Artigo
A vida como aposta política: uma educação ambiental pensada sob a ótica e
ética Foucaultiana do “cuidado de si”
Life as a political bet: an environmental education thought in the Foucaultian view and ethics of "self-care"
La vida como apuesta política: una educación ambiental pensada desde la óptica y ética foucaultiana del “cuidado de
sí”
Rosinei Ronconi Vieiras - Instituto Federal do Espírito Santo | Núcleo de Educação Ambiental e Agroecologia |
Vitoria | ES | Brasil. E-mail: rosineirv@hotmail.com
Martha Tristão - Universidade Federal do Espírito Santo | PPGE/UFES | Vitória | ES | Brasil. E-mail:
marthatristao@terra.com.br
Resumo: A problematização da Educação Ambiental, da constituição de
“si” e a própria vida objetificada com seus
assujeitamentos atravessam a proposta de discussão trazida pelo texto. Lançando mão das problematizações
empreendidas por Michel Foucault a respeito da importância de pensar nossa própria constituição e a capacidade de
mudar o que se pensa e o que se faz, o artigo procura ressignificar a noção de “cuidado de si” a partir do aforismo
estóico “altere o valor da moeda” articulando com a necessidade de se repensar determinados valores socioambientais.
Considera urgente potencializar a Educação Ambiental com uma guinada ético-política que se configure em novas
subjetividades capazes de engendrar um mundo comum.
Palavras-chave: Educação ambiental. Cuidado de si. Vida.
Abstract: The problematization of the Environmental Education, the constitution of “yourself” and your own life objetifyied with
your subjection pass through the discussion proposal brought by the text. Using the problematizations undertaken by
Micheal Foucault concerning the importance of thinking about our own constitution and the ability of changing the
way of what you think and do the article seeks giving a new meaning to the notion of “self-care” as of the stoical
aphorism “alter the coin value” uttering with the need of rethinking some social-environmental values. It’s considered
urgent to potentialize the Environmental Education with an ethical-political turnabout that configures itself into new
subjectivities capable of engender a commom world.
Keywords: Environmental education. Self-care. Life.
Resumen: La problematización de la Educación Ambiental, de la constitución de “sí” y la propia vida objetificada
con sus sometimientos atraviesan la discusión propuesta por el texto. Valiéndose de las problematizaciones
emprendidas por Michel Foucault acerca de la importancia de pensar nuestra propia constitución y la
capacidad de cambiar lo que se piensa y lo que se hace, el artículo busca resignificar la noción de “cuidado
de sí” a partir del aforismo estoico “altera el valor de la moneda” articulando con la necesidad de
repensarse determinados valores socioambientales. Considera urgente potenciar la Educación Ambiental
con un giro ético-político que se configure en nuevas subjetividades capaces de engendrar un mundo
común.
Palabras clave: Educación ambiental. Cuidado de sí. Vida.
• Recebido em 12 janeiro de 2019 • Aprovado em 8 de fevereiro 2019 • e-ISSN: 2177-5796
DOI: http://dx.doi.org/10.22483/2177-5796.2019v21n1p101-116
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VIEIRAS, Rosinei Ronconi; TRISTÃO, Martha. A vida como aposta política: uma educação ambiental pensada sob a ótica e ética
Foucaultiana do “cuidado de si”.
Introdução
[...] um trabalho, quando não é ao mesmo tempo uma tentativa de modificar o que se
pensa e mesmo o que se é, não é muito interessante [...] (FOUCAULT, 2014, p. 234).
Durante uma entrevista, realizada em 1984 e intitulada “O cuidado com a verdade”,
Foucault é questionado sobre a mudança que realiza no desenvolvimento da produção de “A
vontade de saber” e, nesse momento, sem rodeios, responde: “Mudei de opinião”.
Modificar o que se é, modificar o que se pensa: é preciso coragem para fazê-lo. A busca
pela modificação do que se é e do que se faz, constituir-se como sujeito ético e se colocar como
agente de uma conduta em que se busca produzir outras relações, éticas e sustentáveis, não é
tarefa simples e fácil.
Pensar em algo parecido, nos dias atuais, pode até sugerir uma utopia - no sentido mais
trivial da expressão - ou, em outros termos, um romantismo - no sentido mais ingênuo do
conceito. No entanto, buscar as condições para que, no desenrolar de uma vida, as relações sejam
produzidas de forma ético-estética se torna um desafio necessário.
É nesse sentido que nos colocamos a pensar a Educação Ambiental como um movimento,
um exercício ético-estético - e sempre político - perante a vida e as relações que nela se
estabelecem. Um movimento que busca imprimir um outro “modo de existrncia” em nossa
contemporaneidade.
