Artigo
Exclusão, assimilação e inclusão de alunos com deficiência intelectual em sala
de aula da educação de jovens e adultos
Exclusion, assimilation and inclusion of students with intellectual deficiency in the classroom of education
of youth and adults
Exclusión, integración e inclusión de alumnos con deficiencia intelectual en la clase en la educación de
jóvenes y adultos
José Anchieta de Oliveira Bentes - Universidade do Estado do Pará - UEPA | Departamento de Língua e Literatura
| Belém | Pará | Brasil. E-mail: anchieta2005@yahoo.com.br
Mônica de Nazaré Carvalho - Instituto de Educação e Cultura do Pará - IEPA | Curso de Pós-Graduação Lato
Sensu de Braille e Inclusão | Belém | Pará | Brasil. E-mail: monicanacar@gmail.com
Resumo: As relações sociais vividas por alunos com deficiência intelectual passam por situações de exclusão, assimilação
e inclusão. Essas situações, na Educação de Jovens e Adultos (EJA), são o tema deste artigo. A pesquisa analisa
episódios de uma aula, ocorrida em uma turma da segunda etapa da EJA, a qual possibilitou analisar episódios
de interações entre três alunos com deficiência intelectual, duas professoras e os demais alunos. O objetivo é
descrever e compreender situações de exclusão, de assimilação e de inclusão em uma turma da EJA. Trata-se de
uma análise interpretativa dos episódios de sala de aula, as quais revelam que a despeito do acesso à escola,
esses alunos, muitas vezes são apenas tolerados e assimilados em sua participação no processo de ensino e
aprendizagem. Nos episódios é possível identificar, ainda, comportamentos de desqualificação e intolerância
para com esses alunos.
Palavras-chave: Educação de Jovens e Adultos. Inclusão. Deficiência intelectual.
Abstract: The social relations lived by students with intellectual disability suffer exclusion, assimilation and inclusion
situations. These situations, in Youth Adults Education of (YAE), are the main theme of this article. In this
context, the research analyzes differents class episodes occurred in a group of the second stage of YAE, which
allowed to observe episodes of interactions between three (3) students with intellectual disability, two (2)
teachers and the other students. The aim is to describe and understand situations of exclusion, assimilation and
inclusion in YAE group. Therefore, it is an interpretive analysis of classroom episodes, which reveal that despite
access to school, these students are often only tolerated and assimilated in their participation in the teaching and
learning process. Furthermore, in those episodes, it is possible to identify inappropriate behaviors and
intolerance attitudes towards these students.
Keywords: Youth Adults Education. Inclusion. Intellectual disability.
Resumen: las relaciones sociales vividas por los alumnos con deficiencia intelectual pasan por situaciones de exclusión,
integración e inclusión. Esas situaciones en la Educación de Jóvenes y Adultos (EJA) son el tema principal de
este artículo. En esta perspectiva, la presente investigación analiza episodios de una clase ocurrida en el grupo de
la segunda etapa de la EJA, la cual permitió observar episodios de interacciones entre tres (3) alumnos con
deficiencia intelectual, dos (2) profesoras y los demás alumnos de la clase. El objetivo de este estudio es
describir y comprender situaciones de exclusión, integración e inclusión en un grupo de EJA. Asimismo, esta
investigación muestra un análisis interpretativo de los episodios sucedidos en clase los cuales muestran que, con
relación al acceso a la escuela, esos alumnos, muchas veces, son apenas tolerados e integrados en la
participación del proceso de enseñanza y aprendizaje. Inclusive, en los episodios es posible identificar
comportamientos inadecuados y aptitudes de intolerancia con relación a eses alumnos.
Palabras clave: Educación de Jóvenes y Adultos. Inclusión. Deficiencia Intelectual.
• Recebido em 26 de julho de 2018 • Aprovado em 02 de maio 2019 • e-ISSN: 2177-5796
DOI: http://dx.doi.org/10.22483/2177-5796.2019v21n3p845-864
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BENTES, José Anchieta de Oliveira; CARVALHO, Mônica de Nazaré. Exclusão, assimilação e inclusão de alunos com
deficiência intelectual em sala de aula da educação de jovens e adultos.
1 Visão geral da exclusão, da assimilação e da inclusão
No contexto da inclusão escolar de jovens e adultos com deficiência intelectual, é
relevante o debate em torno dos temas exclusão, assimilação e inclusão, em função da
necessidade de compreensão da relação inclusão/exclusão como um processo relacional, social e
cultural, que ultrapassa as relações econômicas de produção, afetando a participação social e o
desenvolvimento humano deste grupo de pessoas.
Macedo (2005) e Carvalho (2016) explicam que o conceito de inclusão e exclusão está
relacionado à classificação. Nos termos de Macedo (2005, p. 18), em "Fundamentos para uma
educação Inclusiva":
A lógica da exclusão apoia-se na lógica das classes [...]. Classificar é, portanto, uma
forma de organização ou de raciocínio que coloca os iguais, os que respondem ao
mesmo critério, em um mesmo lugar, em uma mesma caixa. Iguais, significa, aqui, que
os elementos - por terem sido reunidos e por se enquadrarem no mesmo critério, não
guardam diferenças e por isso são equivalentes entre si, isto é, substituem-se uns aos
outros. "Caixa" é uma metáfora da pertinência, pois os objetos, distantes ou inexistentes,
podem estar dentro de uma caixa (a criança "normal", que ainda não nasceu, já pertence
à caixa dos normais). Fora da "caixa" ficam os que não se ajustam ao critério.
Neste sentido classificar é selecionar, reunir pessoas ou objetos que tenham características
semelhantes, podendo "em tese" um ser substituído pelo outro, uma vez que possuem as mesmas
características.
