Artigo
Há uma horta no meio da cidade
There is a garden in the middle of the city
Hay una huerta en medio de la ciudad
Soler Gonzalez - Universidade Federal do Espírito Santo | PPGME/Ufes | Vitoria | ES | Brasil. E-mail:
solergonzales2011@gmail.com
Andréia Teixeira Ramos - Faculdade Brasileira Multivix - Vitória | Multivix - Vitória | Vitoria | ES | Brasil. E-mail:
andreiatramos.ea@gmail.com
Resumo: Este texto ressalta as perspectivas ecologistas das práticas pedagógicas realizadas em 2018 com as turmas de graduação
em Pedagogia e Geografia, do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, permeadas por diálogos
amorosos, estudos e problematizações de situações concretas que vivemos nos cotidianos como sujeitos históricos com
capacidade de conhecer e intervir no mundo e com o mundo. Nosso desejo com este artigo é apresentar movimentos de
aprender e ensinar, que fazem parte das concepções do Projeto Narradores da Maré, com ênfase nos movimentos
ecologistas das práticas pedagógicas aqui expostas com narrativas e imagens. Nosso posicionamento se aproxima dos
pensamentos de Paulo Freire e de Marcos Reigota conectados com as dimensões éticas, teóricas e metodológicas das
perspectivas ecologistas de educação. Durante o semestre letivo criamos momentos de leituras, estudos e diálogos em
sala de aula, oficinas de composteira, aulas de campo no centro histórico de Vitória e seminários de apresentação dos
Grupos de Trabalhos.
Palavras-chave: Práticas pedagógicas. Perspectiva ecologista de educação. Narrativas.
Abstract: This text emphasizes the ecological perspectives of the pedagogical practices carried out in 2018 with the undergraduate
courses in Pedagogy and Geography, of the Education Center of the Federal University of Espírito Santo, permeated
by love dialogues, studies and problematizations of concrete situations that we live in daily life as subjects with the
ability to know and intervene in the world and with the world. Our desire with this article is to present learning and
teaching movements, which are part of the conceptions of the Tidal Storytellers Project, with an emphasis on the
ecological movements of pedagogical practices presented here with narratives and images. Our positioning approaches
the thoughts of Paulo Freire and Marcos Reigota connected with the ethical, theoretical and methodological
dimensions of the ecology perspectives of education. During the semester, we created moments of reading, studies and
dialogues in the classroom, composter workshops, field lessons in the historical center of Vitória and seminars to
present the work groups.
Keywords: Pedagogical practices. Perspective education ecologist. Narratives.
Resumen: Este texto resalta las perspectivas ecologistas de las prácticas pedagógicas realizadas en 2018 con las turmas de grado
en Pedagogía y Geografía, del Centro de Educación de la Universidad Federal de Espírito Santo, permeadas por
diálogos amorosos, estudios y problematizaciones de situaciones concretas que vivimos en los cotidianos como sujetos
históricos con capacidad de conocer e intervenir en el mundo y con el mundo. Nuestro deseo con este artículo es
presentar movimientos de aprender y enseñar, que hacen parte de las concepciones del Proyecto Narradores da Maré,
con énfasis en los movimientos ecologistas de las prácticas pedagógicas aquí expuestas con narrativas e imágenes.
Nuestro posicionamiento se acerca a los pensamientos de Paulo Freire y de Marcos Reigota conectados con las
dimensiones éticas, teóricas y metodológicas de las perspectivas ecologistas de educación. Durante el semestre lectivo
creamos momentos de lecturas, estudios y diálogos en aula, talleres de compostaje, clases de campo en el centro
histórico de Vitória y seminarios de presentación de los Grupos de Trabajos.
Palabras clave: Prácticas pedagógicas. Perspectiva ecologista de educación. Narrativas.
• Recebido em 12 janeiro de 2019 • Aprovado em 21 de março 2019 • e-ISSN: 2177-5796
DOI: http://dx.doi.org/10.22483/2177-5796.2019v21n1p157-178
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GONZALEZ, Soler; RAMOS, Andréia Teixeira. Há uma horta no meio da cidade.
Primeiras palavras
Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua própria
produção ou a sua construção (FREIRE, 1996, p. 22).
Este texto ressalta as perspectivas ecologistas das práticas pedagógicas realizadas com as
turmas de graduação em Pedagogia e Geografia, do Centro de Educação (CE) da Universidade
Federal do Espírito Santo (Ufes), permeadas por diálogos amorosos (FREIRE, 2014), estudos e
problematizações de situações concretas que vivemos nos cotidianos como sujeitos históricos
com “capacidade de, intervindo no mundo, conhecer o mundo” (FREIRE, 1996, p. 28).
