%) e Budista
(0,009%)
(LIVRO
TOMBO, 1976, p. 42)4. A criação de dioceses é uma estratégia secular da Igreja Católica, mas no
Paraná do século XX houve significativa expansão, conforme pode ser observado no quadro
acima. Entretanto, as experiências históricas guardam certas particularidades, como mais adiante
o demostraremos ao discutir a relação entre os bispados de Dom Helmel e Dom Cavallin.
A Bula Pontifícia Christi Vices, que do latim significa o Lugar de Cristo, foi o documento
que tratou da criação da DG.
[...] Tendo ouvido o parecer de nossos Veneráveis irmãos, os cardeais da Santa Igreja
Romana, das Autoridades da Sagrada Congregação Consistorial e, por nossa suprema
autoridade, destacamos da Diocese de Ponta Grossa os territórios dos municípios
delimitados pela atual lei civil e que, popularmente se denominam: - Cândido de Abreu,
Cruz Machado, Guarapuava, Inácio Martins, Pinhão, Prudentópolis; - da Diocese de
Campo Mourão, os municípios Manoel Ribas, Pitanga e Palmital; da Diocese de
Toledo, o município de Laranjeiras do Sul; os mesmos criamos a Diocese que com eles
será constituída, limitada e se chamará GUARAPUAVA (PAULO VI, 1965 apud
MARCONDES, 1987, p. 5-6, grifo no original)5.
Na benção realizada à população e ao clero, o Papa notificou que a nova diocese já
possuía um pastor. Após consultar os cardeais da Sagrada Congregação Consistorial, informou
que o bispo pertencia à Congregação do Verbo Divino, ao qual o Vaticano outorgou todos os
direitos e obrigações inerentes ao Bispo (PAULO VI, 1965 apud MARCONDES, 1987, p. 9). O
Papa afirmou que o eleito enviado possuía todas as virtudes episcopais, tais como, piedade,
prudência e experiência. Além disso, solicitou: “[...] p sumamente conveniente, para o nosso bem
4 Resumo estatístico geral do levantamento religioso na cidade de Guarapuava efetuado em julho e agosto de 1976
por Irmã Ajor e sua equipe.
5 Salientamos que não tivemos acesso a Bula de Criação da Diocese de Guarapuava. Conforme o padre Acássio E. de
Oliveira, responsável pelo arquivo, esse documento foi perdido, pois os padres e o bispo não sabem o paradeiro do
documento.
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e o de vossa Diocese, apoiardes suas iniciativas, obedecendo-lhes as ordens e apoiando-o com
vossas orações” (PAULO VI, 1965 apud MARCONDES, 1987, p. 5-6). Por fim, recomendou que
o documento fosse lido pelo atual diretor da Igreja perante a população e o clero na Catedral da
DG.
Ao ser criada a nova diocese, competia ser devidamente instalada e receber a nomeação
de seu primeiro bispo. Posterior à criação da DG, o Núncio Apostólico do Brasil, D. Sebastião
Baggio, fez a comunicação ao bispo eleito:
[...] dignou-se benignamente elevar à dignidade episcopal o Reverendíssimo padre
FREDERICO HELMEL designando-o à sede episcopal de GUARAPUAVA no Estado
do Paraná. Disto se dá ciência ao Reverendíssimo Padre Frederico Helmel, para seu
oportuno conhecimento e norma. RIO DE JANEIRO, 24 DE MARÇO DE 1966 [...]
Reverendíssimo Padre Frederico Helmel Provincial da Sociedade do Verbo Divino
Seminário São Gabriel. Viena
- Áustria
(D. SEBASTIÃO BAGGIO, 1966 apud
MARCONDES, 1987, p. 11).
A informação contida na Bula emanada do Núncio Apostólico foi registrada no Livro
Tombo da Catedral Nossa Senhora de Belpm: “o Exmo. Sr. Núncio Apostólico junto ao governo
Austríaco, Dom Rossi, publicou a nomeação do então reitor do seminário ‘São Gabriel’ em
Viena, Frederico Helmel SDV para 1º bispo de Guarapuava” (LIVRO TOMBO, 1966, p. 17).
