Artigo
Preservação do Deutschtum nas escolas da imigração alemã no período da
Campanha de Nacionalização
Preservation of Deutschtum in German immigration schools during the period of the Nationalization Campaign
Preservación del Deutschtum en las escuelas de inmigración alemana en el período de la Campaña de
Nacionalización
Débora de Lima Velho Junges - Instituto Federal Catarinense | Técnica em Assuntos Educacionais | Fraiburgo | SC
| Brasil. E-mail: deborajunges@gmail.com
Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar como o Deutschtum se fazia presente nas vivências dos
descendentes de imigrantes alemães enquanto estudantes nas escolas da imigração alemã durante o período
da Campanha de Nacionalização. As ferramentas teóricas do estudo estão vinculadas aos estudos e
pesquisas relacionadas à imigração alemã e às teorizações foucaultianas. O material de pesquisa consiste
em narrativas de sete pessoas que estudaram em escolas da imigração alemã no Rio Grande do Sul, no
período citado. Os principais resultados da investigação apontam que os princípios norteadores do
Deutschtum foram, em alguns casos, preservados e, até mesmo, reforçados no período da Campanha de
Nacionalização em forma de rituais escolares “adaptados” às condições impostas pelas medidas de Estado.
Palavras-chave: Campanha de Nacionalização. Deutschtum. Subjetivação.
Abstract: This article aims to analyze how the Deutschtum was present in the experiences of the descendants of
German immigrants as students in German immigration schools during the period of the Nationalization
Campaign. The theoretical tools of the study are linked to studies and research related to German
immigration and Foucaultian theorizations. The research material consists of narratives of seven people
who studied in schools of German immigration in the Rio Grande do Sul, during the mentioned period. The
main research results indicate that the guiding principles of Deutschtum were in some cases preserved and
even reinforced during the period of the Nationalization Campaign in the form of school rituals "adapted"
to the conditions imposed by State measures.
Keywords: Nationalization Campaign. Deutschtum. Subjectivation.
Resumen: Este artículo tiene como objetivo analizar cómo el Deutschtum se hacía presente en las vivencias de los
descendientes de inmigrantes alemanes como estudiantes en las escuelas de la inmigración alemana
durante el período de la Campaña de Nacionalización. Las herramientas teóricas del estudio están
vinculadas a los estudios e investigaciones relacionadas con la inmigración alemana y las teorizaciones
foucaultianas. El material de investigación consiste en narrativas de siete personas que estudiaron en
escuelas de la inmigración alemana en Rio Grande do Sul, en el período citado. Los principales resultados
de la investigación apuntan que los principios orientadores del Deutschtum, en algunos casos, se
preservaron y se reforzaron en el período de la Campaña de Nacionalización en forma de rituales escolares
"adaptados" a las condiciones impuestas por las medidas de Estado.
Palabras clave: Campaña de Nacionalización. Deutschtum. Subjetividad.
• Recebido em 30 de novembro de 2018 • Aprovado em 02 de setembro de 2019 • e-ISSN: 2177-5796
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JUNGES, Débora de Lima Velho. Preservação do Deutschtum nas escolas da imigração alemã no período da Campanha de
Nacionalização.
Introdução
A Campanha de Nacionalização, que iniciou com os decretos de 1938 relacionados à
restrição do uso do português como língua única do país e culminou em 1945, é considerada por
estudiosos e pesquisadores da imigração alemã no Brasil como um dos elementos que intervieram
no declínio das escolas da imigração alemã no território nacional e consequente fechamento
destas em colônias alemãs (KREUTZ, 1994; RAMBO, 1994). No estado do Rio Grande do Sul,
pela imposição das medidas que buscavam a nacionalização do ensino, “criou-se um clima de
tensão e medo na região colonial dos imigrantes” (KREUTZ, 2010, p. 81-82).
Nesse cenário, os imigrantes alemães e seus descendentes passaram a vivenciar um
dilema, pois, enquanto cidadãos brasileiros, estes deviam acatar as legislações vigentes. Todavia,
o sentimento de pertencimento à nação alemã, perpetuado pela conservação e pela prática do
Deutschtum, operava em suas vidas, subjetivando-os de modo a se perceberem como colonos, no
qual a descendência alemã era priorizada. Vale ressaltar que, na tradição alemã do século XIX, a
noção de Deutschtum (germanismo) introduz “a ideia de que a nacionalidade é herdada, produto
de um desenvolvimento físico, espiritual e moral: um alemão é sempre alemão, ainda que tenha
nascido em outro país” (SEYFERTH, 1982, p. 46).
Quanto às formas de vida escolar, antes das medidas impostas pelo Estado, os princípios
norteadores do germanismo “eram transmitidos na escola, atravps do currículo, do conte~do
programático, dos livros didáticos, atravps da língua alemã e da ação dos professores”
(FONSECA, 2007, p.
105). Como procuraremos discutir, tais princípios norteadores do
germanismo foram, em alguns casos, preservados e, até mesmo, reforçados no período da
Campanha de Nacionalização em forma de rituais adaptados às novas condições.
Tal como em Foucault (2011), compreendemos os rituais como procedimentos que
legitimam a manifestação da verdade, sejam eles na ordem do dito, do enunciado ou do que foi
expresso, como também de outros procedimentos postos em ação na prática social. No contexto
deste estudo, os rituais são aqueles que se relacionam às especificidades subjetivas e objetivas
que eram praticadas nas escolas da imigração alemã.
De modo mais específico, este artigo tem como objetivo analisar como o Deutschtum, o
sentimento de pertencimento e a atitude de respeito à cultura alemã se fazia presente nas
vivências dos descendentes de imigrantes alemães enquanto estudantes nas escolas da imigração
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alemã durante o período da Campanha de Nacionalização. Para isso, foram produzidas narrativas
com sete pessoas que estudaram em escolas da imigração alemã no período compreendido entre
1938 a 1945.