Nosso desejo com este artigo é apresentar movimentos de aprender e ensinar, que fazem
parte das concepções do Projeto Narradores da Maré1, com ênfase nas práticas pedagógicas
realizadas com estudantes da Ufes em 2018, aqui expostas com narrativas (REIGOTA, 2016) e
imagens. Nos pautamos nos pensamentos de Paulo Freire e de Marcos Reigota com base nas
dimensões éticas, teóricas, políticas e metodológicas das perspectivas ecologistas de educação
(BARCHI; REIGOTA; YANG, 2018; RAMOS, 2018), com isso, exercitamos a dimensão ética
no fazer docente, pois:
A transgressão ética nos adverte de como urge que assumamos o dever de lutar pelos
princípios éticos mais fundamentais como o respeito à vida dos seres humanos, à vida
dos outros animais, à vida dos pássaros, à vida dos rios e das floretas. (FREIRE, 2014, p.
77).
Partindo dessa dimensão ética e ecológica freireana, gostaríamos de ressaltar nossa
compreensão de uma ecologia que vai além do conceito de ecologia tradicional. Exercitamos “as
noções contemporâneas de ecologia” dialogando com Marcos Reigota (1999b, p.19; 1998, 2012).
Nesse contexto, para pensar a perspectiva ecologista de educação nos interessa aqui destacar
também a educação ambiental como educação política que:
“Está comprometida com a
1 O Projeto de Extensão Narradores da Maré: geografias dos manguezais da Baía de Vitória e a formação de
professores/as foi registrado na Pró-Reitoria de Extensão (Proex), da Universidade Federal do Espírito Santo, em
26/08/2014 com o nº 4.00927. O projeto também se desmembra em pesquisas de iniciação científica, de ensino,
com orientações de trabalhos de conclusão de curso e dissertações de mestrado profissional em educação.
Ressaltamos que as práticas pedagógicas aqui apresentadas são articuladas com o Grupo de Pesquisa “Territórios
de Aprendizagens Autopoipticas (CNPq)”.
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ampliação da cidadania, da liberdade, da autonomia e da intervenção direta dos cidadãos e das
cidadãs na busca de soluções e alternativas que permitam a convivência digna voltada para o bem
comum” (REIGOTA, 2012, p. 13).
Em companhia dessa perspectiva apresentamos situações concretas cotidianas e
pedagógicas de educação ambiental como educação política, entendendo que,
Essa perspectiva teórica e política enfatiza as práticas pedagógicas e sociais cotidianas
que se identificam como educação ambiental, produzidas à margem e em contraposição
à educação ambiental das políticas públicas, dos dispositivos de controle e de validação
acadêmica e das biopolíticas (BARCHI; REIGOTA; YANG, 2018, p. 266).
Desse modo, exercitamos em nossas ações de ensino, pesquisa e extensão o
comprometimento ético e político, de uma educação ambiental que
“não está vinculada à
transmissão de conhecimentos sobre a natureza, mas sim à possibilidade de ampliação de
participação política dos cidadãos e cidadãs” (REIGOTA, 2012, p. 97). Com essa perspectiva
buscamos criar espaços dialógicos, de convivências e de aprendizagens, com a intenção de nos
afastarmos da concepção “bancária” de educação, “em que a ~nica margem de ação que se
oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá-los e arquivá-los. Margem para
serem colecionadores ou fichadores das coisas que arquivam” (FREIRE, 2014, p. 80-81).
Em nosso fazer docente, ao nos inserirmos na luta contra as concepções bancárias de
educação, pensamos com Paulo Freire (2014, p. 81) que “só existe saber na invenção, na
reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens e as “mulheres” fazem no
mundo, com o mundo e com os outros. Busca esperançosa tambpm”.
Com isso, as práticas pedagógicas aqui apresentadas por meio de imagens e narrativas se
enveredam pelos caminhos e movimentos das perspectivas ecologistas de educação, se desviando
da educação “bancária” “para a qual a educação é o ato de depositar, de transferir, de transmitir
valores e conhecimentos” (FREIRE, 2014, p. 82), reforçando a “cultura do silêncio” em sala de
aula, onde o educador é que diz a palavra; e os educandos, os que a escutam docilmente.
Assim, desejamos com esse texto enfatizar nossas aproximações com as perspectivas
ecologistas de educação, evidenciando também o quanto refutamos a “cultura do silêncio” no
nosso fazer docente, ao exercitarmos diálogos amorosos em consonância com os pensamentos de
Paulo Freire (2014), que ao dizer que o diálogo é fenômeno humano e uma exigência existencial,
nos instiga na realização de práticas pedagógicas dialógicas amorosas, que movimentam e criam
uma interação solidária entre os sujeitos da história (FREIRE, 1996), envolvidos nos processos de
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aprendizagens, com a vontade de transformar e agir criticamente no mundo. Assim, é necessário
destacar que “não há diálogo, se não há um profundo amor ao mundo e aos homens e ‘as
mulheres’. Não p possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há
amor que a infunda. Sendo fundamento do diálogo, o amor é, também, diálogo” (FREIRE, 2014,
p. 110).
Início de mais um ano letivo
A alegria não chega apenas no encontro do achado mas faz parte do processo de busca. E
ensinar e aprender não podem dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria
(FREIRE, 1996, p. 142).