Um modo de existência que não implique silenciamentos e assujeitamentos do Outro:
natureza espoliada, humilhada... pessoas assujeitadas, silenciadas... um exercício que contribua
para potencializar outros modos de existência e relações que não apequenem ou apaguem
qualquer vida.
Expressar e vivenciar, em tempos atuais, maneiras ou condutas que impliquem outras
relações, com o espaço, com o corpo, com a própria vida em geral, corresponde, em nosso
entender, um movimento de resistência. Novas resistências que se materializam em ações
micropolíticas cotidianas, mesmo que sejam de volume e escala reduzida.
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Na contramão do mercado
A inferência que procuramos realizar é de que estamos imersos em diferentes relações de
poder. Relações de poder e resistências, como o próprio Foucault (2010) nos ensinou, constituem
relações de forças, sendo uma constitutiva da outra. Nesse sentido, realizamos a seguinte
problematização: seria a Educação Ambiental um movimento de resistência contra determinadas
forças que deterioram e/ou minam as condições de existência, ou seriam essas forças que
constituem uma resistência contra a potência de uma vida em comum, contra a sinergia do
coletivo presente na vida?
Em ambos os casos nos encontramos num sistema de contraposição, porém com a
diferença de que num deles o primado é pela vida coletiva. Se as resistências se constituíram
historicamente como formas de luta e oposição a determinados sistemas de opressão, hoje
podemos perceber sua complexificação, suas configurações são outras... múltiplas e plurais.
Movimentos micropolíticos, como aqueles pensados por Guattari e Rolnik (2005), que se
dão em dimensões diferentes daquelas do Estado e/ou das instâncias político-partidárias
instituídas. Movimentos do tipo daqueles que recusam diferentes formas de assujeitamentos e que
procuram se afastar de modelos hierárquicos que subordinam e espoliam a vida e tudo aquilo do
qual ela depende.
Contudo, não estamos querendo dizer que, ao nível das macropolíticas, esse afastamento
dos modelos que espoliam a vida seja impossível. No entanto, pensamos se fazer cada vez mais
difícil diante de um cenário em que o capital se infiltra tão intensamente nas esferas políticas
tornando-as subordinada ao seu reclame.
Dessa forma, contribuir com a produção de maneiras de viver que escapem da lógica
consumista e serializada, seria procurar driblar alguns dos agenciamentos maquínicos próprios do
modelo capitalista, mesmo estando imerso dentro de um mundo marcado, codificado,
mercantilizado. Em outras palavras seria: mesmo rodeados pela lógica do mercado que se impõe,
produzir outros agenciamentos, mais coletivos, solidários e de reciprocidade que não impliquem
assujeitamentos ao mercado ou ao capital.
É interessante também lembrar o que esses movimentos buscam, pois, suas lutas são pelo
coletivo e não pelo corporativismo. Tomar o coletivo como pauta de luta é colocar à vida como
horizonte, numa espécie de reapropriação. Não propriamente
“a vida”, no seu sentido
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transcendente, mesmo que isso também não pareça absurdo, mas principalmente “uma vida”
tomando o seu sentido imanente, como observado por Deleuze (2016).
Outro elemento dentro desta problemática é o fato de que os movimentos atravessados
pela dimensão ambiental não correspondem à luta de “amantes” romknticos em prol de uma
natureza isolada e sem conexão com o mundo “humanizado”. A luta pela floresta em pé, pela
água na terra, pelo direito ao ar puro e outras, não são lutas autônomas, individualistas ou de um
determinado grupo, nem mesmo são lutas contra o “desenvolvimento”, mas sim movimentos que
reivindicam o direito à vida, a uma existência digna, plena e saudável. Uma relação ética e de
cuidado com o planeta.
Por uma ética-estética da/na existência
Ao longo de sua trajetória política e produção teórica, o pensador francês Michel Foucault
forjou questões e realizou profundas problematizações de grande relevância para se pensar nossa
relação com o mundo, com o conhecimento e com nossa própria subjetividade. Dentre essas
questões, por exemplo, aquela da epígrafe em que iniciamos nossa escrita. Nela o autor levanta a
importância da pesquisa/trabalho como movimento de nossa própria transformação e de nossa
relação com o mundo. Na linha desse mesmo pensamento, uma outra que destacamos, pela sua
atualidade e capacidade provocativa, é: podemos pensar diferente do que pensamos”
(FOUCAULT, 1984).