O Deutschtum e o período da Campanha de Nacionalização
Antes de mais nada, é relevante, para as discussões que serão tratadas neste artigo,
considerar a atmosfera que compunha o cenário no qual as escolas da imigração estavam
inseridas e apresentar quais aspectos circundavam as relações estabelecidas entre Brasil e
Alemanha nesse período. Isto porque o enunciado de uma possível ameaça à constituição de uma
nacionalidade brasileira pela preservação e prática do Deutschtum em território nacional
circulava no Estado, na sociedade brasileira e entre os imigrantes alemães e seus descendentes, e
encontrou terreno fértil com a ascensão do nazismo em 1933 até o final da Segunda Guerra
Mundial (SEYFERTH, 2002; WEBER, 2012).
Em sua tese, Rahmeier (2009) estudou as relações diplomáticas, políticas e militares
estabelecidas entre Alemanha e Brasil da metade da década de 1930 até a declaração brasileira de
guerra à Alemanha, em 1942. A autora observa que antes de 1937 “as relações diplomáticas da
Alemanha com o Brasil eram guiadas pelas necessidades comerciais de ambos os países”
(RAHMEIER, 2009, p. 81) e, também, por razões políticas. Havia uma forte tendência de
crescimento e estreitamento entre as relações comerciais e políticas dos dois países, posto que, do
lado alemão, se fazia necessário um grande volume de matérias-primas diversificadas e de
produtos agrícolas que eram encontrados no Brasil.
Alpm disso, a Alemanha “tambpm necessitava de um mercado consumidor para seus
inúmeros produtos industrializados” (RAHMEIER, 2009, p. 89) e encontrou no Brasil a abertura
necessária para exportação dos produtos manufaturados. Outro fator que intensificou as relações
comerciais “foi a possibilidade do comprcio de compensação entre Brasil e Alemanha atender às
intenções das forças armadas do Brasil, pois permitia a compra de material bélico das empresas
alemães” (RAHMEIER, 2009, p. 89).
Até 1937, as divergências na concepção de nacionalismo entre os dois países pouco
afetaram a relação diplomática estabelecida e os apoios comerciais e políticos entre ambos.
Contudo, a partir da implementação do Estado Novo, as relações entre Brasil e Estados Unidos se
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intensificaram e se tornaram cada vez mais consistentes. Nesse período, ocorreu o “fechamento
dos acordos comercias, de criação da siderurgia e de compra de armamentos do Brasil dos
Estados Unidos” (RAHMEIER, 2009, p. 248), o que repercutiu de maneira negativa nos apoios
comerciais, políticos e bélicos constituídos até então entre Brasil e Alemanha.
Das mudanças que se seguiram no governo de Getúlio Vargas com a criação e a
imposição do Estado Novo e a outorga de uma nova Constituição em 1937, algumas afetaram
direta ou indiretamente a relação diplomática entre Brasil e Alemanha, assim como repercutiram
na vida dos imigrantes alemães e seus descendentes (RAHMEIER, 2009). Entre elas, se destacam
a Campanha de Nacionalização (ao impor ações direcionadas às comunidades de imigrantes e
seus descendentes e também ações contra cidadãos alemães que por ventura estivessem em
território brasileiro), a proibição dos partidos estrangeiros (incluindo o Partido Nazista no Brasil)
e a vinculação na mídia nacional de reportagens negativas sobre a Alemanha.
A partir dessas mudanças na política interna do Brasil, “a diplomacia germânica começou
a intervir oficialmente junto ao governo brasileiro, em defesa de seus compatriotas, que se viam
perseguidos, sendo que os dois governos estavam defendendo sua concepção de nacionalismo”
(RAHMEIER, 2009, p. 31). Uma das principais diferenças que distinguem a concepção de
nacionalismo entre Alemanha e Brasil se dá em um marco temporal. Ao passo que o Brasil de
Getúlio Vargas procurava construir sua nacionalidade se voltando para o futuro, na Alemanha
(assim como ocorria na maioria dos países europeus) a noção de Nação estava consolidada e
havia um imperativo pela preservação do Deutschtum (germanidade).
Outro ponto que distinguia a concepção de nacionalismo nos dois países era a
compreensão jurídica de cidadania. No Brasil, era empregado “o princípio do jus soli, onde
cidadania e nacionalidade são coisas indistintas e definidas pelo solo de nascimento, ou seja,
quem nasce em solo brasileiro p brasileiro” (NEUMANN, 2009, p. 135). Assim, para o Estado
Novo, os imigrantes e descendentes que não haviam nascido no território brasileiro permaneciam
na condição de estrangeiros e eram considerados uma ameaça para a unidade nacional
(SEYFERTH, 2008).
No caso alemão, nacionalidade e cidadania eram termos distintos conforme o princípio
que operava do jus sanguinis. Segundo este princípio “a nacionalidade p transmitida pelo sangue,
assim, em qualquer lugar, um alemão sempre permanece como tal; já a cidadania é dada pelo
local de nascimento” (NEUMANN, 2009, p. 135). Ou seja, mesmo que o descendente de um
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imigrante alemão nascesse no Brasil, sua nacionalidade era considerada alemã pelo entendimento
jurídico desse país. Além disso, essa compreensão pressupõe que a nacionalidade alemã, ou o
Deutschtum, p “perpetuada, mesmo longe da pátria de origem, atravps da cultura, do idioma e dos
demais costumes alemães” (DIAS, 2006, p. 23).
Enquanto na Alemanha se lutava pela manutenção da continuidade do Deutschtum,
mesmo em território não-alemão, o Estado Novo passou a repudiar manifestações culturais e
étnicas que em seu entendimento poderiam interferir negativamente na construção do ideal de um
nacionalismo brasileiro. Assim, a preservação e as formas de manifestação do Deutschtum pelos
imigrantes e seus descendentes que até 1937 era, de certa forma, aceita pelo governo brasileiro,
passou a ser um problema a ser combatido em nível nacional (DIAS, 2006).