Cumprida esta parte do protocolo, faltava a consumação da chegada do bispo a
Guarapuava. Em 19 de junho de 1966, D. Frederico saiu de Viena e chegou ao Brasil,
desembarcando na cidade do Rio de Janeiro. No dia 23, seguiu para a capital do Paraná,
hospedando-se na residência do Arcebispo de Curitiba. Permaneceu naquela cidade até o dia 26
de junho. Nesse dia viajou para Guarapuava, em companhia do Arcebispo de Curitiba (Dom
Manuel da Silveira D’Elboux), Bispo de Ponta Grossa (Dom Geraldo Pellanda), Bispo auxiliar de
Curitiba (Dom Inácio), Bispo auxiliar eleito de Curitiba (Dom Pedro Fedalto), dos membros do
governo paranaense e pessoas convidadas. A viagem foi realizada em avião oficial do
Governador do Estado do Paraná (LIVRO TOMBO, 1966, p. 17).
Na chegada ao aeroporto de Guarapuava, Dom Helmel pronunciou um breve discurso
para as pessoas e autoridades presentes. Na Praça 9 de dezembro6 foi executada a leitura das
Bulas de Criação da Diocese e de Nomeação do Bispo. Após a leitura dos documentos e dos
discursos de boas-vindas, o bispo de Guarapuava celebrou a primeira missa. Em seguida, todos se
6 Essa praça fica em frente da Catedral Nossa Senhora de Belém.
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dirigiram para a Catedral, onde o bispo recebeu promessas de obediência de seu clero.
Posteriormente, realizaram uma breve visita à residência episcopal.
Figura 1 - D. Frederico Helmel discursa na chegada ao aeroporto de Guarapuava
Fonte: CATEDRAL Nossa Senhora de Belém. D. Frederico em entrevista no aeroporto de
Guarapuava. Guarapuava, PR, 1966. Álbum n. 1. Fotografia n. 41.
Nota: Aparecem na foto: João Carlos Prestes Taques (radialista-repórter); ao lado o Major
do Exército Amazino Hermógenes Lins; ao fundo, o Ex. Prefeito de Laranjeiras do
Sul Alcindo Natel de Camargo, D. Frederico Helmel; D. Geraldo M. Pellanda (Bispo
de Ponta Grossa) e o Prefeito de Guarapuava Nivaldo Passos Kruger. As pessoas foram
identificadas pelo próprio radialista João Carlos Prestes Taques na data (11/08/2011),
que na época trabalhava na Rádio Difusora AM.
A instalação da DG e a tomada de posse de D. Helmel foi registrada em ata:
Aos 26 dias do mês de Junho de 1966, por volta das 16 horas, na Praça fronteiriça à
Igreja Matriz, na cidade de Guarapuava, Estado do Paraná, presentes os Exmos. Revmos.
Srs. Bispos, abaixo assinados7; altas Autoridades, Membros do Clero Diocesano e
7 Assinaturas presentes: Frederico Helmel (Bispo de Guarapuava); Armando Cirio (Bispo de Toledo); Geraldo M.
Pellanda (Bispo de Ponta Grossa); José L. Mata (SDV- Provincial do Sul); Zaccharias E. Carboni (SDV- Provincial
Norte); João Röning (SVD- Vigário de Pitanga); Marcelo Tonetta (Laranjeiras do Sul); Carlos (Bispo de Palmas);
Elizeu (Bispo de Campo Mourão); Dom Albano (Bispo de Apucarana); Monsenhor Pedro Fedalto (Bispo Auxiliar
de Curitiba); Manoel da S. D’Elboux (Bispo metropolitano da Arquidiocese de Curitiba) e Pedro (Bispo de
Jacarezinho).
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Regular, e grande número de fiéis, sob a presidência do Exmo. Revmo. Sr. Dom Manuel
da Silveira D’Elboux, arcebispo Metropolitano de Curitiba, Delegado na execução das
Bulas Pontifícias, foram lidos, publicamente, os seguintes documentos:
1 BULA
APOSTÓLICA “CHRISTI VICES”[...] Decreto de Execução da Mencionada Bula
emanada pela Nunciatura apostólica [..] cuja leitura foi feita também em latim e em
português (LIVRO DE ATAS n. 1 apud MARCONDES, 1987, p. 14).