Carvalho (2016) afirma que a lógica da exclusão ou classificação excludente faz parte da
lógica do sistema capitalista, uma vez que separa os diferentes, constituindo a divisão em classes
sociais. A esse propósito, Marx (1980) coloca que a classe social é definida por sua relação com
os meios de produção. Este autor explica que no capitalismo existem duas classes sociais, uma
que é proprietária dos meios de produção - a burguesia - e outra que é constituída pelos
trabalhadores expropriados de suas ferramentas de trabalho, se configurando como classe
oprimida que se vê obrigada a vender sua força de trabalho para atender suas necessidades de
sobrevivência. Neste processo de venda o seu labor é explorado pela realização do mais-valor -
que “subentende um processo por meio do qual um dos envolvidos no processo de produção - no
caso, o trabalhador - produz mais valor do que recebe sob a forma de salário” (DUAYER, 2011,
p. 20-21), constituindo um trabalho excedente e não pago no salário do trabalhador.
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Desta forma, a lógica do sistema capitalista impõe uma classificação que se configura da
seguinte forma: de um lado apresenta-se a classe patronal, representada pelos ricos, donos dos
meios de produção - empresários, donos de bancos, de fábricas e do comércio e de outro lado a
grande massa de trabalhadores que vivem em situação de pobreza, em função dos baixos salários,
uma vez que não são proprietários dos meios de produção.
Macedo (2005) salienta que este tipo de classificação econômica coloca em uma "caixa"
os iguais, os que são privilegiados, e deixam de fora os diferentes. A metáfora da "caixa" é usada
para melhor explicar a dinâmica da classificação, possibilitando formar agrupamentos e
compreender melhor a lógica da exclusão.
Demonstraremos a seguir uma série de relações assimétricas e desiguais entre os seres
humanos, para explicar os fatores que implicam na exclusão. Partimos da pergunta: quem são as
pessoas excluídas? Os fatores e os excluídos, conforme nossos estudos, estão postos a seguir:
a) fatores socioeconômicos - os excluídos da "caixa" são os explorados no trabalho, no
processo produtivo, constituindo um exército de desempregados a espera de um emprego e os
excluídos da cidadania que são os "sem vez" e "sem voz" na sociedade, resultante do apartheid
social: estão excluídas, também, as pessoas que passam fome ou se alimentam muito mal; as
pessoas que não têm moradia e/ou vivem precariamente em áreas inundáveis sem infraestrutura;
os jovens e adultos analfabetos ou com baixa escolaridade; as crianças, os jovens e os adultos que
vivem de esmola, trabalhando ou se prostituindo para sustentar a família.
b) fatores relacionados à questão de gênero
- as mulheres por conta da ideologia
"machista" e misóginas - que pregam que o homem é melhor que a mulher. Estariam excluídas da
"caixa", sofrendo violência doméstica, ganhando menos, embora executem o mesmo trabalho, e,
servindo como mero objeto sexual. Também podemos considerar que estariam excluídos/as os/as
homossexuais, por conta das ideologias sexistas e heterossexistas.
c) fatores relacionados à etnia
- aqui estariam excluídas da "caixa" as pessoas ou
comunidades de negros, de indígenas e outros demais povos que lutam contra a xenofobia,
expressando ódio para com pessoas estrangeiras, negras e outras pessoas que não se enquadram
no padrão de beleza estabelecido como ideal.
d) fatores relacionados ao uso da língua e da baixa escolarização - estariam excluídas da
"caixa" as pessoas que não falam o padrão culto, que é a variante de língua instituída como ideal,
perfeita, pura. Estariam excluídos aqui os chamados pejorativamente de ignorantes e de
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analfabetos que, segundo a ideologia dominante, não podem opinar e decidir sobre os destinos do
país. Esta poderia também ser uma das causas dos jovens e adultos procurarem a Educação de
Jovens e Adultos (EJA), de uma escola pública de Belém do Pará, já que não tiveram acesso à
escolaridade obrigatória na idade correspondente, no ensino fundamental.
e) fatores relacionados à religião - estariam excluídas da "caixa" as pessoas que professam
religiões minoritárias e "não oficiais". Nesse caso temos conflitos que apresentam causas
decorrentes de intolerâncias religiosas.
f) fatores relacionados ao padrão de normalidade instituído - aqui estariam os que não
estão no padrão de identidade social ideal, no padrão de beleza e no comportamento vigente que é
imposto pela classe dominante, referendado pela mídia e (re)transmitida ideologicamente na
família, no espaço da sala de aula e no espaço do trabalho.
Estariam excluídos gordos, cegos, surdos, cadeirantes e as pessoas com síndromes.
Também poderiam estar fora os excluídos da sociedade “decente” que são os que não prestam ou
seja, todos que não estão enquadrados na ordem ou que se recusam a seguir o modelo de vida
imposto pelos padrões de consumo da sociedade dominante. É claro que estes fatores se
sobrepõem. É o caso, por exemplo, de um jovem com deficiência intelectual de classe pobre,
analfabeto que busca nas turmas de Educação de Jovens e Adultos concluir seus estudos.
Completando essa análise, recorremos a Landowski (2012) ao discutir a formação da
identidade nacional quando cita como exemplo a França. Ele aponta para a relação entre o "nós"
e o "outro", em que a relação se configura a partir do entendimento de que o "nós" está
relacionado com a perspectiva de um grupo social dominante e o "outro" considerando como
dessemelhante que o marginalizado, o excluído.
Nesta relação, o autor cita a assimilação que se constitui como um projeto do Estado
Francês como forma de integração desse outro ao grupo social dominante. No entanto essa lógica
considera apenas a perspectiva dominante do que é geral, sem, contudo, considerar as
particularidades e especificidades desse outro que acaba se tornando invisibilizado por um
projeto de que acaba por homogeneizar, não considerando a alteridade, que resulta na exclusão
dos grupos sociais dominados.