Essa problematização que o autor faz, no segundo volume da “História da sexualidade”,
intitulado “O uso dos prazeres”, realizada mais ao final de sua vasta produção teórica, em que a
questão da sexualidade toma uma abordagem de cunho ético-estético e político, torna-se
imprescindível, em nossa análise, para problematizarmos os desafios e o campo em que se
encontra imersa a Educação Ambiental.
Consideramos bastante provocativo, para se pensar nas relações socioambientais, esse
importante movimento teórico-epistemológico do autor. Nele, estudo do “cuidado de si”, ou
“práticas de si”, próprio da cultura grega, nas palavras do autor, não se encerra como práticas
individuais, mas constitui um processo que engendra o cuidado com Outro. Segundo o próprio
autor, “[...] O cuidado de si aparece, portanto, intrinsecamente ligado a um ‘serviço de alma’ que
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comporta a possibilidade de um jogo de trocas com o outro e de um sistema de obrigações
recíprocas” (FOUCAULT, 1985, p. 59).
Esse princípio do “cuidado se si”, desenvolvido pelo autor no ~ltimo volume publicado da
“História da sexualidade”, refletiu-se em maneiras de viver e de se comportar que foram
desenvolvidas, aperfeiçoadas e ensinadas, constituindo-se, assim, “[...] uma prática social, dando
lugar a relações interindividuais, a trocas e comunicações e até mesmo a instituições; ele
proporcionou, enfim, um certo modo de conhecimento e a elaboração de um saber”
(FOUCAULT, 1985, p. 50).
Mesmo que esse princípio tenha mudado ao longo da história e represente um
determinado contexto social, pensamos poder realizar uma ressignificação pelo fato de considerar
que nele esteja uma interessante provocação para nos indagarmos sobre nossa relação com a
“casa”, nosso oikos, lugar comum. Acreditamos que “[...] pensar diferentemente do que se pensa,
e perceber diferentemente do que se vr [...]” (FOUCAULT, 1984, p. 15) torna-se imprescindível
para problematizar a nossa relação com o meio, com o Outro. Como o próprio autor menciona ao
final de sua colocação, tal argumentação é indispensável para continuarmos a olhar e refletir.
É no sentido de tomar o nosso presente como elemento a ser problematizado, sobre o que
estamos fazendo e o que podemos fazer com os problemas socioambientais que nos afligem, que
pensamos situar a condição e/ou capacidade de poder operar um outro fazer em nosso modo de
estar no mundo e em nossas relações.
Nessa análise, quando o autor expõe a relação da liberdade como condição para uma
estética da existência, e a ética como o modo de o indivíduo relacionar-se consigo e a partir daí
com o mundo, com os Outros, o autor infere, em nosso entender, uma questão relevante para a
problemática socioambiental: deixar de ser escravo de meus desejos.
Num mundo onde os agenciamentos1 operados pelo mercado penetram tão profundamente
em nossos desejos, evitar que estes nos escravizem torna-se um desafio essencial. É preciso
reduzir o “resto e descuido” de que fala Estamira,2 ao definir do que é feito as montanhas de lixo
1 Conceito desenvolvido por Gilles Deleuze em diferentes momentos de sua produção. De caráter bastante complexo,
envolve/engloba diferentes elementos e territorialidades. Sugere também um duplo processo de descodificação e
desterritorialização. É de caráter multidimensional e coletivo, implicando sempre em multiplicidades. São os
agenciamentos coletivos de enunciados responsáveis pela produção de subjetividades.
2 Estamira é a personagem-título e protagonista do documentário ganhador de vários prêmios nacionais e
internacionais produzido em 2005 por José Padilha e Marcos Prado. O documentário retrata a vida de uma catadora
de lixo no aterro do Gramacho, na Baixada Fluminense, uma senhora com mais de 60 anos conhecida como a
“louca do lixão”.
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do aterro de Gramacho no Rio de Janeiro; reduzir as montanhas de lixo do mundo, de nossas
comunidades, de nossas instituições e abolir o tratamento dado à vida, a qualquer vida, como
lixo.
Dessa maneira, produzir/operar outros agenciamentos passa por um processo complexo de
ação em várias frentes. Em relação à Educação, por exemplo, compreende repensar e/ou
potencializar os processos formativos e curriculares, os projetos desenvolvidos, as aulas “dadas”,
os eventos que ocorrem etc., alimentando-os de componentes ético-estéticos com a observância
da sustentabilidade como uma linha de força, fluxo intensivo imprescindível de/para ser
acompanhado.
Potencializar o cuidar de si e do Outro. Cuidar mais e descuidar menos! Quem sabe aí não
resida uma importante questão para se pensar que, ao cuidar de si, - com tudo que implica esse
cuidado - podemos estar contribuindo com a constituição de outros mundos e modos de existir.