A chegada do bispo a Guarapuava ganhou as páginas da imprensa. No jornal Folha do
Oeste, de 27 a 04 de julho de 1966, a notícia ganhou destaque na primeira página.
Guarapuava recebeu domingo festivamente, seu primeiro Bispo, D. Frederico Helmel. A
recepção à máxima autoridade eclesiástica do bispado ocorreu às 10 horas, no
Aeroporto Tancredo de Faria, quando D. Helmel desceu do avião especial. Após os
contatos oficiais que tiveram lugar no Aeroporto, foi realizado um grandioso desfile de
carros em direção à praça da catedral de Nossa Senhora do Belém [...] o novo bispo foi
saudado pelo Prefeito Nivaldo Passos Kruger e Dr. Osman Caldas, 1º Promotor Público
da Comarca (FOLHA DO OESTE, 1966b, p. 1, grifo no original).
As palavras sublinhadas, na citação acima, denotam a aceitação do bispo e o seu
reconhecimento. As palavras máxima, grandioso e especial denotam a relevância do
acontecimento, ou seja, caracterizam que a DG representava a unidade eclesiástica.
Anteriormente, o mesmo jornal já havia anunciada a criação da DG, destacando o desejo dos
guarapuavanos em receber um bispado. Na edição semanal de 13 a 20 de junho de 1966, sob o
título Vida Católica, o jornal noticiou como a comunidade católica articulou-se diante da ideia de
a cidade ser sede de um bispado.
Guarapuava estava sendo cogitada como sede de um bispado ou ao menos como
prelazia. Em 1924 quando eram estudadas as novas sedes de bispados no Paraná, a
Nunciatura Apostólica propunha uma sede de bispado ou de prelazia em Guarapuava
para atendimento espiritual a todo o Oeste e Sudoeste paranaense. Como na época não
havia meios de comunicação e transporte para aquelas regiões do Estado, preferiu-se
colocar a sede de uma prelazia em Foz do Iguaçu, ficando a Congregação do Verbo
Divino na direção da mesma. Em abril de 1957 as autoridades civis de Guarapuava
enviaram um abaixo-assinado a D. Armando Lombardi, Núncio Apostólico no Brasil,
pedindo a criação do bispado de Guarapuava [...] o desejo tão longamente acalentado
pelo povo de Guarapuava realizou-se em 1965, quando foi criada a diocese (FOLHA DO
OESTE, 1966a, p. 7).
É notável que a descrição do evento de posse do bispo da DG ganhou uma dimensão
festiva e política. A criação da diocese deveria ganhar dimensões públicas, isto é, deveria ser
notificado que esse ato público contaria com autoridades de diferentes poderes do mundo social.
Não deveria expressar apenas uma celebração episcopal - a encarnação do poder espiritual, mas
também a presença do poder institucional da Igreja Católica. Nesse sentido, deve-se destacar a
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QUEIRÓS, Janete; CAMPOS, Névio de. Diocese de Guarapuava: uma estratégia político-educacional da Igreja Católica no
Paraná.
presença de autoridades civis (governo do Paraná e prefeitos das cidades que compunham a nova
Diocese), o que demonstra a profunda relação entre os poderes eclesiástico e civil na história do
Brasil. São os agentes do campo político demonstrando o reconhecimento da autoridade da Igreja
Católica no mundo social. Ao mesmo tempo, a Igreja concedendo certa legitimidade às
autoridades civis que participaram desse ritual eclesiástico. Por outro lado, há a preocupação
entre o clero em notificar os próprios fiéis para que legitimem esse ato eclesiástico. O ato de
celebração da primeira missa na condição de bispo materializou o seu reconhecimento como líder
episcopal da nova Diocese.