O ano de 2018 começou com ares inquietantes, foi preciso ânimo para caminhar e
conviver com as adversidades e “ruídos do mundo” (GUIMARÃES, 2016). Com essa vibração
iniciamos o semestre com as ações do projeto Narradores da Maré e com graduandos e
graduandas das disciplinas “Geografia: conte~do e metodologia”, ofertada ao sexto período do
curso de Pedagogia, matutino e noturno, e, “Tópicos Especiais de Ensino I”, ofertada ao terceiro
período da licenciatura de Geografia-noturno, e que nos fazem resistir, criar e reinventar a vida e
a educação.
Nesse contexto, para além dos Programas de Ensino e das ementas das disciplinas que
possibilitaram diálogos de saberes com outras geografias, territorialidades e temporalidades,
nossa intenção pedagógica durante os encontros foi de problematizar o potencial ético, político,
pedagógico e ecológico das práticas pedagógicas e de narrativas compartilhadas com diálogos
amorosos, escutas e com “a curiosidade como inquietação indagadora” (FREIRE, 1996, p. 32).
Durante o semestre letivo aproveitamos os momentos de leitura e estudos em sala de aula
para nos aproximarmos das concepções teóricas, metodológicas, éticas e políticas das
perspectivas ecologistas de educação, por meio de oficinas de composteira, aulas de campo no
centro histórico de Vitória e seminários de apresentação dos Grupos de Trabalhos (GTs).
Diante de inúmeras possibilidades de leituras, optamos por artigos que dialogassem com
as perspectivas ecologistas de educação, e os escolhidos foram: “Cidade, lugar do possível:
experimentações para um ver a mais” (2014) e “Imagem e clichê: proposições para um ver a
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mais” (2015), de Larrisa Corrêa Firmino; “Geografia experimental do corpo ou de como se chega
a dizer outra coisa da geografia, da terra, do mundo”, de Danilo Stank Ribeiro, Raphaela
Desidério e Ana Maria H. Preve
(2013); e uma versão deste mesmo artigo intitulada
“Paisageando na composição de paisagens sensacionais” de Danilo Stank Ribeiro
(2015).
Incluímos ainda “As perspectivas ecologistas em Educação e as hortas pedagógicas e orgânicas: a
ação do PIBID Geografia da Uniso” (2017), de Rodrigo Barchi.
No decorrer dos debates e leituras dos artigos tivemos a possibilidade de assistir pequenos
vídeos, músicas e poesias, numa atitude de professor e “pesquisador conversador” (SPINK,
2008), acrescentando outras indicações de leituras, com destaque para os livros “Ecologias
inventivas: conversas sobre educação” (PREVE et al, 2012),“Ecologias inventivas: experiências
das/nas paisagens” (GUIMARÃES et al, 2015)”, o livro “Ecologistas” (REIGOTA, 1999a), as
obras freireanas,
“Pedagogia do Oprimido”
(FREIRE,
2014),
“Pedagogia da Autonomia”
(FREIRE, 2009) e os “livros-dialogados” de Paulo Freire e Sprgio Guimarães, “Aprendendo com
a própria história” (FREIRE; GUIMARÃES, 2011a) e “Dialogando com a própria história”
(FREIRE; GUIMARÃES, 2011b).
Oficinas de composteira
Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move e que nos põe pacientemente
impacientes diante do mundo que não fizemos, acrescentando a ela algo que fazemos
(FREIRE, 1996, p. 32).
Foi numa quarta-feira à noite, na disciplina ministrada para a turma de Pedagogia, no
calor das discussões e debates sobre “As perspectivas ecologistas em Educação e as hortas
pedagógicas e orgânicas: a ação do PIBID Geografia da Uniso”, de Rodrigo Barchi (2017), que
nos deparamos com práticas ecologistas de educação realizadas com o PIBID, e, dentre elas,
compostagem, horta orgânica de verduras e legumes, e o plantio de milho e mandioca orgânico e
não transgênico.
Durante os diálogos sobre o texto, uma graduanda comentou em sala de aula:
Professor, dá para fazer uma composteira usando uma garrafa pet. Eu vi com a professora que eu
acompanho no estágio. A gente podia fazer aqui na sala de aula.
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A proposta foi prontamente endossada pela turma. Assim, iniciamos as pesquisas de
modelos conhecidos e os materiais que seriam utilizados na montagem da composteira doméstica
feita com garrafa pet. Depois dessa aula, compartilhei alguns modelos via e-mail para as turmas,
com orientações de montagem e dos materiais necessários e combinamos de levar cascas de
frutas e ou verduras para a oficina de composteira, que aconteceu em momentos e turmas
diferentes, criando espaços de convivência e de aprendizagens.
Em seguida, organizamos a sala de aula para a oficina de composteira ao som de algumas
canções e a exibição do vídeo “A Natureza está Falando: o solo”, narrado na voz do cantor e
compositor brasileiro Gilberto Gil, produzido por uma organização brasileira sem fins lucrativos
“Conservação Internacional” (CONSERVAÇÃO..., 2015). A sala cheirava a terra e na mesa
foram expostos os materiais: estilete, tesoura, prego para furar a tampa da garrafa, pedrinhas,
terra para plantio e cascas de frutas e verduras. Gestos, brincadeiras, conversas, músicas, um vai e
vem constante povoando a sala por completo. Quem terminava a montagem auxiliava os outros.
