Artigo
A escritora Anita Philipovsky: contribuições da literatura para a educação
feminina nos Campos Gerais, PR
The writer Anita Philipovsky: contributions of literature to female education in Campos Gerais, PR
La escritora Anita Philipovsky: contribuciones de la literatura a la educación femenina en Campos Gerais, PR
Loraine Lopes de Oliveira - Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG | Departamento de Educação | Ponta
Grossa | PR | Brasil. E-mail: loraine.oliveira@hotmail.com
Vera Lucia Martiniak - Universidade Estadual de Ponta Grossa - UEPG |Departamento de Educação | Ponta
Grossa | PR | Brasil. Contato: veramartiniak07@yahoo.com.br
Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar as condições materiais que favoreceram a projeção de Anita Philipovsky no
campo da literatura. A poetisa pontagrossense fez parte do grupo das escritoras pioneiras no Paraná, publicou seus
textos de forma notória no período de 1910 a 1930. Estes, defendiam a ampliação das possibilidades de ensino para as
mulheres, na medida em que estas, deveriam ter acesso a outros cursos, além da formação para o magistério. Por sua
atuação na sociedade em defesa da educação feminina, a poetisa pode ser compreendida como uma exceção entre as
mulheres de seu tempo, na medida em que contrariou os padrões esperados de uma mulher da sociedade republicana:
não se casou e não teve filhos. A trajetória intelectual da poetisa e a defesa da educação feminina são analisadas a
partir da consulta em fontes primárias que permitem identificar fatores que contribuíram para sua projeção na
sociedade, como o círculo social que frequentava, as condições materiais favoráveis para custear sua formação e a
influência do pai na literatura.
Palavras-chave: Anita Philipovsky. Educação Feminina. Primeira República.
Abstract: This article aims to analyze the material conditions that favored Anita Philipovsky's projection in the field of literature.
The Pontagrossense poetess was part of the group of pioneer writers in Paraná, published her texts in a notable way
from 1910 to 1930. They defended the expansion of teaching possibilities for women, as they should have access to
others. courses, in addition to teacher training. Because of her role in society in defense of female education, the poet
can be understood as an exception among the women of her time, as she contradicted the standards expected of a
woman from republican society: she did not marry and had no children. The intellectual trajectory of the poet and the
defense of female education are analyzed from the consultation of primary sources that allow identifying factors that
contributed to her projection in society, such as the social circle she attended, the favorable material conditions to fund
her education and the influence of the father in the literature.
Keywords: Anita Philipovsky. Feminine education. First Republic.
Resumen: Este artículo tiene como objetivo analizar las condiciones materiales que favorecieron la proyección de Anita
Philipovsky en el campo de la literatura. La poetisa Pontagrossense formó parte del grupo de escritores pioneros en
Paraná, publicó sus textos de manera notable desde 1910 hasta 1930. Defendieron la expansión de las posibilidades de
enseñanza para las mujeres, ya que deberían tener acceso a otros. cursos, además de la formación del profesorado.
Debido a su papel en la sociedad en defensa de la educación femenina, la poeta puede entenderse como una excepción
entre las mujeres de su tiempo, ya que contradecía los estándares que se esperaban de una mujer de la sociedad
republicana: no se casó y no tuvo hijos. La trayectoria intelectual del poeta y la defensa de la educación femenina se
analizan a partir de la consulta de fuentes primarias que permiten identificar factores que contribuyeron a su
proyección en la sociedad, como el círculo social al que asistió, las condiciones materiales favorables para financiar su
educación y la influencia. del padre en la literatura.
Palabras clave: Anita Philipovsky. Educación femenina. Primeira República.
• Recebido em 13 de setembro de 2018 • Aprovado em 05 de maio 2019 • e-ISSN: 2177-5796
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OLIVEIRA, Loraine Lopes de; MARTINIAK, Vera Lucia. A escritora Anita Philipovsky: contribuições da literatura para a
educação feminina nos Campos Gerais, PR.
Introdução
A poetisa pontagrossense Anita Philipovsky fez parte do grupo das escritoras pioneiras do
Paraná, publicando seus textos de forma notória no período de 1910 a 1930. Seu poema mais
divulgado p “Os poentes da minha terra”, publicado, pela primeira vez, em 1936, no periódico
curitibano “Prata de Casa”. Segundo Santos (2002), “Os poentes da minha terra” e outros textos
como “Miguelzinho” (n. 12), “Tappra” (n. 10 e 11) e “Tibagy” (n. 5), publicados na revista
Illustração Paranaense, contribuíram para a propagação do Movimento Paranista.
Foi filiada ao Centro Cultural Euclides da Cunha (SANTOS, 2002) fundado em Ponta
Grossa, em 1947, por Faris Antônio Salomão Michaele. O referido centro “reunia intelectuais
pontagrossenses que discutiam assuntos pertinentes à cultura e aos valores da sociedade.
Desenvolviam a literatura, a ciência, as artes e buscavam uma troca de ideias com o resto do país
e as Ampricas” (AUGSTEN; SILVA, 2008, p. 6).
Na Primeira República, período em que o ideal de mulher propagado era a que não
criticasse e que evitasse comentários desfavoráveis (DEL PRIORE, 2014); período em que o
baixo nível de educação feminina reafirmava a visão conservadora da sociedade e a distinção
entre o homem e a mulher, perpetuando a supremacia masculina; em que o “destino” das
mulheres era o casamento e a maternidade; em que poucas mulheres circulavam em espaços
predominantemente masculinos e que a profissão “melhor vista” pela sociedade foi a docência.