Vale ressaltar que o Deutschtum “p umas das categorias centrais do germanismo, corrente
de pensamento que se difundiu no Rio Grande do Sul a partir do final do século XIX e durante as
primeiras quatro dpcadas do spculo XX” (ARENDT, 2005, p. 95). Referente à nacionalidade
alemã, esse termo, que se originou do pensamento romântico-nacionalista e sofreu influência das
teorias raciais (GRÜTZMANN, 2008), é concebido por diferentes vertentes da bibliografia alemã
como “os traços culturais particulares desse grupo - língua, religião, sistema de parentesco etc. -
que são capazes de oferecer crenças, regras de conduta e valores morais” (DIAS, 2006, p. 22).
A constituição da subjetivação “precisa se desenvolver em termos da relação entre as
tecnologias para o governo da conduta e as técnicas intelectuais, corporais e éticas que estruturam
a relação do ser consigo mesmo em diferentes momentos e locais” (ROSE, 2001, p. 45). Nesse
sentido, compreende-se que o Deutschtum operava como uma tecnologia na produção de uma
subjetividade específica na forma de vida alemã (sendo esses sujeitos residentes ou não da
Alemanha, considerando o princípio jurídico do jus sanguinis), ao estabelecer um conjunto de
princípios e regras que atuava na relação do ser consigo e com os outros.
As práticas de subjetivação, atreladas ao ideal de manutenção do Deutschtum, operavam
na produção e transformação das experiências dos alemães, tanto no campo individual (da
constituição e transformação de si mesmo), quanto coletivo (na condução e na relação com o
outro). Uma vez que as tecnologias, “são vivenciadas/aplicadas/constituídas na experiência social
dos sujeitos” (BUJES, 2002, p. 6), o germanismo se inseria como uma tecnologia que constituiu
um modo de ser que possuía particularidades relacionadas aos valores, mitos e tradições de uma
nacionalidade alemã.
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No contexto no Rio Grande do Sul, a luta pela manutenção e preservação do Deutschtum
é praticamente unanimidade entre os historiadores da imigração alemã. Kreutz (2007, 2010),
Seyferth
(1997,
2008), Arendt
(2005), Dias
(2006) e Grützmann
(2008) são alguns que
evidenciam que entre os imigrantes alemães e seus descendentes se procurou conservar e, até
mesmo, reproduzir o que consideravam representar o “bem cultural germknico”, vinculado a um
sentimento de pertencimento étnico e cultural. Entretanto, é importante ressaltar que, mesmo
buscando a continuidade do Deutschtum, os imigrantes alemães e seus descendentes procuraram
se integrar a sociedade e adquirir a cidadania brasileira (WITT, 2008), ou seja, eles não se
mantiveram as margens do restante da sociedade.
A partir da segunda metade do século XIX, principalmente pela imprensa em alemão, se
difundiu com intensidade “a ideia de que os imigrantes alemães e seus descendentes deveriam
conservar a sua identidade, denominada de germanidade (Deutschtum) e, assim, manter os laços
étnico-culturais com a Alemanha” (GRÜTZMANN, 2008, p. 1). Essa ideia se vinculou a três
diferentes vertentes no Rio Grande do Sul que, apesar de serem representadas por diferentes
líderes, tinham em comum a luta pela defesa da germanidade. As vertentes eram: de pastores
luteranos (líderes das comunidades evangélicas luteranas), de padres jesuítas (que lideravam a
população católica de ascendência alemã) e dos Brummer (que não estavam vinculados a uma
religião específica) (ARENDT, 2005).
Se por um lado os imigrantes alemães e seus descendentes foram subjetivados pelo
discurso do germanismo, a partir da década de 1930, eles passaram a serem pressionados pelos
governos federais e estaduais que pretendiam “a nacionalização do elemento estrangeiro e a
supressão de qualquer grupo etnicamente homogêneo, defendendo a ‘mistura de raças’ para a
formação do povo brasileiro” (ARENDT, 2005, p. 107).
No contexto da Campanha de Nacionalização, os imigrantes alemães e seus descendentes
passaram a vivenciar um dilema, pois, enquanto cidadãos brasileiros, estes deviam acatar as
legislações vigentes, que nesse caso suprimiam as manifestações culturais e étnicas consideradas
pelo Estado desvinculadas com a sua concepção de nacionalismo. Todavia, o sentimento de
pertencimento à nação alemã gerava certos conflitos entre os imigrantes alemães e seus
descendentes e os representantes da lei (RAHMEIER, 2009).
“Mesmo que Get~lio Vargas, pelas suas ações, concordasse e adotasse alguns mptodos
considerados nazistas, não admitia aos estrangeiros interferirem ou incentivarem a preservação de
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uma cultura não brasileira” (RAHMEIER, 2009, p. 101). Tais atos repercutiram negativamente
nas relações entre o governo brasileiro, o Estado alemão e o Partido Nazista. Entretanto, ao
contrário do que apontam autores da historiografia tradicional da imigração alemã, Rahmeier
(2009), ao analisar a documentação militar e diplomática existente no Arquivo Nacional Alemão,
observou que a Campanha de Nacionalização não foi a maior motivadora da crise diplomática
entre Alemanha e Brasil após 1938.
A Campanha de Nacionalização provocou descontentamentos, mas a diplomacia alemã
compreendia que não poderia intervir na nova legislação brasileira. Nesse caso, as ações
diplomáticas expressas pelos documentos oficiais dão conta dos interesses dos cidadãos alemães
em termos de prisões e da preocupação com a escolarização em língua portuguesa.