Após a oficina, exercitamos um diálogo amoroso, aguçado pela curiosidade sobre o artefato
montado e suas possibilidades éticas, políticas e pedagógicas, relacionando-o com as dimensões
ecológicas, culturais e econômicas.
Gostei da ideia, professor, minha avó vai gostar. Dá pra fazer essa composteira com as séries iniciais,
pedindo a ajuda dos familiares no preparo da estrutura. É uma boa oportunidade para estudarmos os
solos e nossos hábitos alimentares.
Esse contato com a terra...adorei a ideia. Eu também fiquei pensando nos hábitos alimentares que temos
em casa. Mais do que a montagem da composteira, o legal é que a gente vai lembrando dessas coisas.
Lembrei da minha infância. E fiquei pensando na fragilidade do solo e de como a gente não tem esse
cuidado com o que comemos, e nem sabemos se o que comemos tem agrotóxico ou se é transgênico.
Professor, de acordo com o texto é possível realizarmos práticas ecologistas de educação e com a
composteira é possível a gente discutir na escola a agricultura orgânica e a agroecologia.
Eu gostei muito da oficina, vou propor para a professora do estágio e tentar fazer lá na escola. Lembrei
que eu assisti esses vídeos citados no artigo quando estava no ensino médio.
Compartilhamos memórias, saberes, dúvidas e curiosidades de como cuidar da
composteira, o que deve e não deve pôr, onde guardar, os processos de decomposição, os perfis
e tipos de solos, processos de erosão, código florestal, desmatamentos. As curiosidades e
problematizações não pouparam também os nefastos modelos de agroind~stria e o “agro p pop”,
e seus impactos na agricultura familiar e na agroecologia. Com a oficina de composteira
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dialogamos sobre as contribuições pedagógicas, políticas e ecologistas para os cotidianos
escolares, sem classificações etárias e disciplinares, por entendermos que as problemáticas
germinadas com a composteira estão diretamente relacionadas com nossas vidas cotidianas.
Os diálogos de saberes com a oficina de composteira possibilitaram intensas reflexões
acerca das problemáticas ecológicas na saúde humana e de animais domésticos, decorrentes dos
consumos de alimentos transgênicos, inclusive as questões que envolvem os
“T’s” nas
embalagens dos alimentos, os agrotóxicos, fertilizantes e alimentos industrializados, a
Revolução Verde, as
“bancadas” ruralistas e o
“pacote de veneno”, as monoculturas, a
segurança alimentar e o equilíbrio ecológico, os tipos de solos do Brasil, e, as relações entre os
hábitos alimentares dos povos indígenas e das comunidades quilombolas e suas influências em
nossos hábitos alimentares “modernos” e urbanos.
Com as oficinas de composteira fertilizamos nas turmas diálogos amorosos, alimentados
pelas dimensões éticas, políticas, pedagógicas e ecologistas de educação, com situações reais e
concretas, que envolvem nossos hábitos alimentares, de consumo e de relações com os solos e
as condições de vida de milhares de trabalhadoras e trabalhadores rurais. Contribuindo para que
essas problemáticas adentrem os territórios de aprendizagens aproximando os cotidianos
escolares e os espaços de formação, deslocando nossa curiosidade ingênua para a curiosidade
epistemológica, pois, “quanto mais criticamente se exerça a capacidade de aprender, tanto mais
se constrói e desenvolve o que venho chamando “curiosidade epistemológica”, sem a qual não
alcançamos conhecimento cabal do objeto” (FREIRE, 1996, p. 24-25).
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Aula de Campo
Como experiência especificamente humana, a educação é uma forma de intervenção no
mundo (FREIRE, 1996, p. 98).
Figura 1 - Praça Costa Pereira
Fonte: Arquivo pessoal dos autores
Os movimentos aqui apresentados foram desencadeados em conversas e experiências com
a paisagem, com o que ela te provoca a pensar, das narrativas possíveis de um mesmo lugar
tornando-o múltiplo e dinâmico. Durante as aulas e com as leituras e diálogos com os artigos
indicados no início deste texto, aproveitamos o momento para apresentarmos outras publicações,
dentre elas os livros “Centro de Vitória” (DADALTO, 1999), “Atlas ambiental de Vitória, ES”
(ATLAS,
2013),
“Marcovaldo e os doze passeios em Vitória: percursos temporais de
conhecimento e valorização da região central da cidade” (KUSTER, 2003), e “Passeio pelo
centro de Vitória na companhia de Rubem Braga” (NEVES, 1992).
Nestes encontros compartilhamos narrativas e
“experiências das/nas paisagens”
(GUIMARÃES et al, 2015), e, novamente, de repente, um graduando comenta sobre o centro
histórico de Vitória, relembrando das suas experiências quando atuou num projeto voltado para a
recepção de visitantes nos monumentos históricos da chamada “cidade alta”, destacando e
fazendo coro com as leituras e problematizações em sala de aula, ao dizer que se trata de um
lugar conhecido pelas narrativas sobre o lugar, definidas pelo ponto de vista dos colonizadores.