Anita Philipovsky pode ser vista como uma exceção. Contrariou os padrões que esperava-
se de uma mulher da sociedade republicana: não se casou; não teve filhos; poetisa, circulando
num espaço marcadamente masculino; suas observações revelam a postura de uma mulher crítica.
Partindo de tais considerações e apoiando-se nos pressupostos teóricos do materialismo
histórico-dialético, este artigo tem como objetivo identificar as condições materiais que
favoreceram a projeção da referida poetisa no campo da literatura.
Utilizou-se como fonte primária, o jornal “Diário dos Campos”, criado em 1907, por
Jacob Holzmann. Inicialmente, o jornal existente até os dias atuais, foi denominado
“O
Progresso”, quando em 1913, seu nome mudou para “Diário dos Campos” (CHAVES, 2011). Os
arquivos do jornal podem ser encontrados no acervo da Casa da Memória de Ponta Grossa (PR).
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 21, n. 3, p. 883-899, set./dez. 2019.
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A escritora Anita Philipovsky
Anita Branco Philipovsky nasceu no dia 2 de agosto de 1886, em Ponta Grossa e faleceu
em, 30 de março de 1967, na mesma cidade. Filha de Carlos Leopoldo Philipovsky (1846-1915) e
de Maria Nascimento Branco Philipovsky (1849-1945), neta de José Joaquim Pereira Branco,
dono de terras na região de Ponta Grossa e vereador da cidade de 1857 até seu falecimento
(SANTOS, 2002). Carlos Philipovsky nasceu em Viena, estudou engenharia e
Ocupou o cargo de engenheiro da Estrada de Ferro Rainha Elizabeth, sendo mais tarde
nomeado chefe do Escritório Central em Budapeste, capital da Hungria, e da Estrada
Real do Império da Áustria, até 1872. Foi contratado pelo governo imperial brasileiro
para trabalhar como ajudante do engenheiro-chefe da construção da estrada de ferro de
Macaé a Campos. Durante a permanência nesse cargo, conheceu o Barão de Capanema,
diretor geral dos Telégrafos, sendo convidado pelo mesmo a ocupar o cargo de
engenheiro construtor da linha telegráfica de Antonina a Iguape; fora nomeado em 1º de
março de 1875, como inspetor de 3ª classe e promovido a 2ª classe em julho do mesmo
ano [...]
Durante a construção das estradas de rodagem de São Luiz a Ponta Grossa, foi, em 1º de
setembro de 1893, nomeado diretor do serviço de construção da estrada de Imbituva a
Guarapuava, cargo que causara sérios danos à sua saúde, sendo então, nomeado ao cargo
de inspetor encarregado da secção de Ponta Grossa e Palmas. Em 1880, contraiu
matrimônio em Ponta Grossa, com D. Maria Nascimento Branco, aqui fixando
residência [...]
Em 1880, hospedara em sua residência, o Imperador D. Pedro II, quando este visitara a
Colônia Tavares Bastos, em Ponta Grossa. Em agradecimento à família Philipowski, a
Princesa Isabel enviou-lhes uma foto sua, em companhia de Conde D’Eu e seus filhos.
Também recebia cartões com mensagens de várias regiões do globo, portanto era um
homem conhecido pelo trabalho que exercia (WALDMANN, 2013).
Anita e sua família moravam numa fazenda distante da cidade, o que dificultava que sua
educação acontecesse numa escola. A família contratou professores que eram em sua maioria
estrangeiros, os quais passaram a residir na fazenda. Esses professores foram responsáveis pelo
ensino básico, ensino de alemão e francês, artes, música (cítara) e pintura.
Foi uma filha muito apegada ao pai, que demonstrava ser inteligente e possuidor de
grande cultura. Foi o maior incentivador da filha nos estudos, o qual também estimulou a leitura
de forma significativa, por meio de uma rica biblioteca que possuía em casa.
Em virtude do falecimento de seu pai, a produção literária da poetisa passou a declinar,
quando cessou, em 1945, com a morte de sua mãe. Fugindo “j regra”, manteve-se solteira
durante a vida e não teve filhos. Sobre isso, Perrot (2007, p. 46) argumenta que:
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Não era simples manter-se na condição de jovem solteira, neste período, com as
restrições do corpo e do coração, quase sem liberdade de escolha quanto ao seu futuro,
seus projetos amorosos, exposta à sedução, à maternidade indesejada, impedida de
procurar o pai da criança. Ápice do “estado da mulher”, o casamento era a condição
normal da grande maioria das mulheres [...] O celibato era considerado a situação das
desprezadas, “das solteironas”, que seriam boas tias (deixando herança) ou intrigantes
temíveis.
Não foi possível identificar se Anita não casou por opção, mas conforme a citação acima,
o casamento era o ponto alto da vida de uma mulher.
Nos últimos anos de sua vida recolheu-se em sua residência, passando a prover a vida por
meio de bordados e aulas de música. É importante destacar que Anita teve a possibilidade de
trabalhar com bordados e aulas de música, devido às condições de educação que sua família
proporcionou em sua infância (SANTOS, 2002).