“Percebe-se que o cerne da questão era o choque entre as ideias de nacionalismo”
(RAHMEIER, 2009, p. 359). A discordância se dava na questão da preservação e prática do
Deutschtum em território brasileiro em oposição da política nacionalista do governo de Vargas,
que desejava criar uma nação brasileira na qual todos que residiam no Brasil deveriam ter uma
cultura comum. Na narrativa dos participantes desta pesquisa, são notórias a manutenção e a
importância da germanidade em suas histórias de vida, juntamente com a questão de como se
viam como cidadãos brasileiros.
Procedimentos teórico-metodológicos
Conforme abordado, a Campanha de Nacionalização teve grandes implicações para as
comunidades de imigração alemã, em especial, produzindo tensionamentos em escolas situadas
neste contexto. Tal período temporal se constitui como relevante na trajetória da escolarização da
imigração alemã. Por essa razão foi definido como sujeitos dessa pesquisa um grupo de pessoas
que frequentaram escolas da imigração alemã no período da Campanha de Nacionalização, entre
1938 e 1945.
O grupo de sete1 participantes foi entrevistado durante o ano de 2013, sendo que estes
tinham idades que variavam de 78 a 85 anos. O grupo era dividido em quatro mulheres e três
homens que residiam em Parobé e Taquara no momento das entrevistas, municípios do Rio
Grande do Sul.
1 Para manter o anonimato dos participantes da pesquisa, eles foram identificados pelos seguintes nomes: Helga,
Rose, José, Breno, Veni, Renata e Germano.
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Nacionalização.
Para a escolha dos participantes do estudo, inicialmente foram contatados os
administradores de dois asilos dos municípios de Taquara e Parobé. Foram eles que, após terem
sido informados dos objetivos da pesquisa, fizeram a seleção dos residentes, segundo o critério:
haver frequentado alguma escola da imigração alemã, da região, no período da Campanha de
Nacionalização.
Com cada um dos participantes foi realizada mais de uma entrevista individual, de modo a
produzir narrativas, em conformidade com as formulações da metodologia de Storytelling
(JØRGENSEN; BOJE, 2010). Isso implicou em não conduzir a fala dos entrevistados de modo a
conformá-la como texto linearizado (com um começo, meio e fim).
Na perspectiva da Storytelling, aquele que fala passa a ter a liberdade de contar a sua
história do modo que lhe for conveniente, sem que haja a delimitação do que falar e como
organizar sua fala. Na produção das narrativas, procuramos nos afastar da realização de
entrevistas estruturadas que enfocassem, unicamente, o objetivo da pesquisa, já que essa
modalidade de entrevista pode induzir a um viés menos subjetivo (JØRGENSEN; NUNEZ,
2010).
Por se constituir como uma prática discursiva, a narrativa e, consequentemente, a
perspectiva metodológica de Storytelling, também está imbricada em relações de poder
(JØRGENSEN; NUNEZ, 2010) que penetram “muito profundamente, muito sutilmente em toda a
trama da sociedade”
(FOUCAULT, 2002, p. 71). Assim, a narração, como uma prática
discursiva, também se submete aos procedimentos organizacionais, seletivos e restritivos de
proferimento das palavras (FOUCAULT, 1998). Em suma, a narrativa é compreendida em termos
da relação do narrador consigo mesmo e com os outros, operando em determinados tempos e
espaços (JØRGENSEN; NUNEZ, 2010).
Tendo como orientadores os preceitos da metodologia de Storytelling, as entrevistas
(gravadas e posteriormente transcritas) foram concedidas nas dependências dos dois asilos da
região, onde residiam os participantes2. Tais entrevistas foram longas, com duração média de
duas horas cada. Em vários momentos, eles recordaram vivências ocorridas em períodos
2 Cabe, aqui, também ressaltar que todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
após serem informados sobre os objetivos da pesquisa, de acordo às normas de ética nas pesquisas em Ciências
Humanas e Sociais. Além disso, o Projeto de Pesquisa tramitou pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade
à qual o estudo esteve vinculado e foi aprovado, por estar adequado ética e metodologicamente, conforme os
preceitos da Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde.
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anteriores e posteriores aos da Campanha de Nacionalização. Nessas ocasiões, procuramos ter o
cuidado de não os interromper, uma vez que, às vezes, essas fugas acabavam introduzindo algo
relacionado com o período em que frequentaram a escola da imigração alemã.
O Deutschtum nas escolas da imigração alemã
Diversas observações a respeito do
“ser alemão” e do
“ser brasileiro” podem ser
realizadas a partir das narrativas produzidas pelos participantes desta pesquisa, uma delas é a de
que os imigrantes alemães e seus descendentes procuravam manter e perpetuar as tradições, os
costumes e os traços culturais e étnicos provenientes da Alemanha, mesmo se considerando como
cidadãos brasileiros. Ou, dito de outra forma, o Deutschtum operava na vida dos imigrantes
alemães e seus descendentes, subjetivando-os de tal modo que eles se percebiam como colonos
de descendência alemã e cidadania brasileira.
Um dos elementos que corroboram com o argumento anterior está relacionado ao
pertencimento a uma família de origem alemã. Na fala dos participantes, se pode perceber certo
orgulho por serem filhos ou netos de imigrantes vindos da Alemanha e terem o “sobrenome
alemão”. Isto está presente nos seguintes fragmentos: “é que eu cresci aprendendo as tradições
de família como era quando os meus pais moravam na Alemanha. Isso era motivo de orgulho pra
mim. Saber as coisas de lá. Assim era como se eu também tivesse nascido como alemã e não
como brasileira” (Rose); “eu tenho sim orgulho de ter sobrenome alemão. Minha família por
parte de pai é de uma família tradicional. Então eu sempre procurei passar pros meus filhos o
que eu aprendi em casa, na escola, em como ter orgulho de ser de família alemã” (Breno); “eu
sei que minha família toda tem sobrenome alemão, então um pouco de alemã eu também sou”
(Helga).