Esta noção de assimilação pode ser utilizada para que se compreenda um dos processos
que foram observados na pesquisa de campo na sala de segunda etapa da EJA, de uma escola
pública de Belém do Pará, em que percebemos os alunos com deficiência intelectual, a partir de
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um pretenso discurso de inclusão. Tal discurso se constitui no fato de que o "outro" está inserido
na sala de aula apenas do ponto de permitir sua presença, sua matrícula na escola. Na prática,
esse aluno continua invisibilizado. Na verdade exclui mais do que inclui, pois o aluno em questão
não é considerado a partir de suas potencialidades e especificidades.
Barros (2015), ao discutir a questão da exclusão do outro, do diferente, toma como
referência as contribuições de Landowski
(2012) na obra "Presenças do outro: ensaios de
sociossemiótica", em que o termo exclusão apresenta um caráter metalinguístico. No decorrer de
sua exposição a autora estabelece relações entre os termos exclusão, assimilação, segregação e
agregação. No construto destas relações ela problematiza a questão da diferença, usando como
referencial os linguistas semioticistas que defendem a ideia de que é por meio da diferença que o
mundo ganha sentido para o homem.
Barros (2015) afirma que no passado esse "outro" era visto como exótico, bárbaro,
selvagem. Atualmente passa a ser visto como diferente, estranho, nascendo daí os discursos de
identidade preconceituosos e intolerantes. É neste contexto que Landowski (2012) apresenta
quatro grandes tipos de relações que são: a exclusão, a assimilação, a segregação e a agregação -
A exclusão é o impedimento da presença, da interação com o outro; a assimilação é
discutida pelo autor em razão do projeto do Estado Francês como forma de transformação desse
outro, estrangeiro, imigrante, ao grupo social dominante, negando sua língua e cultura local; a
segregação fica no intermeio da impossibilidade de assimilar e na reclusa de excluir o outro, o
que implica em não aceitar que o outro seja integrado no grupo de referência; e a agregação em o
outro é integrado ao grupo de referência, coexistindo e mantendo as diferenças em relação a este.
Sendo que esses tipos não são estanques ou predeterminados. Eles vão depender da
situação interativa, dos sujeitos que atuam, das relações de poder envolvidas. Nos termos, que
“não se trata aí de dados que caracterizam cada um dos parceiros independentemente das
circunstâncias de seu encontro com o outro, mas ao contrário de determinações que se constituem
somente em situação e se transformam no próprio âmbito da interação” (LANDOWSKI, 2012, p.
52).
Neste trabalho consideraremos as categorias exclusão e assimilação de Landowski e
acrescentamos a inclusão, sendo que a assimilação será considerada como uma permissão do
outro frequentar um espaço - o da sala de aula - não admitindo que este seja completamente
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aceito, integrado, uma vez ocorre a pretensão em transformá-lo. É um "hóspede" mal acolhido,
que não terá espaço para se manifestar, para ser reconhecido na "caixa" dos incluídos.
Carvalho (2016) afirma em seus estudos que o contraponto da exclusão e da assimilação é
a inclusão. O conceito de inclusão está entrelaçado ao de relação, ou seja, uma pessoa é "definida
em função de outra". E o que é relação? "Relação é uma forma de interação, de organizar o
conhecimento, ou de pensar o que quer que seja, na perspectiva de outro" (MACEDO, 2005, p.
20).
E este autor complementa que: "na relação, quem nos define são também os outros com
quem nos relacionamos, pois somos definidos por esse jogo de posições que nos situa uns em
relação a outros, de diversos modos" (MACEDO, 2005, p. 22).
Nos termos de Buber (2003), filósofo da relação dialógica, os elementos da inclusão são:
primeiro, uma relação levada a cabo por duas pessoas entre si; segundo um acontecimento
experimentado por ambos simultaneamente, e se for o caso, um dos dois se comporta ativamente;
terceiro, dessa forma, essa pessoa experimenta simultaneamente o mesmo acontecimento que a
outra pessoa, sem sacrificar nada da realidade sentida em sua própria atividade. "A relação de
duas pessoas que em maior ou menor medida se encontra determinada pela inclusão podemos
denominá-la como dialógica" (p. 25-26).
Para Buber (2003), na palavra-princípio “Eu-tu” acontece o diálogo, a inclusão; já na
palavra-princípio Eu-isso temos a ocorrência da exclusão. Por conseguinte, os elementos da
inclusão são: a) a relação; b) um acontecimento simultâneo, e c) o não sacrificar de nada da
realidade. Então, portanto, todo ato educativo é permeado por relações de "Eu-Tu" e/ou por
situações de "Eu-Isso". Nomeadamente, neste artigo, estabelecemos que a situação eu-tu é de
inclusão e que a situação eu-isso pode ser de assimilação ou de exclusão.
A lógica da inclusão estaria para a lógica das relações em que não ocorram
discriminações, classificações e nem desníveis sociais. A inclusão, portanto, é construída no dia a
dia, na interação social. A inclusão é possível nas ações das pessoas e comunidades que já
praticam a solidariedade e a luta conjunta pelos bens coletivos, quando praticam a partilha dos
bens produzidos, quando transformam a realidade local.
Nesses termos, a inclusão não ocorre só no âmbito educacional. Para se concretizar o
princípio filosófico da inclusão social é preciso concretizar a transformação da realidade, não
aceitar a exploração, a humilhação, o desemprego, a fome; defender uma mudança em nós e no
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deficiência intelectual em sala de aula da educação de jovens e adultos.
nosso trabalho, nas nossas estratégias, nos recursos e no modo como organizamos o espaço e o
tempo em sala de aula, revendo a grade curricular e a forma de avaliação; defender a autonomia e
a busca de novas possibilidades, para a construção da identidade relacional, da alteridade.
Isso implica defender uma sociedade onde todos tenham oportunidades de viver com
dignidade, fundada na partilha social das riquezas produzidas pelos trabalhadores; e romper com
o preconceito. Conviver, interagir e aceitar pessoas que não são como nós. Aceitando-as como
são. Nesse caso, exercer sistematicamente o respeito às diferenças.