Anita teve como professora de pintura Giovanina Bianchi, que, como ela própria
mencionou numa entrevista concedida ao jornalista Raul Gomes, foi uma mulher que circulou no
meio literário pontagrossense, colaborando de forma significativa. “Raul Gomes: Das vossas
amigas que escrevem qual a que produz mais? Anita Philipovsky: Giovanina Bianchi, que com
brilhantismo já collaborou na “Folha Rósea” e tem de sua lavra uma belíssima sprie de poesias”
(O PROGRESSO, ed. 594, 6 ago. 1912).
A poetisa aponta que seu primeiro texto publicado “A legenda do ci~me” foi resultado da
influência de sua professora Giovanina Bianchi (ARTES NA WEB, 2018)1:
Raul Gomes: Há tempo que escreveis?
Anita Philipovsky: Há um ano aproximadamente. Numa dessas noites de inverno, que
para nós não tem a boa palestra de intimidade nas cidades se gosa “au coin du feu”; que
no campo são monótonas e parecem intermináveis, tornando-se indispensável a cada um
qualquer distracção para combater o tédio, eu experimentei escrever o meu primeiro
conto. E depois escrevia sempre. Mas não daria nunca a publicação os meus
modestíssimos escriptos se a isso não me instigasse minha professora de pintura, d.
Giovanina Bianchi, à quem dediquei inédita a primeira produção minha que foi
publicada
- A legenda do ciúme
- que os redatores d’ O Progresso tiveram a
benevolência de inserir nessa folha acompanhadas de algumas palavras animadoras para
1 Também conhecida como Gina Bianchi, nasceu na Itália em 1867 e faleceu em Curitiba em 1956. Foi pintora, desenhista,
poetisa, escritora e professora. Chega ao Brasil em 1899. Em 1900, casa-se com Edoardo Bianchi, em São Paulo/SP. Colabora
com o Jornal Fanfula durante muitos anos e obtém vários prêmios literários, embora as artes plásticas sejam predominantes em
sua preferência. Aprende a pintar com Ercília Marcori Cecchi, italiana que tinha vindo ao Brasil para decorar a Igreja do
Sagrado Coração de Jesus. Em 1910, os Bianchi mudam-se para Ponta Grossa/PR; Gina e Ercília abrem uma escola de desenho
e pintura, freqüentada pelas moças da sociedade local. Quatro anos mais tarde, fixam residência em Curitiba/PR, no Palacete
Wolf (atual sede da Fundação Cultural de Curitiba), transferindo a escola para esse endereço. Entre os alunos que ali estudam
está o jovem Theodoro De Bona. Gina participa de exposições de arte decorativa, tapeçaria, bordados e pintura, tanto em
Curitiba quanto em São Paulo. Na pintura, dedica-se à natureza morta, com especial preferência pelas rosas, daí ser chamada
de Fada das Rosas. Entre 1928 e 1932 mora na Itália, período em que faz restaurações de capelas, estátuas e estatuetas. Retorna
ao Brasil, onde dá continuidade à sua arte.
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mim. Confesso, porém, que foi muito receosa que enviei essa composição à redacção;
temia, em vista do seu nenhum merecimento, ver o meu envolto n’uma crítica; decerto
justa, mas sempre incomoda (O PROGRESSO, 1912f, s/p).
Ao publicar seu conto no “Diário dos Campos”, dedicou-o à Geovanina Bianchi. Nota-se
que a poetisa circulou entre pessoas pertencentes à elite pontagrossense e, principalmente, entre
mulheres que já faziam parte do meio intelectual da cidade, facilitando a entrada de Anita nesse
meio.
Bueno (2010) comenta que no Paraná do final do século XIX e início do XX, houve um
entusiasmo literário. A referida autora explica que, em virtude da intensificação da vida social
nesse período, ocorreu significativa ampliação cultural que se deu principalmente entre as
camadas de posses da sociedade. Aliados à veiculação de ideias críticas sobre as relações sociais
e a crescente industrialização, os jornais se expandiram. Vieira (2007 apud Bueno, 2010, p. 65)
aponta que a imprensa permitiu a circulação de debates, posicionamento de personagens ilustres e
anônimos. Embora a importância das letras tenha aumentado nesse período, a participação das
mulheres ainda era rara.
Sobre o meio literário, Philipovsky comenta em entrevista à Raul Gomes:
Raul Gomes: Há em Ponta Grossa um meio literário?
Anita Philipovsky: Creio poder responder affirmativamente. Não constituem esse meio
um elevado numero de elementos, porém entre eles alguns bastante e merecidamente
considerados no mundo intellectual paranaense, e que com educação digna de louvor
mantem a folha lieterária que aqui se publica, e outros, que ainda principiantes, mas que
pelo talento e applicação ao estudo promettem um futuro bastante lisonjeiro para a
literatura pontagrossense (O PROGRESSO, 1912f, s/p).
As mulheres cronistas publicavam em periódicos locais, principalmente sobre assuntos
considerados femininos, como moda e casamento. Essa foi para as mulheres, uma das entradas no
campo literário. Como é o caso da já citada escritora, feminista e educadora Mariana Coelho, a
qual iniciou seu trabalho na imprensa escrevendo sobre moda (BUENO, 2010).