Eis o desafio.
Desafios que ganham magnitude em face de um sistema econômico excludente e
concentrado em que impera uma lógica mercadológica e consumista. Sistema que se reorganiza,
se metamorfoseia e procura se espraiar ao nível intrapessoal e/ou molecular, objetivando criar e
fornecer indivíduos com padrões de comportamento, consciente ou
“inconsciente”
(LAZZARATO, 2014).
Essa análise que Lazzarato (2014) faz do capitalismo, como máquina de produção de
subjetividade, tendo entre os intercessores principais Deleuze, Guattari e Foucault, é
extremamente rica e pertinente para problematizarmos o presente no qual nos encontramos, cuja
lógica mercadológica e competitiva parece impregnar não apenas o comportamento empresarial,
como também algumas relações sociais.
Interessa-nos aqui a análise que Lazzarato (2014) elabora a respeito da subjetivação
política em Foucault, que para ele é indissociável de um ethopoiesis (uma formação do ethos e a
relação consigo mesmo). Para Lazzarato
(2014, p.
194)
“A necessidade de conjugar a
transformação das instituições, as leis e a transformação de si, dos outros e da existência,
constitui, para Foucault, o próprio problema da política [...]”. É com essa perspectiva que
Lazzarato, lançando mão dos estudos de Foucault, principalmente de suas análises sobre a
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“verdade” e o ato de “dizer a verdade” (parresia)3 do mundo grego, busca problematizar a
produção de subjetividades operadas pelo capitalismo contemporâneo.
Fazendo uso da vida e da filosofia dos cínicos4, Foucault, na ótica de Lazzarato (2014),
observa que os cínicos realizam uma subversão da ideia filosófica - presente em Sócrates e
Platão - de uma “verdadeira vida” para se pensar na ideia de uma “vida outra” / “mundo outro”
em que a produção de outros processos de subjetivações e novas relações neste mesmo mundo
sejam possíveis.
Essa problematização realizada por Foucault
(2011) e ressignificada por Lazzarato
(2014), em nosso entender, constitui-se como um elemento marcante para uma crítica ao processo
de espoliação e modelização consumista operado por esse sistema e, ao mesmo tempo, toca em
outras questões, que acreditamos serem cruciais para (re)pensar nossa relação com o espaço: que
processos de subjetivação estão sendo engendrados pela Educação Ambiental?
De forma análoga à problematização realizada por Foucault (2011), em suas últimas aulas
no Collège de France, em 1984, sobre os cínicos, com sua filosofia por uma “vida outra” - no
lugar de “outra vida”/“outro mundo” - e seu aforismo,
“altere o valor da moeda”, cujas
implicações expõem uma ética consigo e com Outro a partir da constituição de um outro modo de
vida, pensamos se não seria possível e interessante também problematizarmos, respeitando as
particularidades e os contextos, no potencial que possuem os processos engendrados pela
Educação Ambiental, para inventar outros modos e mundos.
Seria, também, pensar no potencial que esses processos, atravessados por uma dimensão
ambiental, apresentam para afastar-se da subjetivação produzida pela máquina do capital.
Acreditamos importante, nesse momento, fazermos a ressalva de que pensar no potencial
da Educação Ambiental, não desconsidera uma determinada apropriação que os mecanismos de
poder realizaram sobre o pensamento ambiental e, ao mesmo tempo, sobre a noção de
sustentabilidade.
3 Parresia corresponde a uma palavra de origem grega cujo significado remete à “palavra franca”, “dizer a verdade”.
Embora de grande relevkncia nos estudos foucaultianos a respeito do “cuidado de si” no mundo grego, mesmo
correndo riscos, optamos por não nos adentrarmos em sua análise pela envergadura que tal empreitada implicaria.
4 Corrente filosófica do mundo grego, cuja origem remonta a Antístenes, um discípulo de Sócrates, mas que encontra
em Diógenes seu mais fiel representante. Essa corrente filosófica foi estuda por Michel Foucault e está retratada na
publicação de seu curso “A coragem da verdade”. A Parresia representava a característica maior do cínico. Falar a
verdade sem nada esconder e buscar a felicidade que se encontra dentro de nós e que não depende de coisas
materiais.
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Nesse sentido, consideramos imprescindível extrapolar os significados e valores
atribuídos à Educação Ambiental potencializando outras configurações, diferentes modos e
relações socioambientalmente responsáveis e comprometidos com uma “existrncia bela”.