Incluir, portanto, significa relacionar-se, abrir-se para o que o outro é, pois construímos
nossa identidade na relação com o outro.
2 Elucidação dos episódios
Analisar as interações sociais de jovens e adultos com deficiência intelectual1 significa
pensar esses sujeitos inseridos em um contexto histórico-social e não isolados do mundo que os
cerca. A dinâmica de interlocução desenvolvida no cotidiano da sala de aula permitiu categorizar
essas interações em exclusão, assimilação e inclusão, e revelou ainda outras subcategorias que se
inter-relacionam, separadas na pesquisa, somente para fins de estudo.
Na organização da análise dos dados obtidos em sala de aula, por meio de filmagem,
consideramos o conceito de episódios. O conceito de episódio aqui utilizado é emprestado da
narratologia para uso em sala de aula, e é definido como uma unidade de análise cronológica, um
acontecimento de duração variável, ocorrido em um mesmo lugar que se refere a uma “sequência
de proposições específicas, coerentes que denotam fatos ou eventos em algum mundo possível do
texto, devendo estar submetido a uma macroproposição mais global” (VAN DIJK, 1982, p. 103).
Os dados de sala de aula estão organizados da seguinte forma: o primeiro episódio
intitulamos "Cala a boca Antônio!"; o segundo episódio "Ela vai te dá um carrinho"; o terceiro
"Hum...tá bonita!"; o quarto "E a Madalena não veio mais"; o quinto "Quero saber o nome desse
brinquedo"; e o sexto "O carimbó".
Desta feita, a pesquisa teve como desafio identificar as vozes participantes do processo de
construção do conhecimento, considerando a sua figura social, reconstituindo no discurso a
1 A pesquisa foi inscrita na Plataforma Brasil e obteve parecer favorável no comitê de ética da UEPA - Centro de
Saúde Escola do Marco. CAEE nº 83181517.4.0000.5174, com o parecer nº 2.701.985 de 08 de junho de 2016.
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deficiência intelectual em sala de aula da educação de jovens e adultos.
situação, os posicionamentos que tiveram no episódio, isso porque, para compreender a dinâmica
interativa, discursiva, é preciso saber quem fala, ou seja, descrever estas vozes, para então
analisá-las no contexto do seu enunciado.
Pelos princípios da interação verbal, nenhuma fala pode ser analisada separadamente, por
isso, trazemos para análise os diálogos ocorridos na interação verbal entre os sujeitos da pesquisa.
Em um contexto de interação verbal, os enunciados estão em diálogo constante com outros
enunciados já ditos. Mesmo uma enunciação isolada dialoga com outras. O que faz com que, o
corpus de análise seja composto pelos enunciados dos alunos, e também pelos diálogos que
ocorreram na sala de aula.
A partir de registro nas filmagens de sala de aula, que é uma amostra global do cotidiano
da sala de aula, fazemos a análise interpretativa dos episódios escolhidos, buscando destacar
interações específicas dos participantes e, a partir destas entender os tipos de situações por que
passam os sujeitos com deficiência.
Este tipo de análise interpretativa foi utilizado em função da possibilidade de identificar
os indícios constitutivos presentes nas interações sociais registradas. A análise interpretativa dos
episódios pressupõe tanto um registro que permite identificar minúcias, detalhes, como certas
características interativas. Esse tipo de análise tem uma visão de ser humano interacionista,
dialético e dinâmico.
Inicialmente, optou-se por mesclar os episódios representativas de maior riqueza de
linguagem e momentos de interação dialógica, para em seguida categorizar em EJA e
intolerância, EJA e infantilização e EJA e superação/aceitação.
Passemos aos alunos. Iniciamos com o quadro 1 dos participantes da pesquisa que
apresentam alguma deficiência seja intelectual ou baixa visão. São três
(03) alunos com
deficiência intelectual matriculados na EJA: Antônio, Alex e Raí, designados com pseudônimos
como forma de preservar suas respectivas identidades. No quadro é possível perceber que
apresentam idade avançada, estando já há quatro anos na turma de EJA.
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deficiência intelectual em sala de aula da educação de jovens e adultos.
Quadro 1 - Perfil dos alunos sujeitos da pesquisa
Alunos
Gênero
Idade
Deficiência
Tempo que estuda na EJA
Antônio
M
47 anos
deficiência intelectual
2013 a 2017
deficiência intelectual e
2014 a 2017
Alex
M
42 anos
baixa visão
Raí
M
23 anos
deficiência intelectual
2014 a 2017
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores, 2017.
Outras características dos participantes: Antônio é pouco sorridente e bastante falador.
apresenta um vocabulário amplo e compreensível. Faz inter-relações com acontecimentos
ocorridos em seu dia a dia, não esquece músicas e fatos que marcaram sua vida: consegue
lembrar a data e o dia da semana em que um determinado fato ocorreu. Alex Gosta muito de
dançar. Frequenta pouco as aulas, participa com mais frequência o AEE que ocorre no
contraturno em que estuda. Raí é tímido e gosta de sentar afastado dos demais colegas.
Além destes alunos, na interação aparecem os alunos que não apresentam deficiência. Os
participantes envolvidos nessa pesquisa são: uma (01) professora que atua em uma turma de 2ª
etapa de EJA que designamos como Professora Celeste e uma (01) professora do Atendimento
Educacional Especializado, que designamos como Dalva. Aparecem também Maria, de 38 anos e
Anita, de 26 anos.
A professora Celeste - conforme entrevista com a participante - nasceu em Belém, tem
51 anos, destes, 24 foram dedicados ao magistério. Tem formação em Pedagogia, com habilitação
em orientação educacional, possui especialização em Educação Especial. Há 10 anos atua na
Educação de Jovens e Adultos e há 4 anos trabalha na escola pesquisada.