Anita Philipovsky, ao contrário de Coelho, não “passou” por uma coluna de “assuntos
femininos”, publicou desde o início seus poemas ou crônicas, mas que nada tinham em comum
com apontamentos sobre moda ou casamento. A poetisa escrevia sobre sua cidade natal, lugares
que passou. Sua produção p construída de “intermitências entre momentos de encantamento e
momentos de profunda tristeza” (SANTOS, 2002, p. 41), sendo que os títulos dos seus escritos
revelam por si só seus conteúdos: “Paisagem, Flores, A cruz do ermo, Saudade, Rompimento
[...]” (p. 41).
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Com relação à dedicatórias contidas nos textos das escritores do período, Bueno (2010)
relata que Mariana Coelho manteve uma rede de sociabilidade, a qual permitiu que suas
produções fossem publicadas e bem recebidas. Essa rede pode ser vista por meio das
dedicatórias. Este hábito de publicar textos dedicados a alguém, era uma prática comum entre os
escritores, que funcionava como uma estratégia de divulgação da produção, e ao mesmo tempo
era uma forma de manter o vínculo editorial.
Assim como Coelho, Anita também publicou alguns de seus textos com dedicatórias:
“Legenda do Ci~me, dedicado j Giovannina Baldisseri Bianchi; Colloquio Intimo, dedicado j
Maria da Luz Pupo; Minimo, dedicado ao Sr. Alcidio Ribeiro; A Recompensa, destinado ao sr.
Julio Pernetta” (SANTOS, 2002)2, dentre outros.
A homenagem do “Diário dos Campos” a seguir, prestada à Anita em virtude de seu
aniversário, mostra a estima por parte do jornal e a forte participação da escritora em suas
páginas, que, em 1912, publicou seu primeiro texto, que como já mencionado, foi dedicado à sua
professora de pintura. É importante destacar que o “Diário dos Campos”, foi um grande
influenciador da opinião pública pontagrossense (CHAVES, 2015).
2 Retirados dos textos de Anita reunidos no livro Anita Philipovsky: a princesa dos campos.
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Figura 1 - Felicitações à Anita Philipovsky
Fonte: DIARIO DOS CAMPOS, Ponta Grossa, n. 1698, 2 ago. 1916, s/p.
Com relação à cidade natal de Anita Philipovsky, historicamente, Ponta Grossa-PR,
origina-se da tradição tropeira, ou seja, por
[...] estar no caminho das tropas, foi se organizando economicamente pela atividade
pastoril, servindo tambpm de passagem de “invernagem” do gado que ia ser vendido na
feira de Sorocaba. As fazendas, [...] foram se formando nos Campos Gerais, juntamente
com a abertura dos Caminhos, organizando e realizando atividades de subsistência dos
Campos Gerais (NASCIMENTO, 2004, p. 19).
A região pontagrossense foi passagem dos tropeiros que saíam do Rio Grande do Sul para
vender gado em São Paulo. Fazendas e pequenas povoações foram surgindo gradativamente ao
longo do Caminho dos Tropeiros, bem como comerciantes motivados a gerar renda com o
suprimento das necessidades dos tropeiros.
O acesso entre uma vila e outra era limitado, fazendo com que a economia natural se
sobressaísse. Assim como os homens, as mulheres também integravam a produção da
subsistência da família, por meio de “[...] uma ind~stria dompstica, gerida diretamente pela
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mulher do estanceiro, que produzia queijos, lingüiças, conservas, charques, tecidos, rendas,
artigos de couro, etc.” (FREITAS, 1980, p. 37).
Segundo Wachowicz (2010, p. 99), no início do spculo XIX, Ponta Grossa “[...] já estava
integrada social, política e econômica aos núcleos que formariam o Paraná. Apesar dessa
integração, as populações não latifundiárias dos Campos Gerais eram relativamente pobres”.
Ponta Grossa foi província de Castro até 1823, quando foi elevada a freguesia. Embora
tenha adquirido a emancipação de Castro e o título de freguesia, Ponta Grossa dependia
juridicamente da referida Comarca que tinha fazendeiros poderosos, cujo poder político estava
sob seus comandos, tendo o poder de “[...] eleger, ficavam com a direção da Comarca e Justiça,
para os momentos oportunos e entregavam aos suplentes, que eram representados por
pontagrossenses; os trabalhos e aborrecimentos oficiaes” (NOVAES, 1943, p. 37).
Com o desenvolvimento da população de Ponta Grossa, seus habitantes reivindicavam a
separação da Comarca de Castro e a criação de escolas na região. Como não foram atendidos,
“[...] os pontagrossenses, [...]se reuniram e fundaram uma escola particular, de duração efêmera”
(NOVAES, 1943, p. 37).
Em Ponta Grossa foi significativa a presença de vários grupos étnicos de imigrantes
vindos da Europa, que vieram para substituir a mão de obra escrava e pela promessa de
receberem terras para ocuparem e administrarem conforme seus interesses. Entretanto,
Ao entrarem no Brasil, assumiam uma dívida com o país, que começava desde o
momento em que saíam de sua terra de origem e que deveria ser abatida com o fruto de
seu trabalho [...] Os imigrantes eram subvencionados, ou seja, recebiam as terras e nela
deveriam plantar, desenvolvê-la, e o lucro líquido no final da colheita era dividido com o
proprietário. Os colonos ficavam em desvantagem em razão dos encargos assumidos
pela vinda para o nosso país (NASCIMENTO, 2004, p. 33).