A posse do bispo da DG constituiu um rito de instituição. Nas palavras de Bourdieu
(2008, p. 98), “falar em rito de instituição p indicar que qualquer rito tende a consagrar ou a
legitimar”. Avançamos na nossa interpretação, trazendo a assertiva de que “[...] a investidura
consiste em sancionar e em santificar uma diferença, fazendo-a conhecer e reconhecer, fazendo-a
existir enquanto diferença social, conhecida e reconhecida pelo agente investido e pelos demais”
(BOURDIEU, 2008, p. 99, grifo no original). Bourdieu (2008, p. 99) explora a hipótese de que
“[...] a investidura exerce uma eficácia simbólica inteiramente real pelo fato de transformar
efetivamente a pessoa consagrada”, pois altera as representações e as práticas (comportamentos)
que os demais têm em relação a quem foi investido, assim como “[...] transforma ao mesmo
tempo a representação que a pessoa investida faz de si mesma, bem como os comportamentos
que ela acredita estar obrigada a adotar para se ajustar a tal representação” (BOURDIEU, 2008,
p. 99).
A institucionalização da DG contou com a participação das principais lideranças políticas
do Paraná. No caso da implantação dessa Diocese e da posse do primeiro bispo, assim como no
decorrer das atividades pastorais da Igreja os agentes do campo religioso mantinham boas
relações com os agentes do campo político. Isso pode ser observado na relação entre a Igreja e o
governo do Paraná, quando D. Frederico usou o avião oficial do Governador do Estado, na época
Paulo Cruz Pimentel (31/01/1966 a 15/03/1971) e de membros do governo8, assim como um
jantar na 26ª Guarnição de Artilharia de Campanha - GAC, salão do quartel do exército.
8 O registro do Livro Tombo não apresentou os nomes dos representantes do governo, apenas a expressão “membros
do governo” e “representantes do Senhor Governador da Assembleia Legislativa”.
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QUEIRÓS, Janete; CAMPOS, Névio de. Diocese de Guarapuava: uma estratégia político-educacional da Igreja Católica no
Paraná.
Figura 2 - Jantar no salão nobre do Exército em Guarapuava (1971)
Fonte: CATEDRAL Nossa Senhora de Belém. D, Frederico em jantar com o esquadrão
de cavalaria de Guarapuava. Guarapuava, PR. 1971. Álbum n. 1. Fotografia 56.
Nota: Aparecem na foto D. Frederico Helmel, à esquerda, Coronel Saldanha e à direita
Coronel Uzeda.
O contexto do poder político no momento de criação da DG era de Ditadura Militar. No
Paraná, os militares encontravam-se divididos entre os janguistas que apoiavam a posse de João
Goulart e a devolução dos poderes presidenciais, e, de outro, os contrários, que não aceitavam o
governo de Goulart devido à agitação política desse período. Naquela conjuntura, o Paraná era
governado por Ney Braga, Coronel do Exército, eleito pelo Partido Democrata Cristão. Em seu
governo, possuía apoio da maioria, porém, havia focos de descontentamento. O ano de 1964
iniciou-se com muita agitação nos quartéis. No dia 29 de março de 1964, o comandante interino
da 5ª Região Militar e 5ª Divisão de Infantaria convocou todos os coronéis em serviço na
guarnição de Curitiba para uma reunião, na qual todos decidiram manter a disciplina em qualquer
circunstância, manter a hierarquia e combater o comunismo (DUTRA, 2004, p. 198).
O bispo demonstrava uma relação amistosa com os representantes do sistema político
adotado na Ditadura Militar. A postura da Igreja Católica no Brasil entre 1940 e 1970, liderada
por D. Sebastião Leme, foi de aproximação com o Estado, através de grupos, obtendo um bom
relacionamento com os governantes, desestimulando qualquer hipótese de criação e articulação
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 20, n. 2, p. 485-505, ago. 2018
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QUEIRÓS, Janete; CAMPOS, Névio de. Diocese de Guarapuava: uma estratégia político-educacional da Igreja Católica no
Paraná.
de um grupo partidário católico. Assim, adotou-se na Igreja a estratégia de orientar os fiéis sobre
o dever do voto, e, principalmente, divulgar entre o povo católico em quem votar. O clero
deveria, rigorosamente, estar alheio às lutas partidárias. Cabiam aos leigos, membros das
associações religiosas,
“[...] percorrer as residências, espalhar os folhetos
[...] com vistas a
esclarecer e orientar os eleitores católicos. Os quais deveriam [...] examinar os candidatos [...]
qual a posição do candidato perante a Igreja?” (PIERUCCI; SOUZA; CAMARGO, 1984, p. 349).