A outra professora participante nesta pesquisa é Dalva, pedagoga, com epecialização em
Educação Especial, tem 53 anos, atua no Atendimento Educacional Especializado (AEE) há 7
anos, lotada na Sala de Recursos Multifuncionais da escola.
Apresentamos a seguir os seis episódios que evidenciam os momentos de interação em
sala de aula.
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deficiência intelectual em sala de aula da educação de jovens e adultos.
2.1 Primeiro episódio: "Cala a boca Antônio!"
Maria: Bote logo algum trabalho para ele fazer, pra ele calar a boca dele. Confundo minha mente (referindo-
se a Antônio).
Professora Celeste: Antônio, só segura a língua um pouquinho, tá meu filho?... Já, já vou sentar lá com você.
(Aula do dia 05/08/2016).
Nesse primeiro episódio percebemos nas falas da aluna Maria e da professora Celeste uma
situação de intolerância em relação ao aluno Antônio, que tem deficiência intelectual. Isto porque
a aluna demonstra uma intolerância diante das manifestações próprias da condição da deficiência
intelectual. Essa mesma percepção - de que o aluno atrapalha a aula - é reforçada nas palavras da
professora. Essa situação na filosofia do diálogo de Martin Buber (2012) pode ser definida como
a relação do “Eu-Isso”, quando não acontece o encontro com o outro e o Tu a relação passa ser
objetivado virando um Isso.
A palavra-princípio "Eu-Isso" exprime um evento no qual o outro é percebido como
separado, externo, como objeto a ser utilizado, como coisa, nos termos que “Eu experimento
alguma coisa, ou represento alguma coisa, eu quero alguma coisa, ou sinto alguma coisa, eu
penso alguma coisa [...], pois onde há uma coisa, há também outra coisa” (BUBER, 2012, p. 52).
No episódio 1, em uma possível interpretação, diria: "nós" - Maria e a professora Celeste
- permitimos que você esteja aqui, contanto que não atrapalhe a aula, fique quieto, não fale nada.
Nesta interpretação, a percepção de Maria é que Antônio tem que estar o tempo todo fazendo
suas tarefas escolares. Outra interpretação diria que Antônio pode até estar na sala contanto que
fique calado. No dizer de Maria, em relação à Antônia é que este provoca uma "confusão" em sua
mente. O "outro" não pode falar. A autoridade da sala, que é a Professora, tem que mandar o
aluno: "segura a língua um pouquinho, tá meu filho?". Note que pelo uso do diminutivo
"pouquinho" e tratamento "meu filho", a professora pensa que vai atingir seu objetivo de fazer
com que o aluno fique calado. Não descartamos a possibilidade de a Professora apenas querer
controlar a turma para dar sua aula, sendo amável com o aluno Antônio, no entanto, a hipótese
que admitimos é de intransigência por parte da aluna e da professora na sala de aula.
Caracterizamos essas atitudes da Maria e da professora como de intolerância. A intolerância é a
de não aceitação do "outro" - esse outro é o aluno Antônio
- com relação à sua atitude de falar,
de ser de um jeito, que é reprovado pela aluna Maria e pela professora.
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 21, n. 3, p. 845-864, set./dez. 2019.
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BENTES, José Anchieta de Oliveira; CARVALHO, Mônica de Nazaré. Exclusão, assimilação e inclusão de alunos com
deficiência intelectual em sala de aula da educação de jovens e adultos.
O comportamento de falar, de não controlar a língua é reprimido, com um "cala boca" da
professora, que, por meio de palavras suaves, amáveis como "pouquinho" e "meu filho", o aluno
é coagido a calar a boca - e isso é uma atitude de assimilação - eu permito que você esteja aqui,
contando que fique calado e deixe eu pensar, não "confunda minha mente".
A intolerância é aquilo que eu não tolero, que eu não aceito, que "eu" não suporto. A
presença e a fala de Antônio não é aceita, não é tolerada, não é suportada por Maria. A professora
Celeste toma partido da aluna, mandando o aluno calar a boca.
Há inclusive a promessa de que mais tarde a mesma vá trabalhar com ele: "Já, já vou
sentar lá com você", sendo outra estratégia para fazer o aluno calar.
A assimilação é considerada aqui como um nível melhor que a exclusão. Ocorreria a
exclusão completa se a professora ou a Maria expulsasse o aluno da sala, uma vez que não fica
calado.
O quadro 2 sumariza este episódio de intolerância:
Quadro 2 - Sumarização do episódio: “Cala a boca Antônio!
VOZES
PERCEPÇÕES
CATEGORIA
Maria X Antônio
O aluno Antônio atrapalha a aula.
Intolerância
Professor x Aluno
O aluno Antônio atrapalha a aula
Intolerância
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores, 2016.
2.2 Segundo episódio: "ela vai te dá um carrinho"
Prof. Celeste: Vai lá dá um abraço na Mônica também.
Raí: Ah não tia.
Prof. Celeste: Só um abraço, aperto de mão então.
Raí: Não tia.
Prof. Celeste: Só dá a mão pra ela. Desejar feliz natal, feliz ano novo... Ainda mais que ela disse que ela vai
te dá um carrinho (Aula do dia 05/08/2016).
O segundo episódio extraído da filmagem da aula do dia 05 de agosto de 2016, na turma
da professora Celeste, revela uma situação de assimilação.
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deficiência intelectual em sala de aula da educação de jovens e adultos.
A situação de assimilação é claramente identificada no posicionamento para com uma
pessoa de 27 anos como se fosse uma criança. Este tratamento de infantilização com o aluno
traduz a visão de que pessoas com deficiência intelectual não alcançam grandes níveis de
maturidade, colocando-os em situação de assimilação, o que ocorre quando há uma suposta
"aceitação" dessas pessoas, porém com estigmatizações do tipo: todo "deficiente intelectual é
uma criançona", "isso só é tamanho", significando que o aluno é assimilado na sala, como um
hóspede indesejado, a quem é dado limites na sua participação, é rotulado, não se atribui
expectativa alguma para essa pessoa. Ele parou no tempo, vive em uma eterna situação de
criança. É uma figura decorativa na sala.