Segundo o trecho citado, os imigrantes já chegavam endividados no país, enganados por
falsas promessas e em condições precárias de trabalho. Os imigrantes também formavam
colônias, que localizavam-se em locais mais distantes do centro da cidade:
Varias colônias, todas de polacos, ficam nas proximidades da cidade
(Iguassú,
Cachoeira, Canoa, Taquaral e Agua Branca). Os colonos entregam-se principalmente à
extracção da hervamate, ao plantio do feijão, centeio, milho, batata doce e paraguaya e
mandioca; havendo diversas fabricas de farinha de mandioca e tratando alguns da
viticultura e da criação de abelhas, sem empregar, entretanto, os processos hodiernos. A
principal exportação de todo o município consiste em herva mate. Mais de 400 mil
arrobas deste producto escoam-se pela via fluvial com destino a Coritiba, todo o anno. É
a maior fonte de rendas para emprezarios vapores (O PROGRESSO, 1912a, s/p).
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Embora o trecho acima relacione-se apenas com colônias de poloneses, imigrantes de
outras etnias também estabeleceram-se em Ponta Grossa, como italianos e alemães (dentre
outros) (NASCIMENTO, 2004).
No final do século XIX e início do XX, a economia da cidade passou por iniciativas
industriais e a imigração produziu um intenso crescimento regional, fortalecida pela produção da
erva mate.
Além disso, a estrada de ferro inaugurada em 1907 também foi fator de expansão do
comércio e da população. Ponta Grossa estava localizada em uma região estratégica, sendo ponto
de encontro entre as principais regiões do Estado. A ferrovia impulsionou a importância da
cidade, que passou a ser considerada
[...] o coração do Paraná; incontestavelmente é o centro da sua vida commercial e
industrial.
Asseguram-lhe, fatalmente, essas qualidades preponderantes, a posição da cidade, no
mappa estadoal, o facto della ser no futuro, o ponto de partida de ramaes ferroviários,
ponto obrigatório da parada de trens e ponto do cruzamento de importantes estradas de
rodagem de penetração. Para Ponta Grossa, como para um coração humano, convergem
dois systemas mais ou menos completos de viação, os quaes, em breve, se notabilisarão
pela execução de um plano formidável de desenvolvimento ferroviário
(O
PROGRESSO, 1912b, s/p).
A ferrovia atraiu a instalação de várias indústrias, ampliando o mercado e a economia da
região. Algumas das indústrias e comércio eram: Café Piriquito de Bernardo Johnsecher, Fábrica
a vapor de conservas de carnes de José Buchler
(O PROGRESSO, 1910, s/p), Fábrica
Camponeza de sabão e velas, Frigorífica Pontagrossense de José Buchler, Ferraria Flor dos
Campos de José Jacob Buhrer, Alfaiataria Ribeiro de Pedro C. Ribero (O PROGRESSO, 1911b,
s/p), Ferraria Flor dos Campos de José Jacob Buhrer, Alfaiataria Ribeiro de Pedro C. Ribeiro,
Relojoaria e Ourivesaria de Guilherme C. Quentel (O PROGRESSO, 1911a, s/p), Cervejaria
Adriática de Henrique Thielen, Fábrica de Fogos São Pedro de Pedro Barbosa, Casa de calçados
de Gaspar Schwab, Pharmacia e Drogaria Central de João M. de Milasch (DIARIO DOS
CAMPOS, 1919a, s/p).
Enquanto os homens eram os grandes proprietários das indústrias e comércio, as mulheres
anunciavam no jornal seus trabalhos independentes, a fim de conseguirem uma possível clientela:
Bianchi e Cecchi anunciavam aulas de pintura no Atelier de Pintura das professoras Bianchi e
Cecchi, Amanda Garcia anunciava aula de bordar e costurar, Anna Herzog oferecia seu trabalho
de lavagem e engomagem na rua Pitanguy esquina de Santos Dumont, Helena Silipinsky
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empalhava cadeiras e móveis de todo e qualquer formato e qualidade na rua Coronel Balduíno
Taques, a modista Donna Zenny aprontava-se com prontidão chapéus para senhoras e meninas
num sistema moderno, assim como, reformava e renovava chapéus usados (O PROGRESSO,
1910, s/p).
Com o avanço do capitalismo no país, as mulheres das camadas médias e proletárias são
solicitadas a suprir de forma barata as necessidades do mercado. Trindade (1996, p. 263) comenta
que é interessante notar nessa época:
O grau de autonomia alcançado pelas mulheres em vários campos de trabalho em que
pese sua situação por vezes adversa neste contexto. Num momento em que o matrimônio
significa a obtenção de um status econômico e social - e os trabalhos manuais e o ensino
particular são as únicas oportunidades das solteiras ou viúvas ganharem a vida - os
negócios dirigidos por mulheres representam, no mínimo uma certa tomada de posição
que o sexo feminino ensaia e a sociedade passa a tolerar.
Mulheres da classe trabalhadora ou viúvas que precisavam prover seu sustento, buscavam
trabalhar e garantir meios para sobreviver. As mulheres encontravam-se inclusive solicitando
moradia à Prefeitura, conforme os seguintes requerimentos:
Maria Angelina Pinheiro, mulher pobre, sem abrigo, solicita ao prefeito presidente a
concessão gratutita de um terreno por carta de data para edificar uma casa de taboas na
rua Curityba, Olarias, onde houver devoluto. Atestado de pobreza expedido pela
delegacia (ACERVO..., 1909a, s/p).