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A partir deste diálogo surgiu a ideia de fazermos uma Aula de Campo no centro histórico
de Vitória. Proposta foi aceita pela turma e ampliamos a possibilidade de envolver as outras
turmas da graduação, possibilitando a criação de encontros e integração acadêmica entre
estudantes com as paisagens e com outras geografias.
E assim chegou o dia da Aula de Campo com os estudantes dos cursos de graduação em
Geografia e Pedagogia. Os grupos foram se encontrando e se conhecendo em diálogos amorosos,
compartilhando curiosidades, aprendizagens, estranhamentos e descolamentos com o lugar, com
a paisagem e consigo mesmos. Encontros com as diferentes formas que a cidade se apresenta aos
nossos olhares e corpos, que nos atravessam com seus sons, cores, cheiros, memórias e emoções.
Figura 2 - Praça Costa Pereira
Fonte: Arquivo pessoal dos autores
Com essa experiência foi possível sentir forças invisíveis nos encontros com as
construções coloniais e modernas, ruas retas, sinuosas, íngremes, ladrilhos, ladeiras, asfalto e
escadarias a serem percorridas, rasurando o mapa da cidade que habita em nós, trazendo a tona
outras geografias, com “paisagens sensacionais” (RIBEIRO, 2015), preenchidas com detalhes,
silhuetas, gestos, desvios, emoções e descobertas.
Era uma bonita manhã de sábado. Combinamos de nos encontrar na Praça Costa Pereira e
de terminarmos o percurso - ainda desconhecido - na barraquinha de pastel e de caldo de cana, na
tradicional feira livre da Rua Sete de Setembro. O início e o fim era o que sabíamos. Teríamos
que fazer os percursos para sabermos o que encontraríamos no caminho. A Praça Costa Pereira
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abrigava várias pessoas em situação de rua, “os humilhados do parque com os seus jornais”,
retratados na canção “Alucinação”, de Belchior (1976). Mapeamos a paisagem com os olhos e
com o corpo em toda a sua extensão. Estávamos em 38 pessoas que, de repente, todas e todos se
veem diante de uma faixa no chão pintada de azul.
O que essa faixa indica professor?” - perguntou um graduando da Geografia.
Essa faixa azul no chão percorre um trecho da cidade baixa, representando o nível do mar na época da
colonização. Fiquei sabendo disso por que sou moradora daqui do centro. No passado a Costa Pereira era
uma praia, a prainha, com uma igreja de Nossa Senhora da Conceição, que ficava onde hoje foi construído
o Teatro Carlos Gomes.” - respondeu uma graduanda da Pedagogia.
Na placa turística tá mostrando que tinha também um lago artificial na praça, onde estão os bancos e
jardins, que hoje servem de abrigo para as famílias e pessoas em situação de rua. É difícil imaginar que
tudo isso já foi banhado pelo mar e que já teve um lago artificial e um chafariz aqui, e que o bondinho
passava aqui também.
Eu conheci a Costa Pereira quando participava dos atos políticos e das manifestações culturais.
Quanto tempo que não venho aqui. Lembro de quando era criança. A gente comia pastel com caldo de cana
ali, no Garapa da Cidade.
Só hoje que eu fui perceber aquela escultura de ferro ali. Fui lá ver o nome dela. Se chama “Mãe”.
Figura 3 - Rua Sete de setembro
Fonte: Arquivo pessoal dos autores
Continuamos a caminhar em busca de “um modo de ver a mais”, criando estranhamentos,
diálogos e narrativas, aprendendo com as paisagens do lugar. Para chegarmos na “cidade alta” e
na Catedral Metropolitana, optamos pelo acesso da Escadaria São Diogo, de estilo eclético e que
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 21, n. 1, p. 157-178, jan./abr. 2019.
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GONZALEZ, Soler; RAMOS, Andréia Teixeira. Há uma horta no meio da cidade.
no período colonial era conhecida como Ladeira da Pedra e construída ao lado de um forte. Em
frente à escadaria nos deparamos com esculturas metálicas que chamaram nossa atenção: trata-se
de um memorial em homenagem aos desaparecidos políticos, durante a época do regime civil-
militar no Brasil. Memórias de seis dos principais personagens capixabas, que participaram da
Guerrilha do Araguaia, no início da década de 70.
Depois de tantas descobertas e ainda no início do percurso, subimos a escadaria e
chegamos à Catedral Metropolitana de Vitória, que em 1551 era uma pequena igreja de estilo
colonial, na época que Vitória se chamava Vila Nova. O projeto atual da catedral precisou de 50
anos para ser construído e contém uma decoração com grandes vitrais coloridos e uma arquitetura
eclética e neogótica. Vista de cima, a catedral tem um formato de uma cruz.