Maffezoli
(2004) destaca que a formação escolar empobrecida traz consequências
limitantes e dramáticas, que acentuam um estado de dependência, alienamento, e a infantilização
dessas pessoas acaba por multiplicar suas limitações.
Dessa forma, a escola parece ser sempre uma experiência finita, triste, incompleta, como
um desejo, uma promessa.
Então o desejável seria para uma escola inclusiva, estabelecer as mesmas metas
educacionais dos outros alunos, assegurando o acesso aos bens culturais, utilizando recursos e
metodologias acessíveis, respeitando a flexibilidade, já que cada pessoa tem um ritmo diferente.
Para Buber (2012), a base da relação é a reciprocidade, quando isso não ocorre o outro é
invisibilizado, "que ninguém tente debilitar o sentido da relação: relação é reciprocidade" (p. 55).
O quadro 3, a seguir, sumariza as vozes e as percepções da professora para com o aluno
Raí.
Quadro 3 - Sumarização do episódio: “Ela vai te dá um carrinho
VOZES
PERCEPÇÕES
CATEGORIA
Professora Celeste x Rai
Infantilização
Assimilação
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores, 2016.
As pessoas com deficiência intelectual podem ter seu desenvolvimento modificado, ou
mesmo interrompido, pela forma como a sociedade as enxerga e em função das expectativas
oferecidas a elas, uma vez que, são as significações e ressignificações, que as constituem
enquanto sujeitos na sociedade.
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deficiência intelectual em sala de aula da educação de jovens e adultos.
2.3 Terceiro episódio - "hum...tá bonita!"
A cultura de um grupo chega ao sujeito por intermédio do outro que assiste e interpreta as
ações daquele, atribuindo-lhe significados dentro desta cultura. O sujeito, por sua vez, atribui
sentido às coisas a partir do momento que internaliza os significados que lhe são compartilhados.
Por meio de experiências que tenham sentido para ele. Muitas vezes a diferença gerada pela
deficiência intelectual pode impedir o reconhecimento do aluno que as possui como "o outro
igual" e causar estranhamento nas pessoas.
Vejamos no episódio "Tá bonita!", registrada no momento em que o aluno Alex chega e
cumprimenta os colegas:
Alex: Oi;
Anita: Oi;
Antônio: ((incompreensível));
Alex: Tá bonita;
Anita: Obrigada ((demonstra falta de interesse, indiferença));
Alex: Sandália nova;
Anita: ((risos));
Professora Celeste: Quem é que tá com sandália nova?;
Alex: Ela... a Blusa nova;
Professora Dalva: Eu tô com sandália nova? Blusa nova?
Alex: ((incompreensível)) (Aula do dia 05/08/2016).
Celeste e Dalva demonstram em suas falas surpresa e descaso com as observações feitas
pelo aluno Alex, subestimando-o e estabelecendo a imagem de uma pessoa alienada e incapaz de
perceber e interagir com o meio.
Quadro 4 - Sumarização do episódio: “Hum! Tá bonita!”
VOZES
VISÃO DE MUNDO
CATEGORIA
Alex X Anita
Descrédito/ Sem importância
Assimilação
Anita X Alex
Infantilização
Professora X Alex
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores, 2016.
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deficiência intelectual em sala de aula da educação de jovens e adultos.
2.4 Quarto episódio - "e a Madalena não veio mais"
Antônio: E a Madalena nem veio.
Professora Celeste: Te acalma que ela ainda não chegou, bora ver se ela chega;
Antônio: E a Madalena desistiu de estudar.
Anita: Até hoje ele tá lembrando, olha.
Antônio: Claro, se ela desistiu... É... Madalena.
Raí: Quem é essa aí?
Antônio: Que? Tu não conhece a Madalena, sobrinha do (Valter). (Aula do dia 05/08/2016).
As falas de Antônio demonstravam que o fato de ele ser uma pessoa com deficiência
intelectual não faz dele alguém que não possua conhecimento de mundo e que não têm a
capacidade de desenvolver o pensamento crítico, porém estas pessoas podem ter seu
desenvolvimento prejudicado, em função da maneira como são vistas, pelo meio social.
A necessidade que temos do outro nomear e legitimar nossas ações decorre então, de
nossa dificuldade de projetarmos uma imagem externa de nós mesmos. Assim, é possível inferir
que para a pessoa com deficiência intelectual, inserida num contexto repleto de significados, o
outro será fundamental para a sua formação, ele é a ponte para sua inserção na cultura que a
cerca.
Isso porque ao interpretamos o "outro", atribuímos a ele significação por meio de uma
visão que pode ser preconceituosa, estigmatizantes ou de admiração e aceitação.
Esse significado que damos ao outro pode ser entendido como um rótulo, uma fantasia
que precisa ser aceita para incorporar a constituição da imagem da pessoa por ela mesma. A
aceitação do rótulo ou da fantasia acontece de acordo com os ajustes feitos por quem os
construiu, dependendo da relação afetiva e da importância que o outro exerce na nossa vida.
Dito de outro modo, a imagem que eu faço de mim mesmo só é possível a partir da
imagem que o outro elabora de mim, sendo que esta imagem chega até mim pela visão que eu
faço do outro. Desta forma, a cultura chega até mim pelo outro, por meio dos sentidos que são
atribuídos.
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deficiência intelectual em sala de aula da educação de jovens e adultos.
Quadro 5 - Sumarização do Episódio: “E a Madalena não veio mais
VOZES
PERCEPÇÕES
CATEGORIA
Professora Maria
Descrédito/ Demência
Assimilação
Infantilização
Anita X Antônio
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores - 2016
2.5 Quinto episódio - "quero saber o nome desse brinquedo"
Professora Dalva: Tem que saber qual é o O. O de ovo... O. Como é o O?