As narrativas apresentadas evidenciam o sentimento de preservação às “tradições alemãs”
e buscam pela perpetuação de uma determinada “cultura alemã” aos seus descendentes, a fim de
que os mesmos pudessem manter viva a germanidade proveniente de suas famílias. Algo que os
defensores do germanismo procuravam promover entre os imigrantes (GRÜTZMANN, 2008).
Em um dos momentos de sua narrativa, Josp afirmou que “mesmo que nascendo aqui no
Brasil, eu aprendi a ser colono, a preservar os costumes que meus pais tinham quando moravam
lá
[na Alemanha]. Porque assim era o certo pra mim, entende?”. E, logo em seguida,
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acrescentou: “eu me sentia mais alemão que brasileiro, porque eu me criei com os costumes dos
meus pais. E eu nunca perdi isso, de valorizar as tradições. Acho que é importante preservar as
tradições, porque senão vai se esquecendo da onde a gente vem”. A fala de preservação e
valorização dos costumes originários da cultura alemã e transmitidos pelos pais de José o
constituiu enquanto filho de imigrantes alemães e operou de tal maneira que o levou a se
identificar mais com a nacionalidade alemã do que com a nacionalidade brasileira.
O mesmo é observado na narrativa de Rose ao demonstrar orgulho de ter aprendido as
tradições da família de origem alemã: “é que eu cresci aprendendo as tradições de família como
era quando os meus pais moravam na Alemanha. Isso era motivo de orgulho pra mim”. Já Helga,
ao se autodenominar como “alemoa”, percebe que foram os enunciados presentes no meio em
que vivia que a constituíram como tal, por serem tomados como verdadeiros para ela. No trecho,
“quando eu falo de ser um pouco alemoa, eu quero dizer que algumas coisas que meus avós
trouxeram de lá [da Alemanha] eu aprendi e continuei fazendo”, essas “coisas” são a fala do
alemão, as receitas de comidas tradicionais da Alemanha e as orações alemãs, todas relacionadas
aos traços culturais que compunham a germanidade. “Saber as coisas de lá [da Alemanha] me
fazia me sentir bem. Assim era como se eu também tivesse nascido como alemã e não como
brasileira. Então eu aprendia tudo que podia, que nem fazer as comidas tradicionais que a
minha mãe me ensinava a fazer e eu ajudava ela na cozinha. Ou, também, saber os hinos da
igreja em alemão, que eu rezava todas as noites” (Rose).
Breno também considerou os costumes de sua família como uma tradição a ser perpetuada
e que o impeliram a se ver por um tempo como “colono alemão”: “o que eu quero dizer é que
mesmo sendo brasileiro de nascimento, minha família é de origem alemã e eu aprendi a ser
colono e os costumes com eles”. Contudo, se percebe que esta visão de si como alemão sofreu
alterações com o passar do tempo: “não é que eu era alemão, eu me sentia como se tivesse
nascido lá [na Alemanha]. Mas a verdade é que eu sou um colono brasileiro, porque nasci aqui
né”.
As práticas de subjetivação são transformadas e modificadas ao longo dos anos de acordo
a episteme de cada época. Isso faz com que as práticas de poder que conformam os indivíduos
também sofram alterações específicas considerando os diferentes espaços e tempos históricos
(FOUCAULT, 2011). Nesse sentido, é possível analisar a mudança presente na enunciação de
Breno em relação a si
(primeiramente enquanto
“colono alemão” e, posteriormente, se
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JUNGES, Débora de Lima Velho. Preservação do Deutschtum nas escolas da imigração alemã no período da Campanha de
Nacionalização.
considerando como
“colono brasileiro”), como inserida na trama das tecnologias que o
objetivaram (na sua relação com o que lhe é externo) e o subjetivaram (na relação consigo
mesmo), levando-o a estabelecer um significado diferente para a sua nacionalidade.
O uso da língua alemã está presente nos excertos das narrativas apresentadas como outro
fator que estabelece uma ligação próxima entre eles e a nacionalidade alemã. Nesse período, o
uso da língua alemã no Brasil era considerado por defensores do nacionalismo brasileiro e
também pelo Estado como uma ameaça ao intento da formação e unificação de uma nação
legitimamente brasileira, pois estabelecia uma ligação direta com o nacionalismo alemão
(SEYFERTH,1997). Esse era um ponto de preocupação tão expressivo que uma das primeiras e
considerada por estudiosos da imigração alemã como uma das principais medidas postas em ação
durante a Campanha de Nacionalização, se deu justamente com a proibição do uso de línguas
estrangeiras (KREUTZ, 2010; SEYFERTH, 1997).
A noção de nação é fundamentada em representações simbólicas que constituem uma
identidade cultural específica
(HALL, 2006). Uma dessas representações simbólicas é a
generalização de “uma ~nica língua vernacular como o meio dominante de comunicação em toda
a nação” (HALL, 2006, p. 49). Ao usar o alemão como primeira língua para se comunicar no
período em que estudaram nas escolas da imigração alemã, os participantes dessa pesquisa
reforçam os sentimentos de identificação e, até mesmo, pertencimento à cultura germânica.
Vale ressaltar que na defesa do Deutschtum o uso da língua alemã é um dos elementos
que caracteriza a nação alemã. “A ligação com a Alemanha, portanto, baseia-se na comunidade
de sangue e língua, naturalizada atravps de um modo de vida alemão preservado nas colônias”
(SEYFERTH, 1994, p. 6).