Ao lado da catedral nos deparamos com a Escadaria Maria Ortiz. O encontro com a
escadaria possibilitou que conhecêssemos sua história. No período colonial era conhecida como
Ladeira do Pelourinho, tendo sido também o palco de uma batalha contra as invasões de piratas
holandeses em 1625.
O nome da escadaria é em homenagem à jovem Maria Ortiz, que, aos 22 anos, combateu
a invasão de piratas holandeses que tentaram conquistar a ilha de Vitória. A jovem Maria Ortiz
incentivou os vizinhos a arremessarem água fervente, brasas e pedra sobre os piratas invasores,
que se viram encurralados, desistindo da invasão. Em 1899 a ladeira recebeu o nome de Maria
Ortiz, e, em 15 de novembro de 1924, foi inaugurada com o nome de Escadaria Maria Ortiz.
Professor, quer dizer que se não fosse a Maria Ortiz, a gente poderia ter sido colônia holandesa? - Esse
questionamento gerou um murmurinho entre o grupo.
Ela foi uma mulher corajosa que não se deixou colonizar. - Comentou uma estudante.
Andarilhando por alguns pontos conhecidos do centro histórico, conversamos com a
paisagem, aprendemos com ela, conhecemos e dialogamos com a história, em busca de outras
narrativas, versões, casos, acontecimentos, personalidades, lançando nossos olhares e corpos para
as intervenções, ocupações, mobilidades, conflitos e diferentes usos dos espaços públicos da
urbe, rasurando os lugares, com o desejo de percorrer, sentir e ouvir narrativas outras, que narram
outra cidade, cidades dentro da cidade.
Continuamos nossas conversas com a paisagem e a cidade ouvindo o que elas nos diziam,
gritavam ou silenciavam, percebendo como elas nos acenavam e o que estava contido nelas.
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GONZALEZ, Soler; RAMOS, Andréia Teixeira. Há uma horta no meio da cidade.
Estávamos em busca de outras paisagens, cartografias e geografias que não cabem em mapas
convencionais e em narrativas oficiais e acadêmicas. Ouvimos, sentimos e percorremos a cidade
com a atenção aberta e distraída, e fomos afetados por outras cidades, diferente daquela cidade
indicada nas narrativas e mapas das placas dos pontos turísticos do centro histórico de Vitória.
Com esses encontros percorremos territórios sonoros, afetivos, gustativos, cromáticos,
sombrios, olfativos, nos aproximamos de outras geografias e narratividades com a paisagem e
suas intervenções estéticas, monumentos, igrejas, escadarias, praças, jardins, os traçados
coloniais de suas ruas, ladeiras, museus, conventos, detalhes nas arquiteturas, pichações, grafites,
esconderijos, bocas de fumos e hortas. Hortas?!
Figura 4 - Vista para a Catedral Metropolitana de Vitória
Fonte: Arquivo pessoal dos autores
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GONZALEZ, Soler; RAMOS, Andréia Teixeira. Há uma horta no meio da cidade.
Figura 5 - Escadaria Maria Ortiz
Fonte: Arquivo pessoal dos autores
Quintal da cidade
Como professor devo saber que sem a curiosidade que me move, que me inquieta, que
me insere na busca, não aprendo nem ensino. Exercer a minha curiosidade de forma
correta é um direito que tenho como gente e a que corresponde o dever de lutar por ele, o
direito à curiosidade (FREIRE, 1996, p. 85).
Figura 6 - Horta Comunitária “Quintal na Cidade”
Fonte: Arquivo pessoal dos autores
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 21, n. 1, p. 157-178, jan./abr. 2019.
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GONZALEZ, Soler; RAMOS, Andréia Teixeira. Há uma horta no meio da cidade.
Continuamos as travessias e conversas com a paisagem e a cidade, e chegamos no
Viaduto Caramuru, construído em 1925 para a passagem do bonde que circulava na cidade alta.
Entretanto o bonde nunca passou pelo viaduto, devido à suspeita de que não aguentaria o seu
peso e de que o bonde não seria capaz de fazer a curva que liga as duas ruas. Abaixo do viaduto
está a Rua Caramuru, palco de uma batalha contra holandeses que tentaram invadir a ilha em
1640.
Essa mesma curva nos levou ao encontro de um morador local, que estava passeando com
o seu cachorro e nos indagou pensando que fôssemos da campanha de vacinação. Quando soube
que éramos da Ufes, dos cursos de Pedagogia e Geografia, perguntou ao grupo:
“Vocês
conhecem a horta comunitária que cuidamos aqui perto?”.
Ficamos curiosos em conhecer essa horta comunitária e fomos conferir de perto. A horta
fica atrás do muro do Convento de São Francisco, numa rua sem saída, que estava abandonada e
era usada como depósito de lixo. Na entrada encontramos uma placa nos informando que ali era
uma “ocupação” chamada de “Quintal na cidade”. No muro dos fundos do Convento avistamos
os escritos “Ocupa verde” e “Bora plantar! Verdeja”.
Figura 6 - Horta Comunitária “Quintal na Cidade”
Fonte: Arquivo pessoal dos autores
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 21, n. 1, p. 157-178, jan./abr. 2019.