Parakhárattein tò nómisma5
Algumas das provocações que buscamos considerar residem no ato de colocar o próprio
pensamento em discussão, problematizar suas/nossas próprias ideias e a noção de verdade e razão
que permeia o nosso presente, pensar em como nos constituímos e em como chegamos a pensar
como pensamos e, nesse sentido, se é possível pensar diferente. Se é possível “mudar o valor da
moeda”.
Foucault (2014), em seus últimos meses no Collège de France, ao fim de seus estudos
sobre o cinismo antigo, expõe toda uma importante formulação não apenas conceitual, mas
principalmente ética e política, na qual está em jogo a constituição de um “mundo outro”, uma
“vida outra”.
Se, para Sócrates - considerado um dos mais sábios filósofos -, o oráculo de Delfos exibe
a máxima “conhece a ti mesmo”, cujas implicações possuem forte caráter identitário, para
Diógenes - representante da filosofia cínica - o oráculo aconselha: “modifica o valor da moeda”.
Esse “modificar o valor da moeda” possui várias interpretações, no entanto Foucault
(2011) observa uma importante mudança, uma inversão subjetiva em que política e ética se
tornam indissociáveis. O autor levanta algumas diferentes concepções com que foi pensado esse
preceito cínico de “alterar o valor da moeda”, porém considera mais interessante salientar “[...] a
aproximação que há - e que a própria palavra indica - entre moeda e costume, regra, lei.
Nomisma é a moeda. Nómos é a lei. Mudar o valor da moeda também é tomar certa atitude em
relação ao que é convenção, regra, lei [...]” (FOUCAULT, 2011, p. 199). É esse o sentido que o
autor se propõe reter ao reforçar que “O princípio de alterar o “nómisma” também é mudar o
costume, romper com ele, quebrar as regras, os hábitos, as convenções e as leis [...]” (p. 213).
É interessante a observação que o autor faz desse princípio, pois nele a palavra “alterar”,
“mudar” (Parakharáttein) não significa desvalorizar, mas sim,
5 Expressão grega, atribuída aos cínicos pelo oráculo de Delfos, cuja tradução pode ser: “modifica o valor da
moeda”. Diversas interpretações podem e foram feitas, no entanto ficaremos com a que se aproxima da ideia de
repensar nossos valores em nossas vidas.
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[...] a partir de certa moeda que traz certa efígie, apagar a efigie e substituí-la por outra
que representará muito e permitirá que essa moeda circule com seu verdadeiro valor.
Que a moeda não engane sobre o seu verdadeiro valor, que lhe restituam seu valor
impondo-lhe outra efígie, melhor e mais adequada [...] os cínicos não mudam, de certo
modo, o metal dessa moeda. Mas eles vão modificar a efígie [...] (FOUCAULT, 2011, p.
200).
É principalmente nesse ponto que acreditamos, no princípio délfico exposto, residir
importantes implicações para o plano problemático que nos propomos pesquisar, pois, imersos
nesse mundo impregnado pelos princípios do mercado globalizado e por relações contaminadas
pela lógica exploratória, competitiva, produtivista e excludente, torna-se indispensável não
apenas opor-se, mas inventar, imprimir outra efígie para essa realidade, para esse nosso momento
presente. Portanto, potencializar a Educação Ambiental para que seja capaz de contribuir com a
produção de uma “vida outra”. Buscar/produzir o “o melhor do mundo” no lugar de procurar “um
mundo melhor”. Desviar-se do mundo com hábitos insustentáveis criando ou propondo outras
imagens, hábitos e maneiras de ser, estar e fazer.
O estudo do mundo grego, em particular dos estoicos e principalmente dos cínicos foi
imprescindível para Foucault formular uma “estética da existrncia” em que a vida, concebida
como uma “obra de arte”, enriqueceria nossas relações com o mundo em nossa volta. É com essa
perspectiva que os cínicos representam o momento em que a ascese de si vale tão somente na
medida em que é dirigida aos outros. O cuidado de si se torna precisamente o cuidado do mundo
(FOUCAULT, 2011).
Cuidado com o mundo, cuidado nas relações com o outro. É com esse sentido e com o
exposto até o momento que buscamos problematizar o papel da Educação Ambiental como
movimento social não apenas de contraposição ou de oposição, mas num sentido primeiro: como
movimento de afirmação, de tomada de posição, potencializador de práticas de liberdade. Uma
liberdade como condição ontológica da ética e esta como a forma refletida assumida pela
liberdade, ou seja, uma ética como prática de liberdade (FOUCAULT, 2010).