Outro ponto que merece destaque nas narrativas dos participantes da pesquisa é em
relação ao uso constante da expressão “eu aprendi” ao se reportarem à forma de vida da
imigração alemã e do ser/se sentir como alemão/colono. Os seguintes excertos apresentam esta
relação entre aprender as tradições e os costumes da imigração alemã e a constituição dos
entrevistados:
“[...] eu aprendi a ser colono, a preservar os costumes”
(Josp);
“eu cresci
aprendendo as tradições de família” (Rose); “minha família é de origem alemã e eu aprendi a
ser colono e os costumes com eles” (Breno); “quando eu falo de ser um pouco alemoa, eu quero
dizer que algumas coisas que meus avós trouxeram de lá [da Alemanha] eu aprendi e continuei
fazendo” (Helga).
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Nacionalização.
O ato de aprender consiste em “um preceito de transformação que traça um caminho de
exercício constante, no qual o indivíduo se produz como uma permanente individualização”
(MARIN-DÍAZ, 2012, p. 123). Assim, aprender é uma ação contínua na qual o indivíduo age
sobre si mesmo com o intuito de se modificar, de se transformar, de adquirir outras e novas
habilidades e comportamentos. José, Rose, Breno e Helga, ao afirmarem que aprenderam com
seus familiares modos de vida provenientes da imigração alemã, se mobilizaram e atuaram sobre
si mesmos, na sua própria condução, de maneira que esses traços culturais germânicos lhes
fossem significativos a ponto de se reconhecerem (até a realização das entrevistas ou durante um
período de suas trajetórias de vida) como colonos/alemães.
Rituais escolares que operavam a favor da manutenção do Deutschtum
Vinculadas a um processo acionado pelo ideário germanista (Deutschtum) de manter o
vínculo com a cultura alemã no Brasil pela conservação da língua materna, e como recurso para a
diferenciação e identificação dos imigrantes e de seus descendentes, as aulas nas escolas da
imigração alemã eram dadas, quase integralmente, em alemão até o início da Campanha de
Nacionalização (ARENDT, 2005). Com os decretos efetivados pelo Estado Novo, estabeleceram-
se tecnologias de controle sobre a população que visavam não excluir os imigrantes alemães e
seus descendentes, mas integrá-los, seguindo as intencionalidades do governo. Exemplos disso
foram a obrigatoriedade do uso da língua portuguesa, a criação das Caravanas Nacionalistas - que
procuravam disseminar o culto à pátria -, e a obrigatoriedade do ensino cívico, de Geografia e de
História do Brasil (WANDERER, 2014).
Neste contexto, das enunciações dos entrevistados destacamos três rituais escolares que
operaram em favor do discurso de manutenção do Deutschtum. O primeiro se relacionava ao
ritual escolar de ensinar, aprender e entoar o hino da Alemanha e evidencia que esta prática fazia
parte dos rituais escolares dessa forma de vida e que para os alunos dessas escolas entoar o hino
era uma demonstração de orgulho e respeito por terem descendência alemã.
Os participantes da pesquisa relataram que havia sido na escola que aprenderam a cantar o
hino da Alemanha e, além disso, entoar o hino se configurava como uma prática escolar
recorrente na programação semanal. Conforme Germano, “lembro que de tudo o que aprendi do
povo alemão, uma das primeiras coisas que aprendi foi o hino alemão”, ele ainda observou que
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Nacionalização.
“quase sempre no início da aula a gente cantava, que era pra não esquecer das frases. Também
se cantava quando tinha algum tipo de competição entre nós que estudava lá. Como jogos”.
Helga narrou: “foi na escola também que eu aprendi o hino alemão. A gente cantava ele uma vez
por semana, antes da aula começar”. E Veni comentou: “eu lembro que foi na escola que eu
aprendi o hino da Alemanha e nunca mais esqueci”.
Entretanto, em tais espaços também era ensinado e cantado o hino nacional do Brasil,
mesmo antes das leis que instituíram a obrigatoriedade do canto do hino com o hasteamento da
bandeira nacional e de ensaiar os hinos pátrios (como os da Bandeira, da Independência e da
República). Até mesmo alguns livros didáticos utilizados em escolas da imigração alemã
continham as letras dos hinos oficiais brasileiros (DIAS, 2006). Porém essa prática ocorria de
maneira diferente do que em relação ao canto do hino alemão.
Antes das medidas estabelecidas na Campanha de Nacionalização, cantar o hino brasileiro
não era uma prática tão frequente quanto cantar o hino alemão: “mas antes a gente cantava
sempre da Alemanha primeiro e, às vezes, do Brasil. Mas não era muito não” (Germano); “não é
que a gente não sabia o hino do Brasil, mas o que era o mais cantado era o da Alemanha”
(Veni).
Com as medidas nacionalistas que procuravam promover a unificação do Estado
brasileiro, por meio da criação de uma identidade nacional, o canto do hino se constituiu como
uma ferramenta de divulgação dos ideais de admiração e respeito à pátria (PAULA, 2006). No
entanto, mesmo com a obrigatoriedade e a ampliação da frequência do canto do hino brasileiro
como um ritual escolar, ela era realizada de maneira diferente pelos alunos. Se por um lado, o
respeito e o posicionamento dos corpos dos estudantes era o mesmo do que quando eles
entoavam o hino da Alemanha, o “entusiasmo” em fazê-lo era menor.
Segundo Germano “quando foi proibido da gente cantar o hino na escola, a gente já
sabia o hino brasileiro, aí só cantávamos esse”, mas “todos os meus colegas também queriam
cantar o hino da Alemanha que era mais bonito, mais pomposo. Ai a gente não cantava o do
Brasil com tanta empolgação, porque não se gostava tanto. Mas sempre foi com muito respeito”.
Alpm de relatar que o hino brasileiro não era executado com “tanta empolgação” quanto ocorria
com o hino alemão, Germano ainda observou que a frequência em que se cantava o hino
brasileiro também era menor do que quando se podia entoar o hino da Alemanha.
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Nacionalização.