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GONZALEZ, Soler; RAMOS, Andréia Teixeira. Há uma horta no meio da cidade.
Estou me sentido como se estivesse na casa da minha mãe, lá na roça, só que estou no centro da cidade.
Nunca imaginei isso [...]. Aquilo ali é o quê? Aquela geladeira? Quem ajuda aqui na horta? A prefeitura
ajuda também?
É uma biblioteca comunitária, batizada de “Hortoteca”. Essa é uma horta comunitária e orgânica cuidada
voluntariamente por
12 famílias, que cultivam hortaliças, plantas medicinais, bananas, temperos.
Trabalhamos na forma de mutirão desde 2014, quando eu vim morar aqui.
E a horta está produzindo?
Olha, ela produz isso aqui que você está fazendo agora, por exemplo. Interagindo com o alimento. A gente
está muito distante disso. Tem família que traz a criança aqui para ter essa experiência. Mas a horta vive
de doações também...Hoje, como podem ver, temos uma composteira, minhocário e uma geladeira, que foi
adaptada para ser uma biblioteca comunitária.
E tem escola que visita?
Tem sim [...] o pessoal já visitou. Essa semana vai ter um grupo da Geografia da Ufes e da Arquitetura, que
está com a ideia de fazer um mirante nessa árvore cortada.
Ocupamos o espaço da horta comunitária e desfrutamos da vista para os morros e o porto
de Vitória. Atualmente a horta recebe visitantes, curiosos e grupos de estudantes.
Quinzenalmente o “Quintal da cidade” é cuidado por voluntários que exercitam uma ação
solidária e ecológica na comunidade. Os canteiros da horta, assim como a cidade alta, seguem a
declividade do terreno, criando um ambiente acolhedor e com cheiro de terra molhada, com
flores diversas e uma árvore no centro do terreno. Numa das laterais do terreno encontramos a
residência de nosso anfitrião, que nos colocou em contato com plantas medicinais: cidreiras,
hortelãs, boldos, alecrins, manjericões verde e roxo, babosas, arrudas e melissas.
Encontramos também bananeiras, pimentas, acerola, pitanga, jabuticabas, goiabas e outras
árvores frutíferas, além de temperos, verduras e hortaliças, couve, salsa, coentro, mostarda,
orégano, rúcula, milho, mandioca. Deparamo-nos com composteiras, sementeiras, mudas,
minhocário e uma
“hortoteca”, nome dado a uma geladeira transformada em biblioteca
comunitária.
Foi um prazeroso, inusitado e bonito encontro. Ficamos fascinados com o lugar. Nossos
olhares e corpos, antes ruas e concreto, agora, uma horta comunitária, num lugar totalmente
desconhecido. Os canteiros sinuosos que aguçaram nossas curiosidades em apalpar, agachar para
ver de perto, cheirar, provar e degustar.
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 21, n. 1, p. 157-178, jan./abr. 2019.
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Aqui é um lugar perfeito para interagir com o solo. Repensar o que estamos fazendo com o solo. Solo é vida
e a gente nem percebe. Esse lugar faz isso com a gente.
Dá também para ver uma proposta de agroecologia e de alimentação saudável. Lembrei da oficina de
composteira, professor!
É mesmo. A composteira...tem uma ali. Aqui é um lugar bom para gente refletir sobre nossos hábitos
alimentares e dos alimentos que consumimos.
E dos que a gente está deixando de consumir. Tem coisa que a gente nem conhece. Só ouve falar. Nunca
nem viu.
E isso tem relação com o agronegócio, a revolução verde, agrotóxicos, e agora, os transgênicos e o
“pacote do veneno”. Aquilo que conversamos em sala de aula, não é professor?!
Fazendo uma relação também com a política. Lembrando da bancada ruralista e da política agrícola do
nosso país.
Com a ocupação da horta comunitária a conversa se fertilizou e alimentou as
possibilidades pedagógicas e ecológicas. E isso fez com que os estudantes, que estavam nessa
aula de campo e que haviam participado da oficina de composteira, feita com garrafas pet em
uma aula da Ufes, relembrassem da oficina e do artigo do professor Rodrigo Barchi. Discutimos
situações reais que estão em nossa vida cotidiana, em relação ao solo, à alimentação, à saúde e à
vida, e que entram sem pedir licença, atravessando limites e fronteiras disciplinares e
curriculares.
Figura 7 - Vista para Morro da cidade de Vitória
Fonte: Arquivo pessoal dos autores
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 21, n. 1, p. 157-178, jan./abr. 2019.
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Encontros na sala de aula
O mundo não é. O mundo está sendo (FREIRE, 1996, p. 76).
Os encontros com a horta comunitária suscitaram relações de aprendizagens e diálogos
amorosos, provocando também memórias dos movimentos que aconteceram com as oficinas de
composteira em sala de aula, realizadas com as turmas.