Maria Joana América viúva, pobre, solicita ao prefeito a concessão de um terreno para
edificar uma casa uma casa de madeira a rua dos Operários vizinhando com Michelino
de tal onde tiver devoluto para legalizar quando puder. Atestado de pobreza
(ACERVO..., 1926, s/p).
Cândida Ferreira Guimarães pobre e cheia de filhos solicita ao presidente e membros da
Câmara a concessão gratuita de um terreno por carta de data para edificar uma casa com
7 m com fundos correspondentes sito a rua da Matriz anexo a Placydio Pedrozo
(ACERVO..., 1909b, s/p).
Trindade (1996, p. 162) corrobora que “a participação laboriosa da mulher na sociedade
republicana deve suas premissas à influência do pensamento liberal, em detrimento do positivista,
bem mais avesso js suas incursões nos mercados de trabalho”. Se por um lado o liberalismo
proporciona determinada abertura ao mercado de trabalho, existe um conservadorismo que vai
contra tais pretensões, embasadas principalmente no pensamento católico e positivista.
Ou seja, embora algumas mulheres estivessem presentes no mercado de trabalho,
morassem sozinhas e comandassem suas vidas de forma autônoma, sem depender do marido, a
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cultura e as correntes de pensamento vigentes na época difundiam a concepção de que a mulher
era destinada ao lar, ao cuidado do marido e dos filhos. Sendo esta, a mulher ideal. Uma vez
esposa, esta seria lembrada e mencionada em alguns momentos, tendo como referência o seu
marido, e quando solteiras, o pai, como na coluna do “Diário dos Campos”, nomeada “Vida
Social”:
Completaram, ante hontem, mais um anniversario natalício, os srs. Alfredo Villela,
Octavio S. Carvalho, Manoel Cyrillo Ferreira; a Exma, Sra. D. Generosa de Almeida, e a
gentil senhorita Alvina Baêr dilecta filha do Sr. Oscar Baêr” (DIARIO DOS CAMPOS,
nº. 2291, 20, jan. 1919). “Acha-se em festa do seu anniversario natalício a Exma. D.
Helly Martins de Almeida virtuosa esposa do Sr. Cap Lafayette Manoel de Almeida
(DIARIO DOS CAMPOS, 1919b, s/p).
Ou nos an~ncios de venda imobiliária: “Vende-se o prédio nº. 1 da Rua Dr. Collares.
Preço de ocasião. Tratar com a Viuva Herdag, j rua 15 de Novembro nº. 8” (DIARIO DOS
CAMPOS, 1915, s/p).
Assim como Bertha, que foi uma mulher protagonista em seu contexto, que teve uma
atuação fora dos padrões esperados para a mulher do período republicano, Anita Philipovsky foi
contista, poetisa e cronista, que desenvolveu grande produção intelectual colaborando de forma
frequente em numerosos jornais e revistas como: “Ilustração Paranaense”, “Diário dos Campos”,
“Prata de Casa”, dentre outros (SANTOS, 2002).
A República noticiando a estada da distincta escriptora na capital, tecem-lhe os mais
justos e merecidos elogios. Annita Philipowski não é apenas uma impressionista de
superficialidades, como em regra são as escriptoras. Annita Philipowski pensa,
philosòpha, e aborda questões sociaes com superioridade de vistas. Nos que lhe
acompanhámos os primeiros passos nas collumnas d’O Estado e na phase d’O Progresso
nesta folha, temos muito prazer registrando esta noticia, da própria redação d’A
Republica, uma terra em que os intellectuaes do interior são quase sempre esquecidos
pelos seus super-civilizados colegas da capital (DIARIO DOS CAMPOS, 1921, s/p).
Por meio do trecho acima, é possível reconhecer a visibilidade da escritora, na medida em
que o jornal curitibano “A República” noticiou a estada da escritora na capital com posteriores
elogios. Ao replicar a notícia, o jornal pontagrossense “Diário dos Campos” vê o fato como algo
importante, já que escritores interioranos seriam por vezes esquecidos na capital. Além disso,
destaca-se a forma com que Anita era vista, como uma mulher que pensa, filosofa e aborda
questões sociais com superioridade.
Ao dizer que Anita abordava questões sociais, além da crítica com relação à educação
pontagrossense, outro exemplo de suas reflexões sobre problemáticas sociais, é o que Anita relata
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 21, n. 3, p. 883-899, set./dez. 2019.
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OLIVEIRA, Loraine Lopes de; MARTINIAK, Vera Lucia. A escritora Anita Philipovsky: contribuições da literatura para a
educação feminina nos Campos Gerais, PR.
no “Diário dos Campos”, sobre suas impressões com relação a uma visita feita ao quartel do
exército de Ponta Grossa, juntamente com as famílias Pirrho e Andrade. O relato da escritora tem
início com as seguintes considerações:
Causará por certo estranheza aos leitores desta folha, o facto de uma senhorita occupar-
se em descrever a impressão recebida n’uma visita j caserna; não só porque na opinião
da maioria do povo o militarismo é uma questão que não deve preocupar o espírito da
mulher, mas também por causa da injusta desconsideração que em nosso paiz é tida a
classe armada (O PROGRESSO, 1912e, s/p).