Aluno Alex: Esse?
Professora Dalva: Esse mesmo.
Professora Dalva: [...] agora nós vamos escrever... o nome dos brinquedos. Mas já pensou se demorar tanto
assim? Esse aqui. O que é isso aqui?
Aluno Alex: As asas do avião?
Professora Dalva: Não tem avião... esse aqui.
Aluno Alex: É esse?
Professora Dalva: Não, eu quero saber o nome desse brinquedo.
(Aula do dia 05/08/2016).
No episódio "quero saber o nome desse brinquedo" percebe-se claramente a adoção de
uma prática infantilizadora que é vista em atividades descontextualizadas empobrecidas de
conteúdo. Os alunos com deficiência intelectual recebem um tratamento diferenciado, suas
atividades não acompanham o conteúdo trabalhado na sala, e muitas vezes se limitam a cópias e
identificação de figuras.
Retomamos o pensamento de Maffezoli
(2004) que afirma que tais atividades e
tratamentos multiplicam as limitações desses indivíduos, colocando-os a parte no processo de
construção do conhecimento.
Assim, a relação positiva com o outro depende de um interesse e um empenho para que a
imagem desse outro possa ser vista como autônoma e capaz, isto é, um participante ativo. Em
outras palavras, o aluno com deficiência intelectual precisa dessa atenção pela valorização para
que sua imagem possa ser vista no "conjunto externo" e vivo.
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BENTES, José Anchieta de Oliveira; CARVALHO, Mônica de Nazaré. Exclusão, assimilação e inclusão de alunos com
deficiência intelectual em sala de aula da educação de jovens e adultos.
A atividade didática da professora também chama a atenção. Trata-se do ensino repetitivo
da letra "o", algo muito usual que acontece no ensino de pessoas deficientes, com a constatação
que não conseguem chegar a níveis maiores como o léxico e o texto.
Pergunta-se será que o fato de ser deficiente intelectual pressupõe-se sempre trabalhar
com unidades mínimas, como a letra
- "O de ovo"
- o fonema, a sílaba, ou a palavra
descontextualizada? A constatação indica que sim.
Não negamos a necessidade do ensino dos sons das letras, das famílias silábicas, da
representação escrita desses sons no processo de alfabetização de jovens e adultos, criticamos o
fato do ensino partir de unidades sem significado, repetitivas, descontextualizadas, mecanizadas.
No caso desse episódio, o ato de linguagem é repetitivo e sem sentido para Alex. Nossa
percepção é que ocorre assimilação, uma vez que não se considera a forma de aprender, não se
leva em conta a vida para se ensinar a ler e a escrever, pelo contrário, abstraem-se formas sem
significação para se incutir símbolos na cognição de Alex. A sumarização deste episódio está
posta no quadro 6.
Quadro 6 - Sumarização do Episódio: “quero saber o nome desse brinquedo
VOZES
PERCEPÇÕES
CATEGORIA
Professora e aluno
Infantilização/ Brincadeira
Assimilação
Aluno e professora
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores, 2016.
2.6 Sexto episódio: "o carimbó"
Professora Celeste: Porque uma das tarefas era fazer uma homenagem pra Belém. Aí, claro que ele foi nossa
atração e ele cantou. Te lembra, Antônio qual foi nossa música?
Antônio: [...] De onde é que esse coco vem? Todo coco tem azeite, mas esse não tem. De onde é que esse
coco vem? Todo coco tem azeite, mas esse não tem. O braço do mar não tem cotovelo. O caranguejo anda,
mas não é pra frente. Revólver tem cano, mas não é torneira. Cachaça não dá rasteira, mas derruba a gente.
O prego tem cabeça, mas não tem juízo. O cabo da vassoura não prende ninguém. A mão de pilão nunca
bateu palmas. Agulha costura e só anda nua. Na estrada que vai pra lua não se vê poeira[..].
Professora Celeste: Muito bem.
Pesquisadora: Parabéns, porque eu não sei cantar nesse ritmo, eu não sei toda a letra dessa música.
Professora Celeste: O Alex dançou o carimbó, claro. O carimbó não, foi o brega, desculpa (Aula do dia
05/08/2016).
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BENTES, José Anchieta de Oliveira; CARVALHO, Mônica de Nazaré. Exclusão, assimilação e inclusão de alunos com
deficiência intelectual em sala de aula da educação de jovens e adultos.
Ao olhar a situação em que o aluno Antônio relembra e canta o carimbó, um ritmo típico
da cultura paraense, apresentado por ele na gincana da escola e que rendeu pontos para a turma,
como mostrado na fala de Antônio, é possível apontar percepções da turma, bem como das
professoras, em relação a este aluno que sinaliza para uma perspectiva inclusiva, se
considerarmos que o processo de inclusão defendido por Buber (2012) assenta-se na percepção
do homem em sua totalidade entendida a partir da relação EU-TU, em que o EU só se realiza na
relação de reciprocidade com o outro, ou seja, a relação que se dá no "face a face".
A ideia posta por Buber (2012) pode ser percebida no episódio, sobretudo na postura dos
demais colegas da turma em relação ao aluno Antônio, quando este cantou e todos o
parabenizaram demonstrando uma atitude responsiva e altera.
Quadro 7 - Sumarização do episódio “O carimbó
VOZES
PERCEPÇÕES
CATEGORIA
Antônio X Alunos da Turma
Escuta do outro
Aceitação - Inclusão
Turma X Aluno
Escuta do outro
Aceitação - Inclusão
Fonte: Elaborado pelos pesquisadores, 2016.
Na EJA, quando o caráter dialógico está presente nas relações de ensino, na interação dos
alunos, percebe-se a aceitação, expressa no olhar de confiança entre os alunos, que provoca uma
resposta espontânea e que leva à superação. E?!