A mesma diferença em relação à execução dos dois hinos é narrada por Veni. Antes da
Campanha de Nacionalização ela relatou que “na escola eu cantava com mais vontade o hino
alemão do que o do Brasil, que a gente cantava pouco até. Só mais quanto tinha as atividades da
pátria, das comemorações que tinha na escola”. Com a proibição da língua alemã, “ficou só o do
Brasil, mas não era a mesma coisa. Ninguém cantava com tanto entusiasmo sabe, era diferente.
Mas a gente aprendeu todos os hinos, o hino do Brasil, da Bandeira, da Proclamação,
Independência. Tudo bem certinho”.
Diante de tais narrativas, é possível afirmar que entoar os hinos nacionais brasileiro e
alemão se constituía como um ritual escolar nas escolas da imigração alemã, mas existiam
diferenças na execução dos mesmos. Enquanto podiam cantar o hino da Alemanha, os alunos de
tais escolas o faziam com mais frequência e entusiasmo. No entanto, ao ser proibida sua
execução, o hino do Brasil passou a ser entoado como uma obrigação em momentos direcionados
a demonstração de patriotismo e com menos entusiasmo.
O segundo ritual escolar analisado foi o uso da língua alemã na forma de vida escolar.
Das vivências narradas pelos participantes dessa pesquisa, foi observada a ocorrência de uma
manutenção do uso da língua alemã no espaço escolar em situações específicas, as quais
requeriam dos indivíduos envolvidos certo cuidado para que não fossem ouvidos. Nesse sentido,
os alunos e, até mesmo, alguns professores, em um movimento de contraconduta (VEIGA-
NETO; LOPES, 2011) às imposições do Estado, passaram a usar a fala em alemão de um modo
diferente do qual empregavam habitualmente antes da proibição total do ensino em idioma que
não o português decretada pela Campanha de Nacionalização no ano de 1942 (BREDEMEIER,
2010).
A continuidade do uso da língua alemã no espaço das escolas da imigração alemã, mesmo
que de forma velada, indica um movimento de resistência à condução promovida pelo Estado.
Não um rompimento total com o condutor, já que o ensino efetivamente passou a ocorrer apenas
no idioma português em tais espaços (BREDEMEIER, 2010), mas uma transgressão sutil que
possibilitou aos descendentes de alemães a permanência do uso da língua alemã. Ou seja, a
proibição decretada pelo governo de Getúlio Vargas, provocou a criação de um novo modo de
condução no contexto dessa forma de vida.
Em sua narrativa, José observou que, após a proibição do uso do alemão na escola, ele e
seus colegas continuaram falando em alemão em determinadas situações, mas sempre tendo o
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cuidado para que nenhuma autoridade os ouvisse, pois eles tinham consciência de que aquele ato
era cabível de punição. Em suas próprias palavras: “não é que a gente nunca, nunca falava
alemão na escola, mas era pouco entende. Como é que a gente nunca ia falar alemão, se a gente
sempre falou alemão. Isso também não dá né. Mas era poucas vezes. E só quando não tinha
alguma autoridade por perto, pra não nos punir”.
O mesmo foi narrado por Helga: “na escola a gente não podia falar alemão, porque era
proibido. Mas não era assim que funcionava mesmo. O que acontecia era que quando não tinha
ninguém vendo, principalmente nenhum professor, se falava alemão para os outros”. No caso de
Veni, ela observou que não apenas os alunos continuaram se expressando em alemão quando
ninguém poderia puni-los, mas tambpm o professor de sua turma: “quando não tinha ninguém
que pudesse ouvir e denunciar, o professor falava em alemão com nós e nós também podia
falar”.
Dias (2006) e Paula
(2006) observam que durante a Campanha de Nacionalização
transcorreram inúmeras denúncias e medidas repressivas a aqueles que não se adaptavam às
ações nacionalizadoras, como por exemplo, a insistência do uso da língua alemã como meio de
comunicação em espaços públicos. Entre as medidas punitivas mais recorrentes aplicadas nos
espaços escolares estão a suspensão e afastamento de professores e diretores, castigos para os
alunos
“infratores” e comparecimento na escola dos pais de alunos que descumprissem a
proibição (DIAS, 2006).
Também há registros e relatos de prisões de professores que teriam sido detidos porque
continuaram a falar ou ensinar em língua alemã, ou eram considerados suspeitos de envolvimento
com o Partido Nazista (SEYFERTH, 1997). “Estas detenções para ‘averiguações’ estavam
diretamente relacionadas à intensa vigilância da qual a população era alvo e, particularmente, os
professores” (LEMOS, 2012, p. 139).
Embora houvesse o perigo de professores e alunos serem acusados de conspiração nazista
ao se comunicarem em alemão (WEBER, 2012), os participantes desta pesquisa narraram a
ocorrência de uma manutenção do uso da língua alemã no espaço escolar em situações
específicas, às quais requeriam dos indivíduos envolvidos certo cuidado para que não fossem
ouvidos. Ou seja, esses alunos e os professores passaram a se conduzir de modo alternativo ao
que agiam até então.
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Por fim, o último ritual analisado consiste no uso do livro escolar nas escolas da
imigração alemã. Pelas narrativas dos participantes, os livros escolares anteriores à Campanha de
Nacionalização traziam elementos que se referiam à cultura alemã, mesmo aqueles impressos em
português. Esses livros eram considerados, por eles, melhores do que aqueles que passaram a ser
utilizados posteriormente, porque estes últimos não traziam referências à cultura alemã,
referências que eram valorizadas.
Analisando o conteúdo dos livros escolares utilizados até 1938 nas escolas da imigração
alemã, Kreutz (1999) considera que estes tratavam de questões relacionadas ao contexto histórico
e geográfico do Brasil, assim como também abordavam os símbolos nacionais brasileiros.