Os autores afirmam que o alvo dessa atitude da Igreja era desarticular o partido comunista9.
As fontes selecionadas acima, isto é, os fragmentos e as imagens indicam, por um lado,
uma relação institucional entre representantes dos poderes eclesiástico, civil e militar. Por um
lado, evidenciam a continuidade da política que marcou o início da República, conforme destaca
José Oscar Beozzo:
A estratégia principal da Igreja na época republicana não visa diretamente ao povo e sim
às elites. É estabelecendo uma rede importante de colégios em todo o país que a Igreja
conta cristianizar as elites, para que estas por sua vez “cristianizem” o povo, o Estado, a
Legislação. É uma estratégia de reforma pelo alto, sobrando para o povo, sobretudo da
zona rural, as visitas do missionário para a desobriga pascal, os batizados e casamentos e
a pregação das Santas Missões. No mais, o povo continuará a viver uma religião
dompstica de “muito santo e pouca missa” afastado do padre e da prática sacramental da
Igreja (1984, p. 280).
No período marcante da romanização (século XIX até meados do século XX), o discurso
da Igreja Católica carregava forte sentimento autoritário, cuja tendência consistia em julgar como
incorretas as experiências das religiosidades populares. Essa posição pode ser observada nos
fragmentos citados anteriormente que foram retirados dos escritos de Dom Antonio Mazzarotto,
bispo de Ponta Grossa. De outro lado, ao consultar outras fontes, é possível observar uma Igreja
mais tolerante e disposta ao diálogo com os fiéis (povo). Nos termos de José Oscar Beozzo
(1984, p. 278), “esse projeto de aliança [da Igreja] com o povo renasce nos primeiros anos da
dpcada de [19]60”. Nessa direção podem ser interpretadas as observações do Papa Paulo VI:
9 Não queremos discutir a presença da Igreja no cenário político do voto, na formação dos partidos católicos.
Trazemos essa discussão a fim de evidenciar que o clero deveria estar neutro, do ponto de vista de organização de
um partido, porém articulado às elites políticas. No entanto, os católicos votantes deveriam examinar a conduta
pessoal do candidato que adotava a doutrina católica e seus valores. Nesse aspecto, a Igreja, por meio do laicato
(Liga Eleitoral Católica), deveria orientar os fiéis na escolha dos candidatos, privilegiando aqueles que eram
favoráveis aos preceitos do catolicismo.
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Paraná.
Ordenamos também e isto sob grave responsabilidade de consciência, que o sacro
Prelado de Guarapuava, quanto antes, construa o seu seminário para receber meninos e
jovens que se sintam chamados por Deus ao sacerdócio [...] por este motivo e sendo tão
grave a responsabilidade de governar uma igreja populosa, é sumamente conveniente,
para o nosso bem e o de vossa de Diocese, apoiardes suas iniciativas, obedecendo-lhes
as ordens e apoiando-o com vossas orações (PAULO VI, 1965 apud MARCONDES,
1987, p. 7).
De modo semelhante, as palavras de D. Helmel evidenciam uma posição de diálogo entre
a Igreja e os fiéis:
Com esse número sai, pela primeira vez, a criação mais nova de nossa diocese, o
Boletim Diocesano. Sai da cidade de Guarapuava com o desejo de entrar em todas as
paróquias, em todas as comunidades das capelas, nos próprios lares. O Boletim
Diocesano deseja ser antes de tudo um mensageiro da Diocese. O Boletim pretende ser
portanto um elo de união. As distâncias separam, a Igreja que nos une. Esta união
necessita de instrumentos, de laços de união. Um destes será o Boletim, que hoje inicia
sua vida. O Boletim será um mensageiro de união (BOLETIM DIOCESANO, jul. 1978,
p. 1, grifo nosso).
A aproximação entre Igreja e povo, conforme expressão de Beozzo, não é sinal de
cancelamento da relação com as lideranças intelectuais. Nesses termos, não é possível apregoar
uma visão de ruptura com as diretrizes emanadas do projeto de romanização10, nem defender uma
posição de que não houve mudanças nas posições da Igreja Católica.11 Na DG ganhou destaque, a
vinculação entre a Igreja e as lideranças políticas e culturais, durante o processo de criação da
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. D. Helmel esteve no ato cerimonial da inauguração da
Faculdade Estadual de Filosofia, Ciências e Letras de Guarapuava (FAFIG).