3 Conclusão: novas caminhadas
A caminhada construída ao longo dessa dissertação não tem seu final aqui, ao contrário,
inicia outros caminhos para se conhecer um pouco mais sobre as interações sociais de pessoas
com deficiência intelectual na Educação de Jovens e Adultos na Amazônia Paraense.
Cabe aqui, então, algumas afirmações provisórias impostas pelo desafio de analisar as
interações sociais que ocorrem em uma sala de aula de EJA com alunos com deficiência
intelectual. Essas afirmações ocorrem em função do estranhamento que tivemos quando temos
que sair do nosso lugar e adentrar no lugar do outro, em busca de novas descobertas e surpresas, e
essas descobertas têm como produto um artigo científico.
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BENTES, José Anchieta de Oliveira; CARVALHO, Mônica de Nazaré. Exclusão, assimilação e inclusão de alunos com
deficiência intelectual em sala de aula da educação de jovens e adultos.
A deficiência intelectual é compreendida neste estudo, como um modo diferenciado de
desenvolver-se, e que precisa ter seu caráter dinâmico, complexo e plurideterminado,
considerados para além das classificações ou identificações quantitativas. Constatou-se, no
entanto, em grande medida, neste trabalho, os posicionamentos das professoras em verem o aluno
com deficiência intelectual como um ser estático, uniforme, unideterminado - daí atitudes como
o de tratá-lo como criança, como se fosse uma eterna criança. Essas caracterizações ainda
predominam na escola, na sociedade, de uma maneira geral.
As interações sociais na perspectiva dialógica permitem pensar um sujeito em constante
construção e transformação, que por meio das interações sociais, atribui novos olhares e
significados no meio em que convive. Assim, a interação de alunos com deficiência intelectual
com outros alunos que não apresentam deficiência é importante para o seu desenvolvimento
cultural. Pois é neste movimento interativo que estes alunos aprendem como desenvolver
estratégias de resolução de problemas, de modo independente.
Ao descrever as interações em sala de aula, nossa intenção não foi apenas mostrar a
constituição da turma, o espaço físico e registrar como os alunos se expressavam e elaboravam
suas hipóteses, mas também, conhecer como as professoras mobilizavam os conhecimentos, por
meio das parcerias, e se isso ajudava o aluno se perceber parte do processo de construção.
Neste sentido, este estudo evidenciou, por meio de alguns episódios de interação, um
pouco do contexto da sala de aula, das contradições e das dificuldades vivenciadas pelos alunos
com deficiência, bem como, pela professora da turma, como pela professora do AEE, para
desenvolver ações pedagógicas com significado e que propiciem aprendizagem. A dinâmica
interativa permitiu a escolha e a análise de cenas de uma aula que foram agrupadas e
categorizadas em: "EJA e intolerância", "EJA e infantilização" e "EJA e superação ou aceitação".
O contexto de uma turma de EJA, na qual tenham pessoas com deficiência intelectual,
está imbricado de muitas relações que se constroem a partir das interações. O modo como esses
indivíduos interagem e se relacionam, pode revelar suas visões de mundo, expressas na forma de
exclusão, assimilação e inclusão.
Consideramos as cenas de intolerância as que remetem a atitudes que não aceitam as
pessoas com deficiência intelectual na sala de aula. Não consideramos esta situação como o ato
de excluir definitivamente da turma, uma vez que excluir é "colocar para fora da caixa". Dito de
outro modo, diversas situações ocorrem na sala de aula: esse espaço é como se fosse "caixa" que
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BENTES, José Anchieta de Oliveira; CARVALHO, Mônica de Nazaré. Exclusão, assimilação e inclusão de alunos com
deficiência intelectual em sala de aula da educação de jovens e adultos.
permite a entrada de alguns e de outros não. Essa permissão está em forma de brincadeiras,
conversas e as chamadas atividades escolares.
Constatamos a presença de pessoas com deficiência nessa “caixa”, mas identificamos que
elas não estão completamente incluídas, em função da ocorrência de certas atitudes intolerantes,
como não permitir, não querer, ou não gostar que pessoas com deficiência intelectual participem
dos momentos de sala de aula. Tais atitudes, chamamos de assimilacionistas.
Na pesquisa, identificamos a infantilização, as atividades diferenciadas, os conteúdos
mecânicos e repetitivos, enfim, é como se os alunos fossem como hóspedes mal aceitos, pelos
anfitriões da escola, os que se consideram donos da sala de aula, da escola, os “normais”.
Consideramos aqui a inclusão escolar uma prática que ainda não está plenamente
consolidada, por este motivo não podemos classificar a aula que constituiu o corpus analítico
deste estudo, como uma aula excludente, do mesmo modo, também não é possível afirmar que a
mesma foi totalmente inclusiva.
Contudo, esta pesquisa, desenvolvida em uma turma da segunda etapa de EJA, de uma
escola pública de Belém do Pará, deixa claro, a necessidade de problematizar como as questões
sobre a inclusão de pessoas com deficiência estão sendo pensadas e planejadas, para uma melhor
compreensão sobre os aspectos subjetivos imbricados nesse processo. Assim como, disponibilizar
suporte por meio de conhecimentos teóricos e práticos aos profissionais que atuam na Educação
de Jovens e Adultos, favorecendo, desse modo, as relações dialógicas no processo de ensino e
aprendizagem de alunos com deficiência intelectual, inseridos nesta modalidade. A participação
da pesquisadora em ações pedagógicas desenvolvidas na escola aponta a dimensão do quanto o
grupo já caminhou e o quanto falta avançar, respeitando a forma de cada educando interagir com
o mundo.
Temos a certeza de que pesquisar as Interações Sociais de Pessoas com Deficiência no
campo da Educação de Jovens e Adultos nos desafiam como pesquisadora, mas também nos
fortalecem como pessoa, quando revelam que as interações mostram novos caminhos para se
viver a inclusão. E aqui começam outras caminhadas.
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