Philipovsky aponta que naquele contexto social, as mulheres eram excluídas de assuntos
direcionados ao meio militar, uma vez que não precisavam se preocupar com tais questões já que
o militarismo ficava a cargo somente de homens. Além disso, expõe a desconsideração da
sociedade brasileira com relação à classe armada, que p injusta, segundo ela. “Diz-se geralmente
que a vida militar é quase completamente destituída de trabalho, é muito folgada. É um erro. Ide
ao quartel e ficareis convencido do contrario” (O PROGRESSO, 1912e, s/p).
Na entrevista concedida a Raul Gomes para o jornal da cidade, em que dialoga sobre o
meio literário pontagrossense dos primeiros anos do século XX, ao ser questionada se existem
muitas mulheres no referido meio, a poetisa responde que o número feminino de escritoras é
muito limitado “as senhoritas pontagrossenses dedicam-se com preferência à música e à pintura,
e creio que se pode atribuir esse desamor às letras, à crítica, que essa arte mais que todas as outras
esta sujeita” (O PROGRESSO, 1912c, s/p). Dentre as mulheres que fazem parte desse meio,
Anita destaca as seguintes: Marianna Duarte, Giovanina Bianchi, Josephina Rodrigues, Cordelia
do Amaral, Daluz Pupo, Maria Luiza Xavier e Herminia Cordeiro.
“Daluz Pupo, por exemplo, educada em Ponta Grossa, onde não há meios para se adquirir
o preparo preciso para habilitar-nos a expor uma ideia, já tem publicado alguns sonetos bem
imaginados” (O PROGRESSO, 1912c, s/p). Anita expõe a falta de instrução em Ponta Grossa,
que prepare e dê condições para que as mulheres possam refletir, serem críticas do seu contexto,
da sua realidade.
Além de ser crítica de questões sociais, Anita Philipovsky, por meio de seus textos,
contribuiu, segundo Santos
(2002) com o Movimento Paranista. Dentre suas produções, é
possível identificar o viés paranista nos seguintes textos publicados na revista Illustração
Paranaense: “Miguelzinho (n. 12), Tappra (n.10 e 11), O Tibagy (n. 5), O Velludo (n. 5 e 6), A
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OLIVEIRA, Loraine Lopes de; MARTINIAK, Vera Lucia. A escritora Anita Philipovsky: contribuições da literatura para a
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alma penada (n. 7)”, alpm de outros publicados em diferentes periódicos da época (SANTOS,
2002).
Embora Anita tenha feito parte do círculo de escritoras pioneiras do Paraná, sendo
bastante respeitada pelo “Diário dos Campos”, expressava-se de forma modesta com relação à
sua produção, o que pode ser percebido em sua entrevista à Raul Gomes. Questionada se há
talentos prometedores entre as escritoras paranaenses, responde: “A essa pergunta, tambpm, não
posso dar uma resposta satisfactoria. Na minha incompetência intellectual e saber limitadíssimo”.
Em resposta, Gomes responde: “Competência intellectual e saber razoável, senhorita...” (O
PROGRESSO, 1912c, s/p).
Como já mencionado, Anita teve professores contratados para lhe ensinar em casa, devido
à distância até a cidade. Sobre a educação em sua cidade ela escreve:
Nós moças de Ponta Grossa, que fontes tivemos e temos para saciar nossa sede de saber?
Em uma escola de primeiras letras recebíamos o ensino das matérias elementares, e este
mesmo interrompido pelos impedimentos da professora, e nada mais [...]
Quando se abrio o instituto “Dr. João Candido”, em nossa cidade podia estabelecer se
também um curso secundário para meninas ensinando com especialidade geografia
geral, eletricidade, escripturação mercantil, contabilidade, tachigrafia e uma das línguas
mais geralmente faladas como a franceza, inglesa ou allemã. Ficariam, com o preparo
nessas matérias, habilitadas para ocuparem cargos no correio, telegrapho, telephone, ou
como guarda livros e correspondentes commerciaes [...]
Ponta Grossa; porém, a segunda cidade em população e progresso comercial e industrial,
já devia ter um estabelecimento de ensino secundário para meninas, que as preparasse
para a lucta, pela vida, porque aquella de entre nós que quiser, abandonando a rotina
comum, sahir desse circulozinho estreito e opressor, adquirir os meios para se lançar
n’uma esfera mais ampla, para levar uma vida menos dependente; enfim, há de recuar
vencida entre a importância de ver realizada a sua elevada aspiração na falta de uma
escola que lhe daculte para esse fim o saber necessário (O PROGRESSO, 1912d, s/p).
Com tal crítica, Anita entende que o trabalho é uma forma de conquistar uma vida menos
dependente. Entretanto, aponta que as meninas tinham acesso apenas ao
“elementar”, não
contando com um curso secundário na cidade, o qual possibilitasse formá-las para trabalhar no
correio, telégrafo, telefone ou como guarda livros e correspondentes comerciais, dando a chance
àquelas que desejassem, sair do comum, do círculo estreito e opressor.
Considerações finais
Anita desenvolveu grande produção intelectual entre as décadas de
1910 e 1920,
publicando frequentemente em numerosos jornais e revistas paranaenses como: “Ilustração
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OLIVEIRA, Loraine Lopes de; MARTINIAK, Vera Lucia. A escritora Anita Philipovsky: contribuições da literatura para a
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Paranaense”, Diário dos Campos, Prata de Casa, dentre outros (SANTOS, 2002).