Uma Educação Ambiental, portanto, como prática de liberdade que cria, provoca e
potencializa novas/outras possibilidades de ser e estar no mundo. Em outras palavras, procuramos
pensar a Educação Ambiental como processo/movimento ético, de (re) existência, que implica
uma “vida outra”, em outros modos de existrncia.
A aposta em potencializar outros modos de existência é também uma aposta política,
estética e ética. Uma ética como filosofia de vida, a arte da vida; arte e filosofia não da vida
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orgknica, mas da “boa vida”, da “qualidade da vida”, do “sentido da vida” (LEFF, 2012) ou
mesmo no sentido de fazer da existrncia uma “obra de arte” (FOUCAULT, 2010).
Movimentos de “rexistências” em diferentes territorialidades
O sociólogo mexicano Enrique Leff, ao problematizar a reinvenção existencial do
território, lança mão dos estudos realizados pelos pensadores franceses Gilles Deleuze e Félix
Guattari a respeito dos conceitos de des/re/territorialização para imprimir tal perspectiva em sua
análise da luta pela reapropriação sociocultural e ambiental que diferentes povos e etnias vêm
realizando. Na concepção desse sociólogo, “[...] Deleuze e Guattari abrem novos caminhos do
pensamento [...]. O território adquire um sentido categorial, filosófico e existencial [...]” (LEFF,
2016, p. 453).
O autor, analisando as diferentes concepções e apropriações realizadas pelos pensadores
franceses quanto aos processos de des/re/territorializações, faz também suas próprias
ressignificações desse pensamento e observa que
Deleuze e Guattari estendem o conceito de território aos âmbitos da estética da vida e da
política do corpo. Falaram assim dos refrões que configuram territórios: dos ritmos,
melodias e contrapontos que compõem a harmonia da vida em um devir espaço-
temporal. Esses territórios não somente re-montam o espaço físico, marcam uma
geografia, definem a forma de lavrar a terra e os modos de habitar um mundo. O
território vem redefinir o próprio habitar, o habitus e o habitat. O território é corpo e
alma: transluz na máscara e na maquilagem; configura-se nas identidades de gênero que
figuram e transfiguram o corpo, que transmutam o gesto e simulam a imagem em que o
indivíduo se reconhece (LEFF, 2016, p. 455).
Reconhecendo que a amplitude do conceito de território extrapola a noção usual de um
espaço físico-geográfico para abranger o corpo, a imaginação, as subjetividades, o desejo,
podemos inferir que os processos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização
também se dão em outros domínios, como no jogo captura, sedução e agenciamento realizado
pelo sistema econômico globalizado sob a influência do capitalismo. Sistema esse que busca
tanto territorializar
(ou reterritorializar) sua influência sobre os corpos e lugares quanto
desterritorializar esses corpos e lugares de qualquer perspectiva que implique uma outra lógica,
um outro modo que não seja produtivista e/ou consumista.
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 21, n. 1, p. 101-116, jan./abr. 2019.
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VIEIRAS, Rosinei Ronconi; TRISTÃO, Martha. A vida como aposta política: uma educação ambiental pensada sob a ótica e ética
Foucaultiana do “cuidado de si”.
Estendendo sua análise, o sociólogo mexicano percebe um outro movimento se
configurando, no qual estão implicadas a reinvenção de identidades e a territorialização de outras
racionalidades. Nesse aspecto, o autor comenta que
A ressignificação da natureza depois da década de 1960 impulsionou a emergência de
novos protagonistas no campo da ecologia política, sobretudo a dos povos da Terra e dos
ecossistemas, cuja cultura está entretecida na natureza de seus territórios: os povos
indígenas, afrodescendentes, camponeses e ribeirinhos. Novas identidades coletivas
foram surgindo a partir de diferentes condições étnicas e das relações culturais com a
natureza, das práticas sócias e os modos de ser dos habitantes das zonas rurais (LEFF,
2016, p. 456).
Esses atores sociais vêm resistindo e/ou jogando com as tentativas de absorção realizadas
pela globalização econômico-financeira e lutando pelos seus direitos à cultura e ao território. É
nessa perspectiva que o autor considera:
[...] estes processos de resistência se convertem em movimentos de rexistência. Estas
populações não somente resistem contra a desapropriação e a desterritorialização:
redefinem suas formas de existência através de movimentos de emancipação,
reinventando suas identidades, seus modos de produção e suas práticas de subsistência
(LEFF, 2016, p. 456, grifo do autor).
Essas resistências e jogo com as imposições do grande capital e de sua lógica, bem como
uma recusa às suas regras de apropriações, têm levado essas populações a um reclame pelos seus
direitos que implica uma revalorização de seu espaço ecológico-cultural com suas práticas
produtivas e sociais (LEFF, 2016).