Após os desdobramentos e movimentos das Aulas de campo, Oficinas de Composteira e
das experimentações e aprendizagens com as paisagens e as cidades, lançamos a proposta dos
estudantes se organizarem em Grupos de Trabalhos (GTs), para cartografar e apresentar as
experiências e vivências que tiveram na aula de campo. A prática pedagógica consistia em
cartografarem as diferentes narrativas e experimentações que vivenciaram com as paisagens e
com a cidade.
Os GTs prepararam mapas, croquis ou “mapas sensacionais” que continham inumeráveis
espacialidades, territorialidades, temporalidades, repletos de detalhes singulares de cada grupo,
incluindo desenhos, linhas, símbolos e fotografias, trazendo aos mapas vividos e inventivos, as
relações entre o moderno e o antigo, as ecologias, ocupações, mobilidades urbanas, comércios,
conflitos e desigualdades sociais, intervenções urbanas, cores, cheiros, relações humanas, gestos,
afetos, na escala da vida cotidiana.
Cada GT destacou cartografias outras e com nomes criativos: “Passos por Vitória”, “Onde
a cartografia e o sentimento se encontram”, “Nossos olhares no centro de Vitória”, “Centro
histórico de Vitória”, “Tesouros de Vitória”, “Mapa mental: registro da aula de campo”, “Mapa
mental: centro de Vitória”. Outros mapas eram nomeados como “Mapa mental”, e há ainda, os
que não tinham títulos, abertos em sua radicalidade inventiva.
As apresentações dos mapas foram acompanhadas pela exibição de um pequeno vídeo de
até 4 minutos, reunindo imagens, fotografias, gestos, detalhes, paisagens e “um ver a mais” do
centro histórico de Vitória embalado por canções escolhidas por cada GT. Os vídeos foram
elaborados de modo coletivo e solidário pelos grupos de estudantes, que foram orientados a
criarem outras narrativas, cartografias e geografias da cidade, com outras formas representativas
do espaço e que levassem em consideração as intensidades, os processos que emergiram nos
encontros com a cidade e com a paisagem, subvertendo as representações hegemônicas das
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cartografias cartesianas. As exibições dos vídeos e mapas foram encharcadas de imagens afetivas,
ecologistas e dialógicas, enaltecendo com alegria e boniteza as aprendizagens e as outras
geografias vividas com as práticas pedagógicas ecologistas que realizamos.
Com a elaboração dos mapas, os GTs apresentaram suas cartografias e geografias afetivas
com legendas e símbolos criativos. Os grupos criaram mapas de diferentes tamanhos, texturas,
materiais e com objetos acoplados. Todos com muitas cores, alguns com colagens de figuras,
traços intensivos, gestos, emoções, desenhos e fotografias da aula de campo. Nas cartografias e
geografias afetivas criaram mundos e outras ecologias e modos de narrar a cidade e suas
histórias, nos fazendo aprender com a história, com lugares dentro do lugar, produzindo outras
narrativas com a paisagem, outras geografias, espaços e territórios.
Figura 8 - Mapas produzidos pelos Grupos de Trabalhos
Fonte: Arquivo pessoal dos autores
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Figura 9 - Mapas produzidos pelos Grupos de Trabalhos
Fonte: Arquivo pessoal dos autores
Continuando os caminhos
Mudar é difícil. Mas é possível (FREIRE, 1996, p. 79).
E assim chegamos à
(in)conclusão deste texto, que nos trouxe algumas pistas e
aproximações com as perspectivas ecologistas de educação, levando-nos a exercitar em nosso
fazer docente posicionamentos éticos, políticos e metodológicos, com práticas pedagógicas
envolvendo estudantes dos cursos de Pedagogia e Geografia da Ufes. Acreditamos nos diálogos
amorosos e numa educação libertadora, em que educadores e educandos, simultaneamente, se
façam educadores e educandos, com práticas pedagógicas problematizadoras, sendo que
“ningupm educa ningupm, ningupm educa a si mesmo: os homens e “as mulheres” se educam em
comunhão, mediatizados pelo mundo” (FREIRE, 2014, p. 96).
Portanto, “a educação problematizadora se faz com um esforço permanente através do
qual os homens e “as mulheres” vão se percebendo, criticamente, como estão sendo no mundo”
(FREIRE, 2014, p. 100), pois:
Mulheres e homens, seres históricos-sociais, nos tornamos capazes de comparar, de
valorar, de intervir, de escolher, de decidir, de romper, por tudo isso nos fizemos seres
éticos. Só somos porque estamos sendo. Estar sendo é uma condição, entre nós, para ser.
(FREIRE, 1996, p. 33).
Quaestio, Sorocaba, SP, v. 21, n. 1, p. 157-178, jan./abr. 2019.
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Com esses movimentos de estar sendo, “como um ser inconcluso, consciente de sua
inconclusão” (FREIRE, 2014, p. 101), que percorremos territórios nos processos de ensinar e
aprender, com as práticas pedagógicas, que aqui denominamos ecologistas e que foram
apresentadas neste texto. Essas práticas potencializam outros modos de agir, intervir, de aprender
e ensinar com, e, no mundo, pois “não há docência sem discência, as duas se explicam e seus
sujeitos apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto, um do outro.
Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 1996, p. 23).
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