10 Sobre esse aspecto merece uma consulta atenta do artigo Bases temporais para o estudo histórico da Igreja
católica do século XX, escrito por Rodrigo C. Caldeira (2007). A posição de Caldeira é de problematizar a hipótese
de que o Vaticano II representou uma ruptura automática com relação aos elementos da romanização propalados
pelo Vaticano I. No decorrer de sua narrativa ele apresenta várias posições divergentes tomadas pelos mesmos
pontífices para defender a necessidade de buscar leituras menos esquemáticas. Nos termos de Caldeira (2007, p.
85), “o que a dinâmica de acomodação modernidade-antimodernidade nos demonstra é a necessidade de superar
essa chave de “ruptura”, pois permanecer nela p permanecer enclausurado dentro de perspectivas ideológicas do
catolicismo pós-conciliar, o que não interessa, cremos, a uma investigação honesta e profícua”.
11 Mais uma vez nos reportamos a Rodrigo Caldeira (2007, p. 85-86) quando afirma que “estudar o Vaticano II é
estudá-lo, portanto, com base em sua inserção nessa mesma complexidade. É reconhecer sua carga de alteração
dentro de uma continuidade [...]”. Acrescenta ainda Caldeira (2007, p. 86) que “em sua significação primeira,
mudança é uma ideia altamente paradoxal [...]. Dessa forma, avaliar e adjetivar o Concílio Vaticano II como uma
‘grande mudança’ que levaria a Igreja a transigir rápido e facilmente com a modernidade é não levar em
consideração o próprio caráter de toda mudança e, por sua vez, esbarrar em certa ‘mística da ruptura’ que não
insere o evento histórico dentro de um tempo longo, o ciclo modernidade-antimodernidade”.
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QUEIRÓS, Janete; CAMPOS, Névio de. Diocese de Guarapuava: uma estratégia político-educacional da Igreja Católica no
Paraná.
Figura 3 - Dom Frederico Helmel na inauguração da FAFIG
Fonte: BOLETIM DIOCESANO. Guarapuava - PR, ano 36, edição especial, abr./
maio 2011. p. 27.
Nota: Aparecem na foto D. Frederico, tendo a sua direita, Nildo Paes de Campos
e Nilson Rodrigues, a sua esquerda, Francisco Contini, Moacir Fantini,
Moacir Julio Silvestre, o então comandante da Unidade Militar e Edson
Sanches.
No dia 02 de março de 1970, D. Helmel realizou um discurso no ato cerimonial da
inauguração da FAFIG. Na foto, o rito cerimonial foi presidido pelo Bispo, o qual também foi
escolhido como primeiro Presidente do Conselho de Curadores (BOLETIM DIOCESANO, 2011,
p. 27). No Jornal de Guarapuava localizamos o discurso proferido pelo bispo12, no momento de
inauguração da referida Faculdade.
Neste grande empreendimento sente-se engajada também a Igreja de Guarapuava nesse
momento representada pelo seu bispo [...] e neste sentido, pois, de promover o homem
do 3º planalto em todas as suas dimensões que a Igreja presta sua colaboração a esta
Faculdade de Filosofia e apresenta seus sinceros agradecimentos às autoridades do
Estado e municipais, deseja ela, e é do propósito de todos nós, formarmos aqui o novo
homem do Centro-Oeste Paranaense, que será sem dúvida o homem técnico, o
homem intelectual, mas antes de tudo o homo sapiens, o homem sábio, capaz de
iniciar a marcha para o futuro neste início de segunda etapa da história
guarapuavana [...] pois assim cumpriremos a vontade do Criador e levaremos as
criaturas aos Braços do Pai
(DOM HELMEL,
1970 apud JORNAL DE
GUARAPUAVA, 1970, p. 1, grifo nosso).
12 Por se tratar de um discurso longo, priorizamos o trecho no qual o bispo fala sobre a Igreja e a Universidade.
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QUEIRÓS, Janete; CAMPOS, Névio de. Diocese de Guarapuava: uma estratégia político-educacional da Igreja Católica no
Paraná.