Entretanto, eles não tratavam exclusivamente da cultura brasileira. Eram trabalhadas
simultaneamente
“referências ptnico-culturais alemãs, no modo de ser da alma alemã”
(KREUTZ, 1999, p. 152). Algo que foi referenciado pelos participantes desta pesquisa e que era
tido como algo positivo na avaliação deles, pois remetia à sua descendência.
Renata, por exemplo, observou que os livros escolares utilizados em sua escola antes da
Campanha de Nacionalização eram, em sua maioria, escritos em alemão. Segundo ela, “a gente
aprendia muitas coisas da vida alemã nesses livros e eu gostava porque nasci lá né e fazia parte
das minhas raízes. Mas não é que tinha coisas só da Alemanha não, eles falavam do Brasil
também, mas eles não eram só das coisas do Brasil como aconteceu mais tarde”. Ela recordou
que na sua avaliação e de seus colegas, estes livros eram melhores: “é que eles também achavam
os livros que a gente tinha antes melhor, porque fazia a gente aprender coisas da nossa terra
natal”.
A mesma avaliação foi realizada por Germano em relação aos livros escolares anteriores
às medidas nacionalistas: “porque assim, na escola a gente aprendeu também das coisas de lá, e
nesses livros tinha. Eram bons. Mas aí depois esses livros a gente não podia mais usar, aí a
gente só aprendia da história do Brasil, do português, dos estudos daqui mesmo. Não tinha mais
nada que falava dos alemães”.
Helga destacou que as referências da cultura alemã presentes nos livros escolares eram
importantes para ela e seus colegas, pois “em algumas coisas eles falavam das coisas que eram
da cultura dos alemães, da nossa origem e isso era bom pra poder manter as tradições com nós,
até mesmo no colégio”.
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Tais narrativas reforçam o argumento de que, para os imigrantes alemães e seus
descendentes, preservar o Deutschtum era algo significativo em suas vidas e estava relacionado à
manutenção de uma nacionalidade alemã, mesmo sendo cidadãos brasileiros. Nesse contexto, as
escolas da imigração alemã estabeleciam uma espécie de vínculo entre os alunos descendentes de
alemães e a cultura alemã com o uso de livros escolares que traziam referências à esta cultura.
Considerações finais
A partir da análise realizada com base nos excertos das narrativas apresentadas pelos
participantes desta pesquisa, alguns pontos merecem destaque no que tangem à fala em favor da
manutenção da Deutschtum entre os imigrantes alemães e seus descendentes. Primeiramente, o
uso da língua alemã, os costumes e as tradições de origem germânica foram passadas pelas
famílias dos participantes e essas práticas os constituíram como conservadores e defensores da
germanidade, levando-os a repassar as práticas aprendidas para seus filhos. Há, nas narrativas
apresentadas, um sentimento de orgulho por pertencer a famílias que migraram da Alemanha e
por possuírem “sobrenome alemão”.
Além disso, percebe-se uma forte identificação dos participantes com o
“ser
alemão/colono” no que diz respeito a sua nacionalidade e o entendimento de “ser brasileiro” ao se
tratar de sua cidadania. Ou seja, os participantes concebiam as noções de nacionalismo e
cidadania como dois conceitos distintos, o que se aproxima com o entendimento jurídico alemão.
Assim sendo, o Deutschtum operava na vida dos imigrantes alemães e seus descendentes,
subjetivando-os de tal modo que eles se percebiam como colonos de descendência alemã e
cidadania brasileira.
Como argumentado, o germanismo defendia que, independente do lugar em que
imigrantes alemães se estabelecessem, o Deutschtum deveria ser preservado. Desse modo, a
transmissão dos valores nacionais alemãs deveriam ser passados para as gerações futuras, como
meio de manter os laços nacionalistas com a Alemanha.
Além do que era transmitido e ensinado em relação à cultura germânica no contexto das
famílias, também o espaço escolar cumpria esse papel. Isto porque tratavam diretamente de
assuntos referentes à cultura alemã, uma parcela dos professores veio da Alemanha para lecionar
nas escolas da imigração e, em alguns casos, as escolas eram financiadas com recursos
estrangeiros que tinham como pressuposto ideológico a manutenção do Deutschtum.
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Nacionalização.
Quando se instaurou a Campanha de Nacionalização, com suas diversas medidas que
afetaram diretamente as escolas da imigração alemã em relação às condições de permanência de
seu funcionamento, “ações advindas dela não agradaram o governo alemão, porque este não
entendia como, durante mais de 100 anos, foi permitida a atuação de escolas e igrejas alemãs e
agora, de uma hora para outra, tudo estava proibido” (RAHMEIER, 2009, p. 162). Para a
embaixada alemã no Brasil e o Partido Nazista, a preocupação com o futuro das escolas da
imigração alemã se dava em relação ao papel que elas exerciam em favor da perpetuação de
características étnicas.
Todavia, apesar da preocupação política da Alemanha com as medidas impostas sobre as
escolas da imigração alemã, as ações não se constituíram como motivo para o desencadeamento
de conflitos diplomáticos entre os dois países. Tanto o embaixador alemão quanto o Partido
Nazista sugeriram às escolas da imigração alemã que essas se adaptassem às leis brasileiras. Este
fato “dificultou em muito o trabalho dos professores vindos da Alemanha e impediu que os
órgãos partidários e governamentais alemães gerenciassem as escolas alemãs no Brasil”
(RAHMEIER, 2009, p. 136).
Nas escolas, os princípios norteadores do germanismo eram transmitidos a partir de
diversos rituais escolares (tais como a prática de entoar o hino, o uso da língua alemã e os
conteúdos abordados nos livros didáticos). Como explicitamos por meio das narrativas, estes
princípios foram, em alguns casos, preservados e, até mesmo, reforçados no período da
Campanha de Nacionalização em forma de rituais escolares “adaptados” às condições impostas
pelas medidas de Estado.
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