Foi filiada ao Centro Cultural Euclides da Cunha (SANTOS, 2002) fundado em Ponta
Grossa, em 1947, por Faris Antônio Salomão Michaele. O referido centro “reunia intelectuais
ponta-grossenses que discutiam assuntos pertinentes à cultura e aos valores da sociedade.
Desenvolviam a literatura, a ciência, as artes e buscavam uma troca de ideias com o resto do país
e as Ampricas” (AUGSTEN; SILVA, 2008, p. 6). Revelando que Anita circulou entre grandes
intelectuais pontagrossenses e discutia sobre vários assuntos, que iam muito além de assuntos
ligados ao mundo feminino, como moda ou beleza.
Ficou evidente que o meio que a escritora utilizou para publicar suas produções foi a
imprensa. Como mencionado, naquele contexto o jornal foi um grande difusor de debates e
posicionamentos.
Embora a maioria dos escritores que publicavam fossem homens, Anita fez parte do grupo
das mulheres pioneiras no referido veículo de informação. Foi possível identificar por meio de
uma notícia republicada pelo “Diário dos Campos”, que a escritora tinha visibilidade na capital
paranaense, na medida em que o jornal curitibano “A Republica” noticiou sua estada na cidade,
com posteriores elogios. Ao replicar a notícia, o jornal pontagrossense viu o fato como algo
importante, já que escritores interioranos seriam por vezes esquecidos na capital. Foi reconhecida
pelo referido jornal republicano como uma mulher que pensa, filosofa e aborda questões sociais
com superioridade.
Durante o período em que publicou, manteve o hábito de dedicar alguns de seus textos
para pessoas que faziam parte de seu círculo de sociabilidade. Bueno (2010) argumenta que tal
prática pode ser considerada uma estratégia de divulgação da produção, e ao mesmo tempo era
uma forma de manter o vínculo editorial.
Embora os moldes da sociedade republicana colocasse “como padrão”, a mulher do lar,
do espaço privado, as mulheres da classe proletária ou viúvas, precisavam sair da passividade, em
busca de trabalho para prover seu sustento. Inclusive, faziam tentativas de conseguir moradia
com a prefeitura.
Philipovsky defendeu que as mulheres poderiam alcançar a
“autonomia”, ou seja,
poderiam ser menos dependentes por meio do trabalho, que não só o magistério. Entretanto,
existiram as próprias mulheres que “eram fruto de seu tempo”, e defendiam que sua função social
era a mulher mãe e esposa.
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Assim, constatou-se que Anita Philipovsky pode ser compreendida como uma exceção,
entre as mulheres de seu tempo, não excluindo também outras mulheres que marcaram nesse
contexto, como por exemplo, Mariana Coelho e Giovanina Bianchi, na medida em que contrariou
os padrões que esperava-se de uma mulher da sociedade republicana: não se casou; não teve
filhos; poetisa, circulando num espaço marcadamente masculino; suas observações revelam a
postura de uma mulher crítica.
Desse modo, a pesquisa revelou que alguns fatores contribuíram para isso. O pai de Anita
foi um engenheiro contratado para trabalhar no Brasil, sendo reconhecido pelo trabalho que
exercia. Era um homem que demonstrava inteligência e possuidor de grande cultura, sendo seu
maior incentivador nos estudos e na leitura por meio da rica biblioteca que possuía em casa.
Seu avô foi vereador de Ponta Grossa e dono de terras na região. Sendo filha de um
engenheiro, homem que teve condições materiais favoráveis para completar sua formação num
ensino superior e neta de um homem de posses e que circulou entre o meio político
pontagrossense, o que significa que era de uma família reconhecida na cidade.
Sendo o ser humano sujeito histórico e social, suas ideias, sua consciência, estão
diretamente ligadas com a atividade material, como compreendiam Marx e Engels (2007, p. 94)
“são condicionados por um determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo
intercâmbio que a ele corresponde, até chegar js suas formações mais desenvolvidas”.
Ou seja, o círculo social em que a família de Anita vivia favoreceu o contato com pessoas
cultas e influentes no meio literário. E também à concretizar seus estudos em casa. Importante
destacar que em sua idade escolar (obrigatório para meninas de 7 a 12 anos, segundo o Decreto n.
93 de 1901) excetuava-se da obrigatoriedade do ensino, crianças que residissem à distância da
escola pública, maior de dois Quilômetros para meninos e de um para meninas Decreto n. 93,
1901, Art. 23 (PARANÁ, 1901).
A residência da família era distante da cidade, o que dificultava para Anita frequentar
alguma escola urbana. Com isso, sua família contratou professores que eram em sua maioria
estrangeiros, os quais passaram a residir na fazenda. Esses professores foram responsáveis pelo
ensino básico, ensino de alemão e francês, artes, música (cítara) e pintura, sendo sua professora
de pintura a italiana Giovanina Bianchi, que também circulou no meio literário pontagrossense e
foi sua grande incentivadora na publicação de suas produções. O contato com Giovanina revelou-
se de extrema importância para que Philipovsky despontasse no meio letrado.
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OLIVEIRA, Loraine Lopes de; MARTINIAK, Vera Lucia. A escritora Anita Philipovsky: contribuições da literatura para a
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