As relações entre Igreja Católica, as lideranças intelectuais da cidade de Guarapuava e as
autoridades políticas indicam as continuidades históricas. Essa observação reitera que existia uma
vinculação mais profunda, pois desde a implantação da República, a Igreja buscava garantir sua
posição nos meandros das políticas públicas. Entretanto, é possível observar diferenças nas
posições da Igreja Católica no Paraná. No contexto de criação da Diocese de Ponta Grossa, o tom
discursivo de Dom Antonio Mazzarotto carregava forte vinculação com o ideário romanizador.
Mais tarde, na conjuntura de criação da DG o discurso da Igreja Católica acompanhava os
debates dos novos tempos, isto é, as discussões oriundas do aggiornamento da teologia, cuja
expressão institucional é o Concílio Vaticano II13.
Essa diferenciação pode ser observada, de modo mais preciso, no próprio processo
histórico da DG, a partir de duas representações imagéticas do Boletim Diocesano.
Figura 4 - Mapa da diocese de Guarapuava
D. Frederico Helmel (1966-1986)
D. Albano Cavallin (1986-1992)
Fonte: BOLETIM DIOCESANO. Guarapuava - PR, Ano 16, n. 155, jan. 1991. p. 1
13 No período da romanização (século XIX até meados do século XX) o discurso da Igreja Católica carregava forte
sentimento autoritário, cuja tendência consistia em julgar as experiências históricas e religiosas dos grupos
subalternos como atrasados. Essa posição pode ser observada nos fragmentos dos textos escritos por Dom Antonio
Mazzarotto, bispo de Ponta Grossa. Por outro lado, nos termos de Josp Oscar Beozzo (1984, p. 278), “esse projeto
de aliança [da Igreja] com o povo renasce nos primeiros anos da dpcada de [19]60”.
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Paraná.
As duas imagens acima, retiradas do Boletim Diocesano14, traduzem a representação
criada sobre a DG. A que está à esquerda do leitor, representa o período do bispado de D.
Helmel. Aquela que se encontra à direita do leitor, é representativa do bispado de D. Cavalin. No
primeiro bispado, a mensagem caracteriza a Igreja no centro das ações educativas, expressando a
herança do projeto de romanização, no qual o clero controlava a direção da instituição. Já na
segunda, os fiéis conduzem a diocese, o que caracteriza uma mudança na direção das novas
orientações advindas do Vaticano II. Essa mudança não está atrelada apenas às posições
individuais dos bispos, mas ao movimento da Igreja Católica que ganhou materialização histórica
com diversos eventos de dimensões mundial como o Vaticano II, de alcance continental como
Puebla e Medelín ou de repercussão nacional como as lutas sociais da CNBB.
Na década de 1980, a Igreja Católica envolveu-se, de modo incisivo, com as questões
sociais do Brasil, sendo uma das expressões o tema da Campanha da Fraternidade de 1986 -
Terra de Deus, Terra de irmãos. Em 1974, foi criado o Centro Missionário de Apoio ao
Campesinato em Guarapuava, embora apenas tenhamos localizado no Boletim Diocesano da DG
uma nota a respeito dessa ação em maio de 1986. O cruzamento dessas informações permite
afirmar que até a Campanha da Fraternidade de 1986, a DG não se posicionou publicamente a
respeito dos trabalhadores do campo. Nesses termos, é fundamental reafirmar que, no contexto das
décadas de 1960 e 1970, os membros da Igreja Católica se depararam com a necessidade de
estabelecer sua doutrina em acordo com novas necessidades sociais, tendo que ingressar na arena do
mundo social com armas diferentes daquelas empreendidas entre o final do século XIX e a primeira
metade do século XX.
Considerações finais
Este artigo inscreve-se nos estudos que tratam da relação entre campo religioso e campo
educacional. A história da educação brasileira é demarcada pela presença física e simbólica do
catolicismo. Até o Império, o Brasil professava uma religião oficial, com fortes marcas na
organização escolar. Após a República não mais havia uma religião oficial. Não obstante, a Igreja
Católica, sob a liderança de Roma e pautada no projeto de romanização, sistematizou um
14 O Boletim Diocesano era considerado o porta voz da DG. Ele foi criado em julho de 1978, portanto, dois anos
após a criação da Diocese.