O autor mostra que, após a resistência à colonização moderna, novas perspectivas para a
produção da sustentabilidade estão surgindo da legitimação dos direitos dos povos indígenas a
seus territórios e se confrontando com diferentes estratégias de apropriações da natureza. Nesse
sentido, Leff (2016) observa que
[...] O que está em jogo nestes conflitos derivados dos choques de caminhos alternativos
para a sustentabilidade não é a distribuição dos benefícios da apropriação tecno-
econômica da natureza, mas antes a rexistência dos povos da Terra, mobilizada pelos
movimentos socioambientais do Sul e da América Latina [...] (p. 460).
Vários exemplos, nos são dados pelo autor, ao lembrar os seringueiros da Amazônia
brasileira e sua luta pelo direito à terra e por um outro modo de produção em que as condições de
sobrevivência - tanto humano/comunitário quanto da floresta e de todo o ecossistema - não
sejam colocadas em xeque por um modelo devastador.
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VIEIRAS, Rosinei Ronconi; TRISTÃO, Martha. A vida como aposta política: uma educação ambiental pensada sob a ótica e ética
Foucaultiana do “cuidado de si”.
Podemos lembrar, também, as reservas de pescas dos habitantes das margens do rio
Amazonas que integram condições ecológicas nas práticas extrativas a partir de um diálogo de
saberes entre técnicos e “caboclos” cuja introdução/criação de um “salário-defeso”6 contribuiu
como instrumento para o cuidado e conservação de espécies. Os pescadores dessas reservas
enfrentam conflitos territoriais derivados de um modelo empresarial de apropriação da natureza
que não considera sua capacidade de recuperação colocando em risco a sobrevivência do modo
de vida desses moradores e de diferentes espécies da fauna aquática amazonense, bem como
desse ecossistema.
Outro exemplo, ainda, seriam as experiências de manejo florestal comunitário no México
em detrimento da devastação agressiva, criminosa e cruel praticada durante o processo de
colonização e que, infelizmente, ainda não está abolido.
Temos assistido nas últimas décadas - embora com alguns retrocessos e respeitando os
diferentes contextos - ao delineamento de um processo de reterritorialização - física e simbólica
- desses espaços/lugares. Uma reterritorialização que se mostra com diversas nuances em
diferentes lugares.
Podemos perceber que o que se coloca traz implicações para o campo no qual se encontra
a Educação Ambiental. Implicações que desafiam seus limites teórico-epistemológicos e expõem
uma multiplicidade de possíveis existentes.
Nesse aspecto que Tristão (2013) nos traz uma contribuição interessante ao observar que
ao falarmos de Educação Ambiental não se trata propriamente de uma disciplina, mas sim de uma
filosofia de vida. A autora observa a importância das práticas e dos significados socioculturais
que determinados povos possuem e desenvolvem, lembrando que muitas dessas práticas se
constituem como experiências de práticas sustentáveis que precisam ser potencializadas.
A Educação Ambiental e o Cuidado de Si: alguns agenciamentos possíveis
Sabemos que é o sujeito, e não o poder, o tema central das pesquisas e problematizações
realizadas por Michel Foucault, segundo ele mesmo afirma. Nesse caso, interessa-nos entender
como ou por meio de que processos esse sujeito é constituído e se constitui. Ao mesmo tempo
6 Auxílio recebido por pescadores na forma de salário durante o período do defeso em que a pesca é proibida para
proteger os ciclos de desova e a reprodução de várias espécies aquáticas.
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Foucaultiana do “cuidado de si”.
que “ser sujeito” implica “estar sujeito”, ou seja, uma sujeição, podemos também pensar que
diferentes outros processos estão constantemente participando dessa nossa produção de
subjetividades e nos constituindo.
Acreditamos que, mesmo governados, também podemos, ou temos alguma condição,
ainda que parcialmente, de nos governar. O professor Sílvio Gallo
(2015), durante uma
conferência sobre biopolítica realizada pelo Instituto Humanitas da Universidade do Vale do Rio
dos Sinos (Unisinos), faz menção ao trabalho de uma filósofa francesa, Muriel Combes, o qual
discute a biopolítica a partir do que ela chama em Foucault de “virada subjetiva”.
Segundo Gallo (2015), essa virada se dá em função de o autor, em princípio, pensar no
sujeito como efeito das relações de poder nesse jogo biopolítico e, em seguida, cada vez mais,
Foucault se envolve com a constituição de si, a questão ética do cuidado de si. Esse envolvimento
cada vez maior não implicou um abandono do tema poder.