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Paraná.
conjunto de estratégias para difundir sua doutrina e manter-se presente nos mais diferentes
campos do mundo social. Tratava-se de afirmação dos valores católicos entre os próprios fiéis e
de combater outras representações e práticas sociais que estavam presentes no contexto brasileiro.
No campo religioso buscava-se difundir os preceitos oficiais oriundos das encíclicas
romanas e investir na formação de um clero alinhado à nova política teológica. No âmbito
educacional houve forte investimento na criação de ordens religiosas para estabelecerem escolas
confessionais. Além disso, passou-se a conformar parte significativa da elite intelectual a fim de
disputar os espaços responsáveis pela definição de políticas públicas no Brasil, em específico no
campo das políticas públicas educacionais. Não bastava ter o domínio nas principais cidades do
país. Ao contrário, mostrava-se urgente que escolas, hospitais e seminários espalhassem-se pelas
cidades do interior. Nesse movimento, a ação de base consistiria na expansão de dioceses como
uma importante estratégia nessa cruzada contra a República que desejava se constituir sob a égide
da laicidade.
Nesses termos, este texto tomou a criação da DG como uma estratégia político-
educacional da Igreja Católica no Paraná. A criação de dioceses é uma estratégia secular da Igreja
Católica. No Brasil, essa ação ganhou força após a implantação do regime republicano, quando a
Igreja perdeu alguns direitos ou privilégios históricos (fim da religião oficial; laicização dos
cemitérios e do ensino público, etc.) e passou a estabelecer várias intervenções no campo
político-educacional. A presença institucional e simbólica da Igreja Católica representou a
constituição de um aparato complexo de intervenção formativa na cidade de Guarapuava e na
região. Esse aparato formativo consistiu no Boletim Diocesano (órgão oficial da Diocese), na
expansão do número de paróquias e capelas, na criação de seminário, na fundação da pastoral da
juventude, de círculos bíblicos e comunidades eclesiais de base, na rádio cultura, na catequese
nuclear (destinada às famílias) e catequese escolar (realizada nas escolas primárias) e na defesa
do ensino religioso nas escolas públicas. Essas ações expressavam do desejo de construção de um
projeto educacional de caráter integral, fundamentado na formação intelectual, física, moral e
religiosa.
A ação teológico-educacional pautava-se em uma imagem bastante negativa a respeito
dos fiéis. Havia certo consenso de que os católicos não conheciam sua própria doutrina religiosa,
situação que exigia uma intervenção da Igreja Católica. D. Mazzarotto, bispo de Ponta Grossa,
apregoava explicitamente a inexistência entre os fiéis de um habitus religioso condizente com a
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Paraná.
teologia oficial. Nesse aspecto, mostrou-se presente a intenção de divulgar os preceitos religiosos
oficiais e combater as crenças e práticas decorrentes do catolicismo popular ou da religiosidade
popular. Já, sob a liderança dos bispos de Guarapuava, houve investimento em várias ações com
o fim de difundir o ideário católico e demarcar a presença política da Igreja Católica.
O processo de formação e o reconhecimento do poder da Igreja ganham maior força com
a territorialização dos espaços religiosos. Em específico em Guarapuava, a Diocese representou a
presença institucional e simbólica nos mais diversos movimentos culturais da cidade e da própria
região, destacando-se a participação do bispo no ato de inauguração da Faculdade Estadual de
Filosofia, Ciências e Letras, demarcando em sua narrativa que a formação do novo homem do
Centro-Oeste paranaense perpassaria, inexoravelmente, pelo ideário católico.
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Escola Primeiros Passos - Inovação | Pedagoga
Guarapuava | PR | Brasil. Contato: janequeiros@hotmail.com
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Névio de Campos
Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG | Programa de
Pós-Graduação em Educação
Ponta Grossa | PR | Brasil. Contato: ndoutorado@yahoo.com.br
ORCID 0000-0003-1850-316X
Artigo recebido em: 22 jan. 2018 e
aprovado em: 14 maio 2018.
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