É com a perspectiva de pensar essa constituição de si, que implica o reconhecimento do
outro como processo de subjetivação que se produz permanentemente ao longo de nossas
relações, que acreditamos poder situar as condições para um “mundo outro”, uma “vida outra”,
ou mesmo um “enriquecimento das relações com o mundo”. Portanto, um processo aberto que
não está determinado.
Uma importante lição de Foucault (2014) nesse caso consiste em nos afastarmos de
concepções fundamentalistas, sejam elas quais forem, pois, a realidade social depende das
condições mesmas que os indivíduos produzem em sua prática. O cuidado de si, nesse caso,
depende de nossas práticas e de nossas experiências com os outros.
Se esse cuidado de si se relaciona com práticas concretas que implicam a relação com
outros, este, em hipótese alguma, corresponde a um exercício individual e solitário. Pelo
contrário, realiza-se em espaços cotidianos com os quais estamos em constante interação com a
diferença e com diferentes elementos.
Se, em Foucault (2014), o “cuidado de si” e/ou a “estética da existrncia” representou a
afirmação de uma perspectiva e aposta num processo de produção de subjetividades ou num
processo que poderíamos chamar como desassujeitamento, em Guattari e Rolnik (2005) e
Guattari
(2012) os agenciamentos constituem, contribuem e participam dos processos de
produção de subjetividades, como é apresentado pelo autor:
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Foucaultiana do “cuidado de si”.
A subjetividade é produzida por agenciamentos de enunciação. Os processos de
subjetivação, de semiotização
- ou seja, toda a produção de sentido, de eficiência
semiótica - não são centrados em agentes individuais (no funcionamento de instâncias
intrapsíquicas, egóicas, microssociais), nem em agentes grupais. Esses processos são
duplamente descentrados. Implicam o funcionamento de máquinas de expressão que
podem ser tanto de natureza extrapessoal, extra-individual
(sistemas maquínicos,
econômicos, sociais, tecnológicos, icónicos, ecológicos, etológicos, de mídia, enfim
sistemas que não são mais imediatamente antropológicos), quanto de natureza infra-
humana, infrapsíquica, infrapessoal (sistemas de percepção, de sensibilidade, de afeto,
de desejo, de representação, de imagens, de valor, modos de memorização e de produção
idéica, sistemas de inibição e de automatismos, sistemas corporais, orgânicos,
biológicos, fisiológicos, etc.) (GUATTARI; ROLNIK, 2005, p. 39).
Somos agenciados de diferentes maneiras, por diferentes elementos e acontecimentos que
participam da produção de nossa subjetividade. Esse processo é social e coletivo e, aqui, o
coletivo extrapola a dimensão humana e pessoal. Estamos pensando, por exemplo em alguns
elementos de natureza extrapessoal interagindo com os processos de produção de subjetividades,
principalmente elementos ecológicos: o elemento água, por exemplo, com toda a problemática
que o acompanha, de que afetos foi capaz? Até que ponto temos nos sensibilizados em torno
desse elemento com sua problemática e percebido o quanto dele somos dependentes? O que
estamos buscando problematizar, acompanhado pelo pensamento de Guattari e Rolnik (2005) e
Guattari (2012), com seu “paradigma estético”, neste caso, é de que forma essa produção de
subjetividades pode compor com alguns desses afetos provocados por essa rede de
agenciamentos e “pôr em causa” o conjunto das formações de poder capitalístico que permeiam
todo esse processo.
Nesse sentido, consideramos que,
Da mesma forma, também, se faz pertinente e necessário pensarmos e discutirmos até que
ponto a Educação Ambiental tem se configurado como elemento agenciador de outras
subjetividades. Inclusive como processo e/ou movimento capaz de engendrar outras maneiras de
existir e se relacionar.
Nesse sentido, vale a pena recordarmos alguns de seus princípios, como aqueles em que
se procura desenvolver uma conscirncia ética e de respeito na relação com a “natureza” e todas
as formas de vida com as quais compartilhamos esse planeta, ou mesmo, que a Educação
Ambiental não é neutra, mas sim crítica e política.
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Foucaultiana do “cuidado de si”.
Vale a pena, também, lembrarmos que na gênese da Educação Ambiental encontra-se a
contestação, a provocação e rebeldia em relação a determinados padrões e modelos.
É essa perspectiva que acreditamos poder ser potencializada e, com isso, criarmos as
condições para traçarmos coletivamente, respeitando todas as diferenças, um caminho comum e
sustentável em que a vida, natureza, liberdade, ética e respeito façam parte do mesmo cenário de
construção de um mundo por vir.
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